Foto: Breno da Matta
O paulista Vitor diCastro, 32 anos, é um desses caras que vale a pena seguir nas redes sociais. Comprometido com a causa LGBTQIA+, sem nunca perder o humor. Ele que é nascido em Caçapava, Vale do Paraíba, mas que hoje mora na capital, criou uma conta no Instagram em que brinca muito, mas também orienta seus seguidores.
Ele começou na internet como editor do Quebrando Tabu e hoje conta com mais de 1 milhão de seguidores. Ademais, é reconhecido por tratar militância em equilíbrio com o humor, por discutir preconceitos contra a comunidade LGBTQ+, negra e outros grupos. Se ele está onde está é justamente por suas opiniões, por dividi-las publicamente, pelos ensinamentos, pela militância e pela representatividade.
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Em papo com o RG, por email, DiCastro contou sobre família, sua trajetória, e suas opiniões a respeito de política e causas que levanta bandeiras, sobre a importância da influência digital além do entretenimento, trazendo um viés de responsabilidade, política e reconhecimento. Leia a seguir íntegra da entrevista.
Como descobriu o humor na sua vida?
Acho que foi naturalmente. Venho de uma família grande e pobre, onde tudo é motivo de piada, tudo vem acompanhado de um deboche, e fora isso eu sempre gostei de tirar sarro, foi minha defesa (e meu ataque) durante toda a infância e adolescência, contra qualquer tipo de bullying que eu sofresse. Mas quando eu estava na faculdade (cursei artes cênicas) foi que eu descobri o humor como trabalho, como ferramenta útil para ganhar a vida e também comunicar o que eu desejasse.
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Como decidiu que a internet era o melhor canal para se comunicar?
Não foi uma decisão tão consciente, foi mais um “é o que tem para hoje”. Eu sou ator e queria trabalhar na TV, fazer cinema, mas ouvia de todo mundo da área, que se eu quisesse brilhar nessa área eu ia ter que esconder a minha sexualidade ao máximo, e aí, né, meu amor, entre ser livre e me fingir de hétero, não tive dúvidas que eu prefiro ser essa bicha maravilhosa que sou à vontade. E foi aí que pensei que a internet seria um lugar mais acessível, onde eu poderia fazer meu trabalho tranquilo, sem passar por nenhum constrangimento. Claro que eu ainda tenho que lidar com marcas e públicos que me preferiam hétero, mas eles que lutem (rs).
Conte sobre sua trajetória e histórias interessantes pelas quais já passou?
”A minha jornada é cheia de vida, cheia de festa, cheia de luta. Vim de uma cidade pequena do interior, cresci numa casa com outros 4 irmãos e dentro da Igreja Católica, então você deve imaginar que para um gay como eu não foi fácil. E eu ainda quis ser ator, então por isso saí de casa com 17 anos, vim pra São Paulo e comi o pão amassado no inferno, passei fome, consegui fazer faculdade com bolsa integral pelo Prouni, mas, mesmo assim, ainda pastei uns 8 anos até conseguir conquistar algo, ganhar bem o suficiente para ter todas as refeições e só aos 25 que, com o dinheiro que meu pai deixou para os filhos depois de falecer de leucemia, eu comprei uma câmera, um microfone e um refletor e fiz meu primeiro vídeo para a internet. E depois disso começa a história que está aí documentada quase integralmente nas redes. E esse é o resumo do resumo do resumo, porque se deixar, o canceriano aqui lota umas 50 páginas de histórias.
Foto: Breno da Matta
Considera que seu conteúdo atinge qual público exatamente?
Eu tenho trabalhos diferentes nas redes, e por isso acredito que tenha públicos que buscam coisas bem distintas. Tem uma maioria feminina, que curte muito os conteúdos envolvendo astrologia (muitas senhoras, mães de amigos inclusive, de 50, 60 anos) mas também chego em um público interessado em conhecer a realidade de um LGBTQIA+, então toda vez que me coloco usando meu lugar de fala como a gay branca que sou, chove de comentário, de mensagem, de pessoas que são tocadas por meus depoimentos, e esse público varia entre pessoas LGBT+ que querem se sentir representadas e pessoas hétero-cis que querem se aliar a nós.
Você é um militante assíduo, já sofreu preconceito por isso?
