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Yasmine Sterea: a CEO do Free Free, plataforma que ajuda mulheres

Yasmine Sterea – Foto: Divulgação

Yasmine Sterea tinha uma carreira consolidada no mundo da moda, mas não era o bastante para essa mulher com objetivos claros e definidos. Sua ideia, surgida em Londres, era a de construir um projeto que ajudasse mulheres em situação de vulnerabilidade e com condições mínimas de seguir em frente.

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O que nasceu como um sonho, acabou se transformando no enorme e forte movimento Free Free, cujo objetivo vem se tornando cada vez mais presente na vida de tantas mulheres vítimas de diferentes formas de violência, com autoestima abalada e com desejo de sair de tal condição.

Yasmine é mãe de uma menina de quatro anos, Violeta, mas nem por isso dá uma pausa em seus planos. Proativa e determinada, ela mantém o desejo da solidariedade e da obtenção de melhores condições de vida para mulheres, independentemente do nível social e educacional.  “Desenvolvemos uma metodologia que você trabalha com mulheres com qualquer trauma, seja violência, depressão, um câncer que a ela passou. Então, independentemente do trauma ou da dor que ela esteja vivendo, o Free Free trabalha para ela voltar a sua essência, se reconectar com quem ela é, ou seja, se despir desses personagens que a gente acaba desenvolvendo para lidar com algumas situações da nossa vida e voltar para quem a gente é, se vestir um pouco com aquilo que somos”, diz.

Em uma conversa via Zoom com RG, Yasmine contou detalhes de suas campanhas pró-mulheres e dos planos de expansão de seu movimento para outros países, começando por Londres, cidade na qual morou e onde deu à luz sua menina.

Leia a seguir íntegra desse papo gostoso que essa mulher forte e decidida teve com RG.

Como nasce o Free Free?

Toda a ideia do Free Free nasceu durante a gravidez da minha filha, agora ela já está com quatro anos. Foi um momento em que eu tive que lidar com a dor da perda da minha mãe, que morreu quando eu tinha 21 anos, por uma questão de saúde mental, ela tirou a própria vida, então foi uma questão bastante traumática. Aí, quando eu engravidei da minha filha, eu tive que olhar para essa dor de novo e trabalhar muito toda a questão do feminino, eu estava tendo uma menina, foi um momento muito difícil, mas de muito autoconhecimento.

E foi um momento em que eu comecei a questionar muito o meu trabalho, eu já tinha uma carreira consolidada no mundo da moda etc., mas eu não estava vendo muito sentido em seguir fazendo aquilo. E eu comecei a estudar muito psicodrama, neurolinguística, Jung, entrei muito para o mundo da espiritualidade e tal, para entender essa dor toda que eu estava sentindo e como que eu poderia fazer algo pelo mundo, pela minha filha, e que outras mulheres não passassem pelo o que minha mãe passou.

Aí, a ideia do Free Free começou a surgir. Ele tem uma metodologia como uma base que mistura psicodrama, neurolinguística, os arquétipos de Jung etc. com a moda e tudo o que eu vivi até ali. Desenvolvemos uma metodologia que você trabalha com mulheres com qualquer trauma, seja violência, depressão, um câncer que a mulher passou. Então, independentemente do trauma ou da dor que ela esteja vivendo, o Free Free trabalha para ela voltar à essência dela, se reconectar com quem ela é, ou seja, se despir desses personagens que a gente acaba desenvolvendo para lidar com algumas situações da nossa vida e voltar para quem a gente é, se vestir um pouco com aquilo que somos. Essa é um pouco da simbologia que entra a moda.

Obviamente, quando a gente começou, eu não entendia que ia virar um movimento tão grande, começou como uma projeto, que foi lançado em agosto de 2018, com uma parceria como Ministério Público, temos um termo de cooperação com eles para dar esses workshops para mulheres vítimas de violência, porque elas se anulam completamente, se esquecem de quem elas são, perdem a identidade. É um wokshop muito catártico, então elas começam a sair do trauma e entram num lugar de potência, de liberdade.

