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Paula Lima: “Liberdade é não ter medo. É fundamental ser antirracista”

Paula Lima é colunista de RG e escreve, geralmente, aos sábados (Foto: Rogério Mesquita)

Por Paula Lima

Nesta sexta-feira (20.11), foi o Dia da Consciência Negra. Não é um dia de celebração, mas, sim, de reflexão, conhecimento e reconhecimento.

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Há 3 anos, foram interrompidos os projetos, a fala eloquente e a vida da socióloga e política brasileira, Marielle Franco. Até hoje, só se conhece os executores, mas a justiça brasileira não responde a nossa pergunta: quem mandou matar Marielle Franco? E por quê? Quem realmente está por trás desse brutal assassinato?

Marielle era uma mulher negra, periférica e lésbica, envolvida com a comunidade, com pretos, pobres e vulneráveis, que lutava contra abusos, injustiças e desigualdades. Sim, quiseram calar essa voz. Mas como sabemos, ela realmente virou semente.

Deputada Erika Hilton, do PSOL, eleita como a mulher mais votada na cidade de São Paulo para a Câmara de Vereadores (Foto: Divulgação)

Nessa eleição municipal vimos as sementes florescerem. Muitas mulheres negras e periféricas foram eleitas. Indígenas foram eleitos. A vereadora mais votada de São Paulo foi Erika Hilton, uma mulher negra transgênero. Sinal de que queremos mudanças e que transformações urgentes estão por vir. É inevitável. Projetos humanos trazem consigo o respeito à vida. 

A diversidade nas eleições, com a presença de mulheres (negras, cis, lésbicas ou trans) são um reflexo da sociedade que respondeu e clama por um mundo de mais respeito, dignidade e igualdade.

E destaco aqui o discurso consciente do ex-presidente dos EUA, Barack Obama, em entrevista ao “Conversa com o Bial“. Ele divulgou seu livro “Terra Prometida”, em que também reflete sobre a complexidade e a luta que é ser mulher no mundo, o que me leva ao meu pensamento básico, enquanto mulher preta: precisamos de liberdade. Ser mulher já é desvantagem nessa sociedade machista. Agora, ser mulher E negra. “Temos que falar sobre libertar mentes tanto quanto libertar a sociedade”, disse Angela Davis. Prezo, luto e sonho que sejamos livres para ir, vir, ser, estar, conquistar e prosperar.

Arte por T. S. Abe para o livro “Histórias de Ninar para Garotas Rebeldes”

“Liberdade é não ter medo”, disse Nina Simone.

Neste dia pós 20 de novembro, e todos os dias, é isso o que eu mais desejo para todos nós: liberdade, livre do medo. Especificamente desejo com mais ardor, a liberdade para as mulheres negras que continuam sendo a base da pirâmide, neste lugar onde fatores históricos de uma sociedade patriarcal com base escravocrata ainda deixa marcas profundas, prejudiciais e injustas para quem nasceu mulher e preta.

Por isso mais uma vez, falo da minha felicidade e esperança quando vejo representatividade nas eleições. Queremos e sabemos que precisamos ocupar espaços e precisamos estar em lugares de decisão. 

Gostaria de citar aqui três mulheres líderes, negras, vitoriosas e brasileiras, que se encontram em lugares de destaque e decisão. Procurem saber mais mais sobre elas: Rachel Maia (@rachelmaia , empresária, ex-CEO da Pandora, da Lacoste, criadora do Capacita-Me, e que se propõe a impactar jovens da periferia por meio da educação); Samantha Almeida (@sahalmeid, publicitária que assumiu em 20 de agosto a liderança do Twitter Next Brasil); Vivi Duarte (@vi_duarte, jornalista e empreendedora que assumiu o posto de CEO do Buzzfeed Brasil). 

