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Príncipe do Gueto – Como usar o privilégio branco

Príncipe do Gueto – Foto: Arquivo Pessoal

Por Príncipe do Gueto

Uma das minhas melhores amigas brancas era muito, mas muito rica. Bem posicionada socialmente e extremamente respeitada como médica. Su fazia questão de estar em minha companhia. Realmente ela amava passar tempo comigo.

Ela estava ali, inteira, para mim. Muitas vezes foi para Nova York para passarmos o verão juntos. Quando eu estava no Brasil ela fazia questão de que fôssemos juntos a festas.

Ela ficava muito chateada se eu não me hospedasse pelo menos alguns dias na casa dela.

Em todos os eventos, Su fazia questão de que eu estivesse sentado ao lado dela. Pessoas muito importantes vinham cumprimentá-la, e ela nunca me deixou sozinho.

Sempre me inseria nas conversas e demonstrava para as pessoas o quanto ela estava feliz de eu estar ali. Ela nunca deixou que o fato de ela ser quem era, me constrangesse de alguma maneira.  Nós nunca conversamos sobre racismo e ela nunca foi de esquerda.

De alguma forma ela sempre usou o seu privilégio branco para que eu acessasse esses espaços.

Uma vez dividi com ela que eu ia para a um evento da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington, seria minha primeira vez nos EUA.

Ela ficou superfeliz com a notícia, saiu contando para todo mundo. Sempre à frente, ela fez uma leitura rápida que nem mesmo eu tinha me tocado.

Ela: “Você precisa ir bem bonito, Luiz, porque você vai representar o Brasil. Quero ir com você para te ajudar a escolher o terno”. Fui experimentar os ternos que ela escolheu, porque eu não entendia nada. São os ternos que uso até hoje nas reuniões da ONU e fico como um lorde africano.

Eu costumo dizer que antirracismo é compartilhar espaços, mas, mais do que isso, é propiciar que pessoas pretas possam acessar lugares, estando de posse das suas inteirezas e em pé de igualdade.

Se você dá acesso à pessoas pretas, certifique sempre de que elas estão bem, de que estão à vontade e se sentem seguras nos espaços, que para você já é natural.

Sempre se antecipe, não pergunte se elas têm como ir, já propicie isso.

Ao ir a um restaurante que talvez a pessoa não esteja acostumada, ajude-a com o cardápio.

Minha amiga sempre comentava comigo sobre as comidas no menu, do que ela gostava ou não, tentando me ajudar na escolha, mas sempre de uma maneira muito leve.

Su me convidou para ir passar o Natal na casa de alguns amigos delas, as pessoas eram abastadas. Ia rolar um amigo-secreto que e ela havia colocado o meu nome, para que eu participasse também da confraternização.

Eu não fazia ideia, estava ainda nos EUA. Su já tinha pego o papel com o nome do meu amigo-oculto.

Um dia antes de irmos à festa, ela avisou-me que havia um amigo-secreto e já tinha comprado o presente para eu entregar.

Eu fiquei desconcertado e disse que não não precisava, mas Su era desse jeito.

Ela jamais me colocaria em uma posição em que eu me sentisse desconfortável, por exemplo, olhando as pessoas trocarem presentes e não participando da brincadeira.

Su me ensinou e ainda me ensina muito.

Se você convidar uma pessoa preta para um evento, coloque-a do seu lado. Mostre para ela que você realmente se importa com a sua presença.

Empatia não é somente se colocar no lugar do outro, é antecipar para que o outro esteja e se sinta inteiro.

Su faleceu no ano passado, meses antes do Natal.

@umprincipedogueto é correspondente da ONU em Nova York, ativista social e membro permanente do Council of Civil Society – OEA.

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