Só que o Free Free começou a virar um movimento, começou a criar campanhas de conscientização. A primeira que nos lançamos foi “Eu Decido”, que traz esse poder de decisão para a mulher, ou seja, eu decido quem eu sou, eu decido se vou me casar ou não, se vou ou não trabalhar, que parece meio óbvio, mas que para a mulher não é, porque a mulher está muito na reação, muito no lugar de vítima, do não, que é muito importante, mas essa campanha é colocar a mulher no lugar do decidir, porque quando você começa a decidir coisas grandes ou pequenas da sua vida é um momento de liberdade, você vai empoderando essa mulher.

Nesse momento, a gente começou a perceber que nós recuperávamos as mulheres, elas saem do lugar de vítima, mas precisam fazer um ciclo de liberdade, porque elas se recuperam, e depois? Qual é o próximo passo? A gente passou a desenvolver um ciclo de liberdade que trabalha a liberdade emocional, a física e financeira também, porque normalmente há muitas mulheres que ainda dependem de outras pessoas, de marido, da família, financeiramente, ou outras que viram mães e não conseguem voltar para o mercado de trabalho e por aí vai.

Foto: Divulgação

E como vocês faz a captação dessas mulheres?

A gente trabalha hoje com uma estratégia de rede, com várias ONGs diferentes que encaminham mulheres. Vamos também abrir inscrições para cursos gratuitos, com a devida análise de como essas mulheres estão, até para entendermos como podemos apoiá-las. Trabalhamos ou com outras organizações sociais ou com o Ministério Público, não só de São Paulo, mas de outras regiões também.

Em que outros locais vocês atuam? 

São Paulo, Distrito Federal e Rio de Janeiro, e a ideia é que nos próximos dois anos a gente chegue no Brasil todo, nesse mesmo esquema com ONGs e Ministério Público. Já estamos em contato com Acre, Bahia, e outros que estamos nos organizando. E agora estamos digitalizando todo o processo, porque quando começamos era tudo de forma presencial. De agora em diante todas as nossas iniciativas serão de forma digital.

Vocês têm planos de tornar o movimento uma força internacional?

Temos, sim. Isso está no nosso plano para o ano que vem. A ideia é levar nossa metodologia e que é completamente autoral como movimento de mudança social para outros países. A gente ia até lançar o Free Free em Londres, porque eu morava lá quando eu tive minha filha. O nome é até em inglês porque o movimento foi criado naquela época em Londres, só que aí eu voltei para cá e resolvemos lançar aqui no Brasil, sobretudo por conta dessa oportunidade com o Ministério Público que foi muito importante para a gente. Mas a expansão começará por Londres, que é um lugar onde já tenho contatos.

Como são as ferramentas para tornar as mulheres livres e independentes, como isso funciona?

A gente acredita muito em educação, pensamos em oferecer todo o suporte emocional, com técnicas para elas saírem de traumas, porque o primeiro passo para uma mulher se tornar livre é ela estar bem emocionalmente, porque do contrário ela não consegue se levantar da cama. Então é importante que ela esteja bem, confiante, que entenda que não existem limites para a vida dela. Depois há ferramentas que nós fornecemos para que elas toquem a vida delas. E a novidade é que estamos dando quase que uma formação do Free Free para que elas para que possam trabalhar algo que já saibam fazer. Por exemplo, uma delas sabe cozinhar, então vamos apontar caminhos para que essa atividade se torne lucrativa também, porque toda mulher sabe fazer alguma coisa. Ou fazemos uma ponte com cursos profissionalizantes, de tecnologia ou coisas assim, para ajudar a essas mulheres a serem empreendedoras. Algo como elas conseguem  alcançar sua autonomia financeira através de alguma coisa que elas já sabem fazer com as ferramentas que têm em casa. Então acabamos oferecendo esse três pilares: liberdade emocional, porque senão elas não conseguem fazer a parte profissional; liberdade financeira, com uma coisa mais profissional para que elas consigam ganhar o próprio dinheiro; e a liberdade física, que é o ato de ir e vir, de decidir, se elas vão morar aqui, se vão sair de casa e tal. Posteriormente, nós damos todo um suporte de acompanhamento psicológico, encaminhando essas mulheres para aplicativos e sites onde elas conseguem ter esse acompanhamento psicológico gratuito.

