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Paula Lima: “Negro é lindo”

Foto: Reproducão/Instagram

Por Paula Lima

“Sim, sou um negro de cor, meu irmão de minha cor , o que te peço é luta sim, luta mais, que a luta está no fim… 
Cada negro que for, mais um negro virá
para lutar, com sangue ou não, com uma canção, também se luta irmão, 
Ouvir minha voz, oh yes, lutar por nós 
Luta negra demais, luta negra demais 
É lutar pela paz, é lutar pela paz
Luta negra demais, para sermos iguais” 

Eu inicio este texto de forma negra e poética, com o potente hino composto por Wilson Simonal e Ronaldo Bôscoli, em 1967, que fala sobre respeito e a luta por igualdade. É sempre necessário pontuar a potência, a voz e a singularidade de Simonal e o seu trágico exílio dentro do próprio País numa história complexa e injusta, que envolve racismo e traição durante a ditadura. Já falamos sobre ele há algumas semanas aqui na coluna.

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Presto aqui, também, a minha homenagem ao espetacular bailarino e coreógrafo Ismael Ivo que nos deixou, mais uma vítima da Covid-19. Reconhecido internacionalmente, atuou como diretor por mais de três décadas, tendo dirigido o Balé da Cidade de São Paulo,a Bienal de Veneza e o Teatro Nacional Alemão! Ismael e Simonal eram os “black is beautiful”.

Black is beautiful” (Negro é lindo, em português) é um movimento cultural iniciado nos Estados Unidos na década de 1960 por afro-americanos (lembrando que o Movimento pelos direitos civis aconteceu entre 1954 e 1968). Mais tarde, espalhou-se fora dos Estados Unidos, predominantemente nos escritos Movimento da Consciência Negra, de Steve Biko na África do Sul.

Antes do movimento, características de pessoas negras, como os traços, o cabelo, e a própria cor da pele eram consideradas “feias” em algumas culturas. O “Negro é lindo” chega para abolir essa ideia. Com isso, homens pretos e mulheres pretas se sentiram fortalecidos e seguros para não esconderem mais as suas características, não alisarem seus cabelos (não que isso seja uma obrigação – a estética negra e a sua importância vão além de tal ação), não mais desgostarem dos seus traços.

A partir disso, pretos e pretas passaram a ter orgulho da sua ancestralidade e da sua cor. Os descendentes negros com as suas características próprias receberam de volta o orgulho e a exaltação à sua própria beleza e existência. Sim, o movimento foi e é um ato de resistência.

Foto: Reproducão/Instagram

A música “Negro é lindo” de Jorge Ben tem o movimento como título. Jorge é um artista legítimo, à frente do seu tempo e sempre compôs temas com referências negras de forma corajosa e poética. A história, a trajetória e o orgulho pretos em forma de poesia: “Negro é lindo, negro é amigo, negro também é Filho de Deus. Eu só quero que Deus me ajude, a ver meu filho nascer e crescer, e ser um campeão sem prejudicar ninguém” 

Essa semana um dos assuntos mais comentados nas redes sociais foi o caso de racismo recreativo que tanto causou dor ao João Pedrosa (e a outros milhões de negros brasileiros). João é um dos participantes do Big Brother Brasil 2021. Dentro do reality, em uma brincadeira de mal gosto e tom, Rodolffo, um cantor sertanejo, comparou o cabelo do professor a uma peruca do homem das cavernas. 

Como pessoa negra, posso falar com propriedade sobre o incômodo profundo e constrangedor que essas brincadeiras ofensivas causam. Usar características raciais para fazer graça e piada causam dor. E não é mais aceitável que, em pleno 2021, diante do número infinito de informações sobre o assunto, isso ainda ocorra. 

As pessoas insistem no racismo recreativo por que desejam magoar? Talvez não. Mas é preciso salientar que o racismo estrutural faz com que pessoas não negras se sintam à vontade em fazer piada da característica alheia, sem qualquer retaliação. E quando acontece uma chamada pela dor explícita causada, a justificativa sem qualquer constrangimento é: “mas como? É feio mesmo, é igual mesmo” ou, principalmente, “eu não fiz por mal”. 

