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Paula Lima – Igualdade e justiça

Foto: Salvador Cordaro

Por Paula Lima

Salve, salve! É sempre um prazer compartilhar algumas reflexões por aqui. Como está o caminhar da saúde física e mental em meio à grande interrogação que nos cerca? Sim, é preciso estar muito atento, é preciso ser forte, é preciso dar espaço para evolução e transformações positivas sobre a vida, em relação ao outro. O momento é esse. Tudo se trata de “nós”.

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Em maio DE 2020, a morte brutal de George Floyd, um homem negro de 48 anos assassinado pelo ex-policial Derek Chauvin, causou comoção, indignação e protestos ao redor do mundo contra a violência policial e o racismo. Foi o maior movimento popular desde o início das mobilizações sobre os direitos civis na década de 1960.

A condenação histórica de Chauvin em abril de 2021 foi motivo de comemoração ao redor do mundo. Floyd não morreu em vão e esse veredicto muda parte da percepção sobre outros casos semelhantes aos dele. Um passo muito importante. Emocionante também acompanhar a reação da família que clamou por justiça. Nada justifica o que ocorreu. E nada justifica o que ocorre diariamente com tantos outros. Comemorei também, principalmente, acreditando e esperando que resultados como esse se multipliquem.

Protestos contra a morte do homem negro George Floyd por um policial branco. Ele foi condenado em julgamento histórico pelo assassinato – Foto: Reprodução/Twitter

A reflexão que fica é: e aqui no Brasil? Até quando mortes ficarão sem resposta? E o nosso sistema? Quem mandou matar Marielle Franco? Qual a condenação pelos 80 tiros assombrosos dados numa família negra que estava à passeio? E a desigualdade quando vemos a diferença de tratamento nas comunidades como o Complexo do Alemão (onde moradores tiveram e têm suas casas e vidas reviradas) sem nenhum respeito e o tratamento dado à classe média e à elite? Onde estão os meninos de Belford Roxo? Quem busca por eles? Ou comoção tem cor? Que a justiça seja feita lá e cá.

Inspirado no caso Floyd, o documentário “Dois Estranhos (Netflix) concorre ao Oscar 2021 que acontece neste domingo (25.04). A produção conta a história de um jovem negro Carter James (vivido pelo rapper Joey Bada$$) que sai pela manhã do apartamento bem localizado de uma garota, em Nova York, após um encontro especial, acende um cigarro na calçada, é abordado por um policial branco, reage e acaba morto. Ele entra num looping vivendo a mesma cena inicial e agindo de formas diferentes, tendo o mesmo fim trágico. O documentário mostra que independente de como o homem negro se apresente, o racismo, o olhar do policial sobre ele não altera a realidade e o fim é sempre o mesmo. Um soco no estômago. Vale assistir, refletir e exigir mudanças urgentes.

Falando em Oscar, “A Voz Suprema do Blues” com interpretações estupendas e memoráveis de Viola Davis e Chadwick Boseman em seu último papel antes de sua partida, também concorre ao prêmio. A história da (real) cantora negra Ma Rainey, se passa em 1920, em Chicago, destino de milhares de negros que deixaram o Sul rural e foram para os centros industriais, pós escravidão, fugindo da segregação. Dona de uma das vozes mais poderosas de seu tempo e com personalidade fortíssima, ela bate de frente com os produtores brancos da época e com o ego de um dos seus músicos (Boseman) atormentado pelos traumas pós escravidão e suas sequelas. Trilha sonora, o blues (fonte do rock’n roll), cenário e figurino também brilhantes. Recomendo, se ainda não viu.

Longa-metragem “A Voz Suprema do Blues” com Viola Davis e Chadwick Boseman – Foto: Divulgação

Essa semana também assisti à polêmica série “Them” (Outros), que está na Amazon Prime Video. Um terror com uma narrativa social e uma consciência racial  por vezes abstrata e inteligente que causa “gatilhos”. A violência explícita e surreal têm dividido opiniões.

É brutal, contém cenas dolorosas, angustiantes e pesadas. Mas, na minha opinião, traz novas narrativas sobre o racismo dos anos 1950 (e atual) em uma comunidade branca (Los Angeles, Compton) ao se depararem com a chegada de uma família negra, os Emory, que chegam nesse novo e aparente calmo lar após uma tragédia familiar que acontece na Carolina do Norte.

Neste bolo, entra a segregação, o ódio racial, a inveja, a não punição ao expor o racismo incluindo as ações contra pessoas negras, o “ser o único negro que ocupa determinado espaço”, a desumanização e os traumas particulares de cada um. E o que também me chama a atenção: em nome de Deus, há um exemplo de início de projeto onde colocam os negros como inferiores e merecedores do pior tratamento possível. É horripilante pensar como desde sempre e até hoje pessoas nefastas usam o nome de Deus e a religião para obter vantagens, causar dano e dor aos mais vulneráveis. 

Jordan Peele é um dos produtores executivos de “Them” e um dos nomes importantes do protagonismo negro no cinema. Ele já vem abordando as questões raciais junto ao terror nos seus filmes como “Nós”, o incrível “Corra” e a ótima série “LoveCraft Country”. Todos de altíssimo nível.

Nova série “Them”, da Amazon Prime Video, divide opiniões – Foto: Divulgação

Sigo digerindo a série e lendo os mais variados comentários sobre. É impressionante o que muitas vezes não se entende, mas ao assistir, o sentimento se torna real. Os mecanismos de defesa também. O que percebo é que em geral esperava-se uma revanche maior por parte dos Emory. Um benefício maior por tanta dor. Mas o que se recebe é muita coragem e união para enfrentar a realidade. Assim como na vida, o final feliz segue sendo real, sem ilusões.

Para registrar: parte do capítulo quinto tão falado é quase insuportável. Portanto, caso assistam, mas a sensibilidade esteja fora do normal, apenas leia sobre e pule. O roteiro, a cenografia, a ideia central, a narrativa, a trilha, o figurino, os atores são e estão brilhantes. Henry (Ashley Thomas) e Lucky Emory (Deborah Ayorinde) estão soberbos.

Foi doloroso assistir, e digo que “Them” é uma ótima série para quem tem estômago e está bem com a sua saúde mental. O saldo positivo, para mim, especificamente, foi um entendimento ainda maior sobre situações que vivi, como por exemplo: fui a única aluna negra da escola durante 10 anos. Depois sempre teve um ou dois alunos negros na mesma sala que eu. Como isso mexeu comigo? Qual era a carga? Como curar alguns traumas? Olhares, piadas… A série mergulha fundo em inúmeras questões. Também tive outro entendimento sobre as situações que não vivi mas que se apresentam como traumas que muitas vezes percebo na minha vivência, mesmo não sendo meus.

Tem história para refletir e através dela não deixar que outras histórias se repliquem. Tem história para entender porque algumas dores são consideradas inexistentes sem qualquer pensamento empático e porque deveriam ter efeito contrário.

Essa coluna, que tenho tanto prazer em escrever, é para falar sobre fatos e humanidade. Não há espaço para o que não for positivo. É para que os assuntos relevantes sejam refletidos e discutidos. Não há uma ideia fechada sobre nada, a não ser sobre igualdade, respeito e evolução.

Tenham um ótimo fim de semana! Cuidem-se! Saudade de gente, saudade dos shows. Educação, cultura, arte, seriedade e transparência sobre as questões ambientais é o meu desejo para todos nós.

 

Paula Lima é cantora, compositora e apresentadora. Atualmente, está à frente do “Chocolate Quente” na Rádio Eldorado. Também é uma das diretoras Na União Brasileira de Compositores (UBC).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Site RG.

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