Foto: Divulgação

E como vocês fazem para que mulheres muito abaladas participem dessas iniciativas?

É mais voluntário. Por exemplo, agora nós não estamos fazendo nada presencial, mas quando estávamos fazendo, existia uma coisa de acolhimento muito grande, que é a primeira metodologia, que eu desenvolvi. No começo elas chegam muito fragilizadas, já trabalhamos com casos de feminicídio, coisas bem sérias, e elas estão com muito medo, por isso a primeira coisa é trabalhar a autoestima dessa mulher, e o emocional. Ela precisa se sentir segura para dar o próximo passo.

Bem, mas até essa metodologia do acolhimento, agora, está virando um curso online  e gratuito e assim conseguimos chegar em mais e mais mulheres em casa. Mas é muito importante para a gente que essas mulheres também tenham apoio de ONGs ou do Ministério Público, porque essas organizações dão suporte, dependendo do caso. Por exemplo, se estamos trabalhando com mulheres com câncer, é importante que elas percebam que há outras mulheres que estão passando pelo mesmo, é muito importante que elas tenham esse respaldo e consigam ver que há outras que estão vivendo a mesma coisa que elas

E quando deve ser lançado esse curso online e gratuito?

Nós vamos lançar agora, em agosto.

E na quarentena, ocorreram iniciativas especiais para o período?

Fizemos várias. Nós temos um trabalho com comunidades de artesãs que ajudamos muito no intuito de aquecer a economia local. Tem um projeto com a Riachuelo, que a empresa doa peças para o Free Free e nós repassamos para essas comunidades que são rurais e onde estão essas artesãs, para que elas tenham mais renda local por meio da valorização do trabalho delas.

No início da quarentena, nós acabamos fazendo uma doação muito grande de pedaços de tecidos, e elas estão fazendo máscaras para vender, são mais de 200 mulheres que estão recebendo esse apoio para ganharem dinheiro nesse momento.

Também fizemos uma doação de alimentos  para quase 4.000 pessoas com apoio da PepsiCo. Então, vamos criando iniciativas dependendo obviamente do momento. E o curso que nós íamos lançar ao vivo virou digital, que foi criado durante a pandemia mesmo, e faz parte do ciclo Free Free Todo.  E tem a nossa nova plataforma, que vai ser lançada no dia 1º de setembro.

Durante a pandemia nós trabalhamos muitas campanhas de conscientização, como não violência contra a mulher. Como temos muitas pessoas importante que são embaixadoras do Free Free, unimos essas embaixadoras para trazerem essa visualização ao projeto. Há cidades que tiveram 30%, 50% mais de casos [de violência]. E mais uma vez começamos trabalhando essas campanhas junto ao Ministério Público, dando suporte, porque acabamos tendo muitas mulheres que não se enxergam, tipo, “ah, não, violência não é comigo”. As campanhas do Free Free são muito afetivas na forma de tratar os assuntos, não tanto em “olho roxo”, mas de uma forma mais acolhedora e forte, ao mesmo tempo.

Essas campanhas tiveram uma repercussão muito grande, então muitas mulheres acabaram procurando a gente, procurando ajuda, dizendo “o que é que eu faço?”, estou passando por isso”, e acabamos tendo um papel muito importante. Nós normalmente encaminhamos, seguindo as orientações do Ministério Público, porque a gente não recebe essas mulheres que estão passando por muita vulnerabilidade, mas depois possibilitamos a elas passarem pelo ciclo Free Free, que é um ciclo de liberdade, nesse momento pós.