Gostaria de indicar também o “Falas Negras”, que foi ao ar nesta sexta-feira (20.11) na TV Globo e tem direção de Lázaro Ramos. O especial levanta a bandeira da igualdade e celebra grandes personagens da história. As personalidades que existiram na vida real são interpretadas por 22 atores e os depoimentos são reais, dados por elas na luta pela liberdade e contra o racismo. Entre eles: Martin Luther King, Nina Simone, Marielle Franco, Ângela Davis, Rosa Parks, Nelson Mandela, Harriet Tubman, Muhammad Ali. Maravilhoso o projeto que prospecta que todos tenhamos acesso às lutas e ideias que mudaram a história.

Pôster da série “Enslaved”, do Nathional Geographic (Foto: Divulgação)

Também indico neste momento de reflexão a série “Escravidão”, da National Geographic. Essa série é significativa em vários sentidos. O momento é positivo em que grandes empresas da indústria audiovisual começam a apresentar ações em prol da diversidade e também abrem espaço para reivindicações das recentes manifestações Black Lives Matter

A série também nos leva a lugares reais, partindo do início. Nós negros no Brasil, não temos o conhecimento das nossas reais origens. Os documentos com essas informações foram queimados em 1890, a mando de Rui Barbosa, ministro da fazenda no pós Lei Áurea. A história, que eu não acredito, conta que havia uma vergonha em relação à escravidão. A que faz mais sentido pra mim é a de que ele não queria indenizar os “senhores” dos ex-escravos, que ainda se sentiam lesados por “perderem” o seu patrimônio. 

 

Fiz meu teste de DNA justamente ontem, dia 20. Sim, estou ansiosa… logo mais compartilho o resultado com vocês. Este também será um momento muito emocionante pra mim. 

Deixo aqui, meu respeito e a reflexão sobre o dia de ontem, dia da Consciência Negra. Meu apreço às famílias de João Pedro, Guilherme, Miguel e João Alberto Silveira Freitas, que morreu nesta quinta-feira (19.11) espancado até a morte por dois seguranças brancos em uma loja do Carrefour, em Porto Alegre.

Nada justifica essas mortes. Todas as vezes que penso nesses homens negros, penso em todos os outros homens negros do Brasil. O projeto genocida que faz parte do racismo sistêmico continua em vigor. Os mesmos velhos problemas não resolvidos. A indignação não pode ser seletiva. Até quando? Vidas negras importam. 

 

É preciso que a gente fale sobre preconceito, racismo e a violência que nos cerca, até que tenhamos uma história mais digna pra contar sobre isso. 

Para não negros, vale lembrar que é preciso que respeitem a história preta, a ancestralidade, as religiões de matrizes africanas, os terreiros, a colaboração cultural. Respeitem os tons da negritude. Apoiem projetos de pessoas negras. É preciso que pessoas não negras sejam ativas na questão da pluralidade. Defendam pessoas negras que sofrem injustiças. Dêem oportunidades reais para que pessoas não brancas estejam em cargos de decisão, em nome da diversidade. Sejam conscientes dos seus privilégios, entendam que meritocracia não existe no Brasil. É fundamental ser antirracista.

Rapper Emicida ganhou o Grammy Latino 2020 com o álbum “AmarElo” (Foto: Divulgação)

Para finalizar, gosto da palavra calma, na visão do rapper e poeta Emicida, que essa semana foi reconhecido por seu álbum “AmarElo” no Grammy Latino. Ele fala que procura levar a calma para as pessoas através do seu trabalho. Não a calma de uma pessoa apática, mansa, domada ou adestrada, mas, sim, o extremo oposto: a calma que pode nos fazer refletir melhor e pensar de maneira estratégica.

Sendo assim, tenhamos calma. Que o futuro, o amanhã e os dias seguintes, sejam mais prósperos, justos e equilibrados para todos nós.

 

Paula Lima é cantora, compositora e apresentadora. Atualmente, está à frente do “Chocolate Quente” na Rádio Eldorado. Também é uma das diretoras Na União Brasileira de Compositores (UBC).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Site RG.

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