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Paula Lima: “Temos o poder de mudar o mundo. Mas estamos prontos e dispostos a isso?”

Jacob Blake, mais um jovem negro assassinado pela brutalidade policial, nos EUA (Fotos: Reprodução)

Por Paula Lima*

O assunto da coluna de hoje deveria ser ultrapassado e desnecessário, por já ter sido escrito por aqui e fora daqui. Mas, diante do absurdo, é preciso discutir e questionar em busca de um mundo melhor e mais justo. A violência racial não dá trégua e não sente remorso. As cenas que vimos de Jacob Blake sendo alvejado por um policial são estarrecedoras. Jacob, um homem negro desarmado, apartava uma briga entre duas mulheres e, ao voltar para o seu carro, levou SETE tiros pelas costas na frente dos filhos, que estavam no banco de trás e da esposa. POR QUE?! Como isso aconteceu?! De novo e de novo?! Nem mesmo após os protestos após a morte de George Floyd a sanha racista policial deu uma pausa. É desesperador, é desesperançoso, é injusto.

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O que fazer?! Já escrevi aqui sobre reeducação social e sobre uma mudança radical em busca de uma nova segurança pública. Meu sentimento é que o Brasil e os Estados Unidos têm o mesmo problema em relação à violência contra nós, negros. Lá, ainda assim, morrem menos negros (estando em menor número que aqui) e as oportunidades, apesar de tudo, ainda existem, mesmo não sendo o ideal. Mas, aqui, isso está longe de ser uma realidade. No Brasil, nos últimos 10 anos, cresceu em 11% o índice de jovens negros assassinados, enquanto em outros grupos o índice caiu em 13%. Alguma coisa está muito fora da ordem!

Milwaukee Bucks não entraram em quadra para jogar contra o Orlando Magic nos playoffs, como manifesto contra mais uma violência racial sofrida (Foto: Reprodução)

Em uma decisão histórica e emocionante, os jogadores do Milwaukee Bucks não entraram em quadra para jogar contra o Orlando Magic nos playoffs, como manifesto contra mais uma violência racial sofrida, e por justiça para Blake. “O que você está disposto a perder para ver a mudança?” – pergunta-chave feita pela repórter negra Zora Stephenson. O que estamos dispostos a perder? Todos nós? A irmã de Jacob, em um discurso duro e emocionante pediu que lembrássemos mundo afora que estamos falando de vidas humanas. Estamos falando de um pai, um filho, um irmão, um amigo… uma vida! E ela não quer piedade, quer mudança! E assim, como ela, estamos exaustos e com raiva. É preciso erradicar a máquina de matar negros no mundo.

Como sociedade civil precisamos estar abertos e afinados para realizar uma grande transformação. O esporte entendeu mais uma vez o seu papel e a sua responsabilidade na mudança social, racial. Essa responsabilidade também é nossa. E o movimento segue firme por lá e já tem a adesão de outras modalidades. E aqui, em terras brasileiras? Qual será o posicionamento dos atletas com um enorme poder de diálogo?

Essa semana também tivemos o conhecimento de outro caso de racismo, dessa vez contra Ângelo Assumpção, atleta brasileiro de ginástica artística, integrante da seleção brasileira. É vencedor e estrela do esporte, sendo medalhista por diversas vezes. Ele, que estava no Clube Pinheiros em São Paulo (um dos maiores no esporte) desde os seus 8 anos de idade, há 16 anos, foi demitido e está desempregado há quase 10 meses por ter se manifestado contra as injúrias raciais e morais que sofreu no clube. Como prova temos, inclusive, o então colega Arthur Nory (também ginasta), fazendo piadas racistas e insultando o Angelo, em um vídeo que viralizou em 2016. Do período do episódio até aqui, Nory e os outros atletas envolvidos ficaram afastados por 30 dias. Mas Ângelo, com o psicológico abalado por anos, hoje não pertence mais ao clube. E se fosse o contrário? Um dos técnicos disse que, com medo de ser mal interpretado, achou melhor que Ângelo estivesse fora do clube. Em nota, o clube afirma não compactuar com nenhum tipo de preconceito ou racismo. Mas já sabemos que não age da forma necessária em casos assim.

Angelo Dias, do Esporte Clube Pinheiros, foi demitido (Foto: Divulgação)

Jackeline Silva, também atleta do Clube Pinheiros, sofreu injúrias morais pela sua origem e por ser bolsista, e morreu em janeiro, aos 17 anos, um mês após ser demitida – mesmo sendo excelente naquilo que se dedicou a fazer. Estudos do próprio clube admitem os assédios morais e raciais sofridos pelos atletas. Neste dois casos cabe o racismo, o abuso de poder o tratamento diferente dado a pretos e pobres bolsistas. Quando penso em Jackeline, lembro da fala do personagem do ator Jamie Foxx para a personagem de Dominique Fishback (magistral) no filme “Power”. “Você é jovem, negra, mulher. O sistema foi projetado para destruir você. Você deve descobrir o que faz melhor que os outros e mandar ver.” Este filme, inicialmente, me pareceu mais um filme de ação, mas ele é bem mais do que isso. Está na Netflix. Fica a dica!

Por fim, falo do caso do cabeleireiro profissional de altíssimo nível, negro, querido, Wilson Eliodorio, que em um curso fez comentários misóginos, machistas e racistas sobre os cabelos e sobre as modelos que foram contratadas justamente pela “coroa” que carregam e o motivo de estudo. O objetivo era que ele ensinasse as técnicas para um grupo de aprendizes brancos a tratar o cabelo crespo. As palavras foram de muito mau tom e ficamos todos sem entender. Ele pediu desculpas. Os dizeres ofensivos, aconteceram e não se apagarão, assim como também não se apagará o excelente trabalho realizado pelo cabeleireiro até aqui. Vamos todos evoluir e aprender com os erros, afinal os tempos são verdadeiramente outros e não cabe mais “bater palma pra maluco dançar”, nem tampouco cabe usar a desvalorização da raça para pertencer a qualquer grupo.

Acredito em novos caminhos, seja através do esporte, através de pessoas realmente envolvidas na luta antiRracista, da responsabilidade civil e das tecnologias que não deixam que se esconda mais ou quase nada. Transformações podem fazer parte de um novo tempo. O movimento de ordem urgente é: mudança! Uma ótima semana pra vocês. A pandemia não acabou, se cuidem e até semana que vem!

“Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista.” – Angela Davis.


PARA ASSISTIR
E ainda sobre cabelos crespos, minha outra dica é a animação “Hair Love”, curta-metragem vencedor do Oscar, que mostra um pai aprendendo a cuidar do cabelo crespo e poderoso da filha enquanto a mãe está fora. É lindo e vale super a pena. A série “Self Made – a história de Madame C. J. Walker” é muito boa e já é um grande sucesso (Netflix). A protagonista representada pela sensacional Octavia Spencer, é uma mulher pobre, negra americana que se especializa em cabelos crespos, se torna dona de um império e a primeira negra milionária norte-americana! “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela” , disse Angela Davis. Envolvente, inteligente e feminista!

Pôster da animação “Hair Love” (Foto: Divulgação)


Paula Lima é cantora, compositora e apresentadora. Atualmente, está à frente do “Chocolate Quente” na Rádio Eldorado. Também é uma das diretoras Na União Brasileira de Compositores (UBC).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Site RG.

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