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Paula Lima – “O esporte a favor da humanidade”

Paula Lima é colunista de RG e escreve, geralmente, aos sábados (Foto: Lucas Fonseca)

Por Paula Lima

É com prazer, e mais uma vez, que venho através desse espaço compartilhar ideias e pensamentos. Esta coluna é para falar sobre amor, transformação, evolução e cultura. Hoje a minha reflexão é sobre o tema: racismo versus esporte e o significado de ações humanas extremamente positivas.

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Recentemente soubemos do caso do atleta olímpico talentoso e ganhador de medalhas, já citado aqui, Ângelo Assumpção, que por ter se manifestado em relação ao racismo que sofreu durante anos no seu ex-clube, o Pinheiros (São Paulo), hoje se encontra desempregado. E mesmo com uma pressão da mídia e das redes sociais, sua condição não mudou. Por que será?

Aranha, o goleiro, também sofreu ataques e, ao se manifestar, não foi mais contratado por nenhum outro time. Será que algum apoio maior, incluindo algum esportista também maior, faria diferença? 

Esta semana vimos o craque e adulto Neymar Jr., já um bom entendedor do mundo, sofrer racismo em campo. O racismo é inaceitável, é crime. Todo racista é racista, seja contra quem for, um negro assumido ou não, um negro que se posiciona e defende os seus ou não. Um negro que entende o que é ser negro ou não. 

O assunto é sério e medidas devem ser tomadas contra o zagueiro Álvaro González para que não saia impune. Esporte é exemplo. O zagueiro, na sequência do ato, postou uma foto com os “pretos e ele”, o branco – como se essa fosse a prova de que não é racista.

Sobre o brasileiro, todos nós, negros e não negros antirracistas, há tempos aguardarmos um posicionamento sobre racismo, #VidasNegrasImportam, #MorreUmJovemNegroACada23minutos no Brasil! Afinal, tudo isso é real. 

Uma pessoa pública, um ídolo, pode transformar e conscientizar milhões de cabeças e corações. Neymar que já se autodeclarou não preto há 10 anos em entrevista, e, recentemente, depois do episódio em que se envolveu, nunca mais havia falado publicamente sobre o assunto. Agora, o atleta sente na pele e constata, mesmo com a melhor condição financeira e sendo excepcional no que faz, que o racismo é perverso e não enxerga “quem”, mas sim a “cor” de quem. Há ainda a questão do colorismo, que falarei sobre mais pra frente.

De toda forma, sendo mais claro ou não, um negro sempre será um negro aos olhos de não negros e brancos. Aguardo a punição do racista. O esporte ensina. O esporte é pelo coletivo. Legado e louros advém além de campo. 

Foto: Getty Images

Lewis Hamilton, hexacampeão de Fórmula 1, de forma mais que necessária, se tornou uma das vozes mais importantes na luta contra o racismo. Ele se arrepende de não ter se posicionado antes e, agora, diz que não vai parar. Conta que foi silenciado, após apoiar em 2016 o ex-jogador da NFL Colin Kaepernick, que se ajoelhou durante a execução do hino nacional dos Estados Unidos antes das partidas. Colin perdeu o emprego e nunca mais jogou. Hamilton usou um capacete vermelho (a cor do 49ers) com o número que ele utilizava ao homenageá-lo.

No GP da Toscana, Hamilton trocou sua tradicional camiseta com os dizeres “vidas negras importam” por uma em que cobrava respostas no caso de Breonna Taylor, que foi morta pela polícia de Louisville, no estado do Kentucky, em março. A camiseta de Hamilton tinha os dizeres “Prendam os policiais que mataram Breonna Taylor”, e uma foto de Taylor atrás com a frase “Diga o nome dela”.

Hamilton nas suas redes tem reafirmado seu compromisso contra o racismo e convocado outras pessoas para que juntos transformem e desafiem o mundo com relação a todos os níveis de injustiça, não apenas racial. Afirma ainda que podemos tornar esse lugar melhor para crianças e as futuras gerações. Isso é edificante! Esse é o papel de pessoas conscientes num âmbito maior. 

Temos que lembrar também da liga americana de basquete profissional que chegou a paralisar os playoffs da NBA, momento mais decisivo da competição, por três dias, no fim de agosto. Em tempo, Breonna Taylor recebeu do estado uma indenização em torno de 60 milhões de reais.

Há alguns dias, a incrível e poderosa (em muitos sentidos) tenista Naomi Osaka, filha de um haitiano e uma japonesa, deu mais um exemplo de encher os olhos em plena quadra. Nas sete partidas que disputou, usou máscaras com os nomes de vítimas negras da violência policial americana. 

Naomi Osaka, 22 anos, diz que antes de ser uma atleta profissional, é também uma mulher negra. E, como mulher negra, sente que tem coisas mais importantes e que merecem atenção mais imediata do que a assistirem jogar uma partida de tênis. Diz ainda que odeia quando as pessoas dizem que os atletas não devem se envolver com política e se ater ao entretenimento, porque esta é uma questão de direitos humanos. 

Foto: Reprodução/Twitter

Neste ano, ela deixou sua casa em Los Angeles para participar de um protesto em Minneapolis contra a morte de George Floyd.

Na semana anterior ao US Open, ela se retirou do Torneio de Cincinnati, em protesto. A organização precisou se ajustar rapidamente e decidiu que no dia seguinte não teria jogos em apoio às manifestações. Osaka, então, decidiu se manter na competição após ter sua voz ouvida. A organização do US Open, após o ocorrido, se antecipou e desde a primeira rodada, exibe a mensagem “Black Lives Matter” num painel artístico. Observe, a diferença gritante quando um esportista (no caso dela, de ponta) se posiciona. O mundo ao seu redor se transforma.

Esta semana circulou o vídeo em que Naomi, após vencer uma partida contra a tenista Coco Gauff, convida a “rival” a dar a entrevista com ela. Um momento absolutamente emocionante de sonoridade, empatia, nobreza, gentileza. Um exemplo do que é ser gente. 

Hamilton e a iluminada e apaixonante Naomi nos dão esperança. Nos fazem acreditar que pessoas e dias melhores virão! Que outros sigam esse caminho! 

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Minhas dicas de hoje é o livro “Pequeno Manual Antirracista”, de Djamila Ribeiro, e o episódio 5, da espetacular e genial série “Lovecraft Country”, da HBO, sobre estar na pele de um negro e vice-versa. Também indico o filme “Hotel Ruanda”, que trata dos conflitos políticos entre hutus e tutsis que mataram quase 1 milhão de ruandenses em 1994 e envolve também o colorismo. A música para se ouvir é “Vidas Negras Sim Importam”, de Gabriel Moura e William Magalhães.

O ativismo de Naomi Osaka e Louis Hamilton tem uma força, uma potência de alcances gigantescos! O legado e os louros vão além do esporte, além do “eu”, transformando vidas e trazendo à tona fundamentais reflexões sobre humanidade e seu futuro, sobre uma luta por um mundo realmente melhor e mais justo! A todos os esportistas e a todos os antirracistas: ergam suas vozes! Nosso sangue tem a mesma cor!

Paula Lima é cantora, compositora e apresentadora. Atualmente, está à frente do “Chocolate Quente” na Rádio Eldorado. Também é uma das diretoras Na União Brasileira de Compositores (UBC).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Site RG.

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