Depois, com toda essa coisa do racismo, de raça, acabamos fazendo uma campanha antirracismo também, que foi muito importante. Temos outra campanha chamada “A Gente”, cujo objetivo é mostrar que nós todos somos pessoas, e juntos mudamos o mundo, situações, a realidade. O Free Free tem essa pegada feminista, e no começo diziam que nós éramos contra homens, e obviamente que não é nada disso, nós falamos sobre equidade de gênero. O Free Free é muito sobre diálogo, nós não temos uma posição extremista sobre nada, gostamos de diálogo. Nós fazemos muitas rodas de conversa, e gostamos de contemplar opiniões diferentes, porque acredito que são nessas conversas que mudamos as coisas. Então o “A Gente” virou “a gente se une contra o racismo”, “a gente se une contra a violência”.

Foto: Divulgação

Recentemente fizemos uma outra iniciativa com o “Vamos Juntas na Política”, que capacita mulheres para entrarem na política criado por Tabata Amaral, e é totalmente apartidário, a ideia é levar mulheres, independentemente do partido, a entrarem para o mundo político, porque a política é um mundo muito hostil para a mulher, tem muito abuso, é complicado. E esse foi um tema que me interessou muito, porque vivemos uma momento político bastante complicado no Brasil, e eu comecei a estudar o assunto, e vi que temos pouca representatividade política feminina. No Congresso Nacional somos apenas 15% e, dos prefeitos, só 12% são mulheres, ou seja, é quase nada. Começamos a estudar outros países como a Nova Zelândia, a própria Alemanha [países dirigidos por mulheres], e vimos como lidaram com a Covid-19 de uma forma melhor, e encaramos essa campanha. O mote é: “com mulheres no poder, meninas voltam a sonhar”. Tem um estudo na Índia que mostra que quando tem mais mulheres representando a gente, mais mulheres em cargos de liderança, as meninas e adolescentes entendem que, sim, elas podem pensar fora da “caixa”, pensar diferente.

Essa campanha foi muito legal, foi a mais recente que nós fizemos, e vamos mantê-la para incentivar grupos femininos a entrarem para a política, pois vemos que cada vez mais precisamos de uma política mais inclusiva.

Para encerrar, eu queria que você falasse sobre o seu livro, o “Eu Decido Ser Eu”.

O livro é voltado especificamente para mulheres e ele é isso, eu decido ser quem eu quero. Tem sempre o estereótipo da mulher “perfeita”, que obviamente está sendo desconstruído, mas que as mulheres ainda são muito presas a padrões, como “eu preciso aguentar tal coisa no relacionamento”, ou “eu trabalho muito então não sou boa mãe”, são milhares de coisinhas que nós precisamos nos libertar. O livro é basicamente sobre todos esses estereótipos. Tem uma frase que inicia o livro que é: “mulheres que se expandem não cabem na caixinha de mulher perfeita”, ou seja, mulheres que de fato voam, saem da caixa, porque não existe esse mito da mulher perfeita, todas nós somos perfeitas, e é sobre como resgatar isso. Se você está realmente confortável com quem você é, dificilmente você vai entrar num relacionamento abusivo, numa profissão abusiva, dificilmente vai ter medo de algumas coisas, de julgamentos. Ele acaba trabalhando a vergonha, o medo e a culpa na mulher. Ele é um livro fácil de ler, tem capítulos curtos, com temas que a gente trabalha no ciclo Free Free inteiro, começa com saúde emocional e vai até investimentos, passando por empreendedorismo, por metodologia, ele faz o ciclo da mulher. A ideia é que ele chegasse a mulheres de qualquer nível social. Ele te dá ferramentas práticas e muito simples de você abrir um negócio, começar a investir, ele é uma jornada.

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