Muuuuuito. Mas faz parte. Tem gente que não quer se questionar, tem gente que só quer relaxar na internet, e tem aquele minion nosso de cada dia que só quer causar e despejar seu lixo em cima de quem pensa diferente. Não tem jeito, por mais que eu repudie qualquer tipo de preconceito (e sempre dou print pra caso um dia eu queira mover um processo milionário), eu já me acostumei com xingamentos, com mensagens babacas, desnecessárias, e é por isso que faço terapia 2 vezes por semana.’
Como você inclui política em seu humor? Acha importante esse tipo de engajamento?
O humor e a política sempre estiveram juntos, assim como a arte e a política, então para mim também é natural que meu humor seja político, já que minha vida é. E eu acho ótimo porque o humor tem o poder de nos envolver, de tirar algumas amarras, romper uns bloqueios, então ele é uma ferramenta potente para que eu faça meu ativismo, para que eu fale de coisas muito urgentes e relevantes.
Foto: Breno da Matta
Como vê o governo federal e sua política anticultura?
Em 2018 eu era criador de conteúdo para o Quebrando o Tabu e por meses eu seguia um ritual: tomava um remédio para o estômago e lia o plano de governo do Bolsonaro [Jair, sem partido], assistia suas entrevistas, lia seus projetos de lei, e com base em toda a minha pesquisa eu fiz uns 10 vídeos diferentes para mostrar (para quem ainda duvidava) que ele era mais que despreparado, ele tinha um projeto de governo que só era favorável pra ele e os seus filhos (e uns amigos próximos, claro). Então, respondendo a sua pergunta, eu vejo que o governo federal liderado pelo Bolsonaro está fazendo exatamente o que prometeu na sua campanha, e tirar todos os incentivos à cultura faz parte disso.
Acha que a causa LGBTQIA+ ainda tem muito a caminhar? Como seu trabalho ajuda nisso?
Todo ano me fazem essa pergunta e eu sempre digo “temos muito a caminhar, mas já construímos muito também”. Mas dessa vez eu vou mudar um pouco a resposta. Em junho deste ano, tivemos muitos casos grosseiros e violentos de LGBTfobia pública. Botaram fogo numa trans. Assassinaram um adolescente gay de 13 anos. A filha do Silvio Santos foi ao vivo falar que a nossa comunidade tem que ir “com calma” porque “está tudo bem discordarem das nossas escolhas”. Sikêra Junior disse que somos uma raça desgraçada. Só para citar uns exemplos que me vêm à cabeça. Quando eu penso em tudo isso, não consigo deixar de pensar que a gente tem muito trabalho pela frente. A gente ainda tem que ensinar o beabá, a gente ainda tem que explicar a sigla LGBT, a gente ainda tem que ensinar que ser gay não é uma escolha. E eu vou seguir fazendo meu job, meus vídeos, sendo didático, paciente. Mas pros héteros-cis que estão lendo eu imploro: SEJAM MAIS EMPÁTICOS E DEEM UM GOOGLE, POR FAVOR. As bichas estão cansadas, gente. Cansadas de explicar e cansadas de sofrer. A LGBTfobia é um problema criado por vocês, então resolvam ele com urgência, pode ser?
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Como cuida da beleza e de seu cabelo?
”Eu sempre tive uma pele com muita espinha, o que me fez ter um ritual de limpeza desde os 13 anos. Com o tempo os produtos melhoraram ($$), mas até hoje eu uso sempre uma linha adequada para o meu rosto, tiro toda a maquiagem depois de gravações e tento não me estressar tanto para manter o bom humor, (vamos lembrar que faço terapia 2 vezes por semana, isso me ajuda a manter a beleza). E meu cabelo está sendo uma descoberta, nunca tive um cabelo natural tão grande, ele é fruto de uma quarentena bem feita, então ainda estou pesquisando e testando produtos, entendendo sua forma e seu estilo. Mas estou amando!”
Pratica alguma atividade física?
Sempre fiz muita coisa. Fiz musculação por anos, corro, faço trilha, gosto de natação, crossfit. Mas infelizmente a pandemia deu uma pausa em tudo. No começo eu ainda fazia um funcional dentro de casa, mas aí fui consumido pelo home office e agora acabei de alugar uma esteira para conseguir acordar um pouco o corpo enquanto a vida não volta.