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Por Li Lacerda
A cantora JoJo Todynho denunciou à polícia que foi vítima de uma tentativa de extorsão praticada por um ex-affair que ameaçou divulgar imagens pessoais dela na internet. Luciana Gimenez foi chamada de mulher de programa em uma live no YouTube e foi à Justiça. Ludmilla precisou desativar suas redes sociais temporariamente para conter a onda de postagens racistas das quais é uma vítima recorrente. A vereadora Benny Briolly precisou deixar o País e só retornou sob proteção do estado depois de meses sendo alvo de ataques homofóbicos e ameaças em suas redes sociais. O que há em comum entre elas além da vida pública? São vítimas de um tipo de crime que vem aumentando nos últimos anos, mas que viu seu ápice na pandemia devido ao isolamento social em detrimento da Covid-19: a violência psicológica e moral contra a mulher na internet.
Mulheres anônimas são vítimas em sua maioria: ex-companheiras, colegas de trabalho, parceiras de negócios, vizinhas que em algum momento da vida rompem os laços e passam a ser consideradas desafetos por homens. Contrariados, o passo seguinte é ofender, expor e humilhar essas mulheres nas redes sociais. Na grande maioria dos casos, os criminosos usam de artifício do anonimato, criando perfis falsos para disseminar as ofensas em uma tentativa de se esquivar de possíveis responsabilidades judiciais. Outros usam justamente a sua imagem pública para que essas postagens tenham maior alcance. Em ambos os casos o prejuízo à imagem e à saúde mental da vítima pode levar anos para ser recomposta, quando se consegue essa cura.
Benny Briolly – Foto: Reprodução/Instagram/@bennybriolly
Postagens que condenam
Embora crimes contra a honra sejam considerados de baixo potencial ofensivo pela Justiça brasileiras com pena que chegam no máximo a dois anos, esse tipo de crime por meio das redes sociais não deixa de ser um crime contra a mulher tão grave quanto a violência física, e, na maioria das vezes, uma porta de entrada para um ciclo vicioso que pode culminar em feminicídio. A Lei Maria da Penha protege uma parte dessas mulheres, as que tiveram envolvimento afetivo com o agressor. Mas se engana quem pensa que quando o envolvimento é social a lei não se aplica. A justiça tem avançado no sentido de proteger as mulheres e punir os acusados.
Dr. Patrick Machado, advogado do estado do Rio de Janeiro e um dos primeiros do País a conseguir na Justiça medida de afastamento a uma vítima de crimes nas redes sociais, esclarece que a lei pode conceder o benefício quando a violência é direcionada exclusivamente em detrimento da mulher por conta de seu gênero, ou seja, quando o autor se vale da condição da vítima ser mulher apostando em uma possível fragilidade. E acrescenta que “a Constituição federal, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, garante a todo cidadão a proteção de sua imagem e honra, assim como também preserva seu direito à intimidade e, principalmente, a proteção de sua vida e saúde. Quando estes direitos estão sob latente risco, é necessária a intervenção do Poder Judiciário, mediante requerimento da vítima, para que possa ocorrer a justa aplicação da lei.”
Machado ainda lembra que a legislação está avançando para responsabilização cada vez maior dos crimes cibernéticos. “Vale lembrar, inclusive, que o crime de perseguição, também conhecido como stalking, previsto no Art. 147 -A do Código Penal, possui como causa de aumento de pena a prática desse tipo de delito contra vítima mulher. Certamente, este novo tipo penal é um grande avanço para reduzir os casos de violência cibernética contra mulheres em nosso País.”
Já a Dra. Adriana Filizzola D’Urso, advogada criminalista e professora de direito penal em São Paulo, acrescenta que apesar de não proteger as vítimas no âmbito da Lei Maria da Penha quando não existe questão afetiva ou doméstica, uma sentença por crimes contra a honra (calúnia, injúria ou difamação) se cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena. Ou seja, crimes com penas de um a seis meses de detenção podem chegar a um ano e meio. Se a situação envolver chantagem, legalmente conhecida como extorsão, a pena vai de 4 a 10 anos de prisão.
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Não minimizem a dor da vítima
O sofrimento da vítima nem sempre chega ao fim com a responsabilização jurídica do acusado. Segundo a psicóloga baiana Priscila Bispo Lima, vítimas de desse tipo de violência moral podem desenvolver sentimentos como medo, vergonha, culpa, tristeza com sérios prejuízos à autoestima e à autoimagem. Além disso, a vítima pode ter sua qualidade de vida extremamente prejudicada com o desenvolvimento de isolamento social, a fragilidade pode evoluir para quadros de ansiedade, depressão, estresse pós-traumático, síndrome do pânico e risco de suicídio. A recuperação desse processo vai depender de cada vítima. “Cada pessoa tem a sua história e a sua forma de administrar a dor, o trauma, o sofrimento. Para superar um trauma causado por violência, o melhor caminho é o tratamento com terapia cognitivo-comportamental, que é uma terapia baseada em evidências científicas, objetiva, direta e com eficácia comprovada no tratamento de transtornos emocionais e psiquiátricos, como traumas, fobias, ansiedade, depressão etc.”, acrescenta Priscila.
Relações suspeitas
No calvário de restabelecer suas emoções e responsabilizar o culpado, a vítima pode ter que lidar com um crime invisível: a rede de proteção em volta do acusado. Algumas pessoas podem ser manipuladas a acreditar no acusado de tais crimes que, geralmente, tenta justificar o injustificável alegando, por exemplo, invasão de suas redes sociais e que as postagens não são de sua autoria. Ou que a vítima se valeu de prints falsos para comprometê-lo. E nesse cenário, chefes podem ignorar que têm um potencial criminoso em seus quadros. Companheiras podem sustentar relacionamentos abusivos. Colegas de profissão pode comprometer suas carreiras ao sair em defesa dos mesmos e se tornar uma potencial vítima no futuro. Mas há quem mesmo diante de uma condenação apoie o responsável por interesses diversos. Um acusado também pode “justificar” seus atos criminosos com imunidade parlamentar ou classificá-lo como exercício da liberdade de expressão para tentar escapar de uma condenação. Tudo em vão.
Fato é que passar por todo esse processo de vitimização pode fazer com que muitas vítimas se calem por fragilidade, medo ou vergonha. Mas denunciar às autoridades esse tipo de crime é o único caminho para que ele possa ser combatido com medidas efetivas por parte das autoridades e dos responsáveis por essas redes sociais.