Angélique Kidjo – Foto: Babi Reis
Por Bruno Calixto
O que torna um momento especial senão buscar na ancestralidade respostas para entender o futuro? Convidada para proferir a palestra de abertura do Rio2C – evento da cultura criativa que começou na terça-feira (11.04) -, a multipremiada cantora e compositora Angélique Kidjo passou pela Bahia antes, onde provou (e aprovou) o vatapá, receita de origem na culinária dos povos iorubás e que foi adaptado no Brasil.
“É do meu país. Vatapá é basicamente o nome da cerimônia tradicional de batismo na minha família. E a comida que você come é a comida da cerimônia”, comentou a artista e ativista beninense, antes de conduzir a cerimônia na Cidade das Artes, Barra da Tijuca.
Na palestra intitulada “Vozes da Transformação”, ela discorreu sobre humanidade, a música como ferramenta de transformação social e a potência da cultura afro-brasileira. Antes, ela conversou com alguns jornalistas.
“Há tantas coisas para fazer. Mas batida por batida, um passo de cada vez, não somos mágicos, não podemos mudar o mundo em um dia, mas quando você tem uma oportunidade de fazer alguma coisa, de mudar você não faz isso… Essa oportunidade desperdiçada multiplica o efeito das consequências sobre as pessoas. Portanto, o silêncio para mim não é aceitável. O silêncio é cúmplice. É parte do problema. Precisamos ter coragem para liderar por nós mesmos e pelos outros.”
Eleita pelar revista “Time” como uma das pessoas mais influentes do mundo, é também embaixadora da Unicef e criou sua própria fundação, a Batonga, dedicada a apoiar a educação de jovens meninas na África.
“O que é bom para mim tem que ser bom para os meus vizinhos. Não podemos falar sobre nossa humanidade quando pensamos que o que temos, o conforto em que vivemos está tudo bem e você não se importa com as pessoas que estão sofrendo ao seu redor. Para mim, toda vez que vejo moradores de rua fico com vergonha. Porque eu sou. Como chegamos aqui? Como criamos esta sociedade onde nos tornamos cegos para a realidade que enfrentamos? Passamos por ele todos os dias, vemos todos os dias, e simplesmente voltamos para casa e nos sentamos e vamos “não é da minha conta”. Portanto, você não pode responsabilizar seus líderes se você, como cidadão, não iniciar um movimento e dizer ‘temos que fazer alguma coisa’.”
Qual o papel das cidades e do poder público no impulsionamento da indústria criativa? Para Angélique participar economicamente de forma igualitária no desenvolvimento de um país tem que ser um direito.
“A educação é um direito, os serviços para as pessoas tem que ser de todos independentemente da cor da pele, independentemente de onde vem, independentemente de ser rico ou pobre. Para mim isso é o que a música é. Quando estou cantando no palco, o público na minha frente, não sei de onde vem. Eles podem ser do mesmo país e pensar de forma diferente. Eles não têm a mesma visão da minha música, mas no momento em que estou cantando vejo todos se unindo. E esse é o poder da música. E isso me torna humilde a ponto de ver como pessoa o que tenho que fazer todos os dias no meu dia a dia para fazer a minha parte pelo direito de cada ser humano ser respeitado. Se eu posso fazer isso todos os dias, todo mundo pode.”
Vencedora de cinco prêmios Grammy, Angélique é uma das mais importantes artistas da música contemporânea, uma força criativa com 14 álbuns na trajetória.
Angélique Kidjo – Foto: Babi Reis
“Acho que não existe indústria da arte quando não existe uma política de proteção dos direitos do músico e do artista. A propriedade intelectual para mim não está à venda e, se não concordarmos com isso, o jornalismo vai desaparecer. Porque quando você está escrevendo seu jornal vem da sua cabeça e o que você está escrevendo é uma informação que ajuda a sociedade a ser melhor. Mas precisamos da sociedade civil, precisamos da política, precisamos que o público entenda que cada um de nós faz parte de um coletivo. Que o que fazemos tem que se unir em harmonia para vivermos em paz. O caos pode entrar em um pequeno buraco. Não deixe o buraco ficar aí, não deixe o buraco aumentar, apenas feche-o sendo justo, sendo humano, estando aí pela justiça.”
Ela conclui que não dá mais para se conformar com uma sociedade onde permanentemente e intencionalmente se divide as pessoas, e isto ser aceito. “A hipocrisia do sistema. O Museu da História Africana em Washington exibe o momento em que Thomas Jefferson estava escrevendo a declaração de Independência e ainda possuía escravos.”
Em setembro, Angélique volta para um show em São Paulo. O Rio, segundo informou desolado seu agente, está fora da tour.
Com recursos da Prefeitura do Rio – via Secretaria Municipal de Cultura (Lei do ISS e RioFilme) -, o Rio2C segue até 16 de abril.