Além de tudo isso, o que me causa espanto é pessoas não negras apontarem o que é dor ou não, o que é racismo ou não.  Indico aqui a leitura do livro “O que é racismo recreativo?” do autor Adilson Moreira

Nas redes sociais, também tenho lido um julgamento sobre a escolha da estética, possibilitando outros resultados explícitos como o não crespo natural e o uso de laces, alongamento, megahair, ou seja lá o que for, além de cirurgia no nariz.

É assustadora a imposição, a cobrança e a justificativa para amenizar atos racistas. A ousadia de não negros de tentar limitar os direitos e questionar pessoas pretas sobre quem são por meio da sua imagem, sem respeitar história e ancestralidade além da tão sonhada liberdade é vergonhosa. Que tempos são esses? Seria também um reflexo da tal supremacia branca, da branquitude e do pacto narcísico? 

A branquitude é um lugar estrutural de onde o sujeito branco vê os outros, e a si mesmo, uma posição de poder, um lugar confortável do qual se pode atribuir ao outro aquilo que não se atribui a si mesmo” – Ruth Frankenberg

O pacto narcísico da branquitude é o termo usado para falar sobre o compromisso da branquitude em manter a estrutura racial injusta que os privilegia: um pacto de proteção e premiação, nítidos ao menos atento olhar que observa o grupo que se premia, se contrata, se aplaude, se protege” – Djamila Ribeiro

Para que essa realidade se transforme, é preciso que a branquitude (quando se fala em branquitude, fala-se em sistema) escute. Mas como escutar alguém que é julgado como inferior sem autorização para falar dentro do tal sistema?

É necessário respeitar a existência e os direitos do outro e, assim, saber escutar quem tem o que dizer por propriedade e vivência. É preciso ter empatia e respeito pelo outro e as suas diferenças culturais, estéticas e encarar as desiguais. É sempre preciso reconhecer a pirâmide estrutural, o racismo institucional e a não existência da meritocracia – tecla que sempre bato aqui. 

Foto: Reproducão/Instagram

Ainda sobre conhecimento, empatia, lugar de fala e escuta, sabiamente Camilla de Lucas, uma mulher negra e influenciadora digital (também participante do reality show) se pronunciou dizendo que pessoas novas que têm acesso à internet e à cultura deveriam ser mais sensíveis e empáticas. Se não sabem, ou vivem numa bolha, deveriam pesquisar. Disse que pessoas negras não são obrigadas a ensinar, e que se é “chato” ouvir sobre o racismo, é ainda pior viver com ele. Estamos, sim, exaustos.

Indico aqui alguns perfis para colaborar no entendimento de grande parte das questões: @silviolual (professor e jurista); @pretozeze (presidente da Cufa); @luanagenot (diretora da @id_br ); @adjunior_real  (pensador e diretor da @trace_brasil ), @marcoslucavalentim (jornalista), @joiceberth (escritora, pensadora). 

E falando sobre origens, pontuo e relembro a canção de Beyoncé que exalta a cultura, a África e a negritude: “Black Parade”, lançada em 19 de junho de 2020. A música celebra o Juneteenth,  que comemora o fim da escravidão nos Estados Unidos. Lançada após os protestos da morte de George Floyd, homem preto sufocado com o joelho do policial Derek Chauvin pressionando seu pescoço por nove minutos, a música serve como uma celebração da cultura negra e o apoio ao ativismo negro.

“Nós temos ritmo
Nós temos orgulho
Damos à luz a reis
Damos à luz a tribos
Terra-mãe, terra-mãe pingue em mim
Não posso esquecer que minha história, é a história dela
Agora, aí vamos nós no nosso trono, sentando no alto
Siga minha parada, minha parada”. 

E, para finalizar, deixo aqui também a minha homenagem a um dos maiores humoristas de todos os tempos e grande músico: inventor do reco-reco, o Antonio Carlos Gomes Bernardes Gomes, genial Mussum (nome batizado por Grande Othelo), completaria 80 anos essa semana. Foi um dos integrantes dos “Os Trapalhões”, e fez história na TV. Ele também esteve à frente do grupo “Os Originais do Samba”. Deixou um legado. Viva a alegria, a força, a potência, inteligência e história de Mussum e do povo negro. Negro é lindo.

 

Paula Lima é cantora, compositora e apresentadora. Atualmente, está à frente do “Chocolate Quente” na Rádio Eldorado. Também é uma das diretoras Na União Brasileira de Compositores (UBC).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Site RG.

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