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Paula Lima: “A meritocracia é uma ilusão, não reflete a realidade do Brasil”

Cantora Paula Lima escreve em seu segundo texto no Site RG sobre meritocracia e consequências da escravidão aos negros Foto: Rogério Mesquita

Por Paula Lima

Eu amo o Brasil! E o nosso País necessita urgentemente de uma reeducação de valores e humanidade. É essencial o respeito ao nosso semelhante. Preciso alertar que somos todos iguais e, na teoria, teríamos os mesmos direitos. É preciso dar atenção especial a quem nunca teve (e continua não tendo) espaço e privilégios como os que têm – e não os recebeu por mérito. Em geral, precisou apenas nascer. A meritocracia é uma ilusão. Ela não reflete a realidade do Brasil.

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É preciso respeitar e reparar os danos profundos causados aos negros, índios e vulneráveis (que geralmente também são negros e pobres). A empatia e a indignação se tornam fundamental para uma consciência sobre o justo. E o que seria o justo?

Pensando no injusto, registro aqui algumas perguntas: Quem gostaria de ter o seu pescoço pisado? Quem escolheria a dor e a humilhação de ser arrastado pela rua? Quem suportaria encontrar seu filho morto após passear com os cachorros da patroa? Quem gostaria de levar um tiro de fuzil cumprindo o isolamento dentro de casa? Quem sobreviveria ao sequestro de um filho encontrado morto por policiais de folga? Quem suportaria saber que o filho levou um tiro na nuca ao tentar fugir de um agente incomodado com o barulho?

Esses crimes têm um ponto em comum: todas as vítimas eram negras e pobres. E nada foi encontrado contra qualquer uma delas.

É importante frisar que nada, absolutamente nada, justifica tamanha violência, crueldade, perversidade. As leis deveriam ser iguais para todos, não é? Seria o básico sobre o “justo”?
Cito, mais especificamente sobre o caso da mulher negra de 51 anos, comerciante na periferia de São Paulo, que teve o peso do corpo do policial sobre o seu pescoço. Ela deveria entender que aquela figura estaria lá para “proteger e servir”. O ato condenável da vez aconteceu por ela defender um amigo. A cena toda é repulsiva e contém requintes de crueldade.

Que gente é essa?! Que mundo é esse?! Você se imagina nesse lugar? Sua mãe, alguém da sua família? Eu me imagino. Você gostaria de ser tratado assim por conta da cor da pele? Pela sua origem? Até quando criminosos fardados protegidos pelo poder do Estado terão impunidade?

O racismo sistêmico, institucional e estrutural se aprofunda em um País que, até pouquíssimo tempo atrás, se dizia não racista. É urgente e essencial que essa realidade se transforme. Essa ignorância sobre o todo e o “cruzar de braços” de quem tem o poder nas mãos (qualquer um que fuja da estética já citada aqui) demonstram no mínimo a falta de civilidade, responsabilidade civil e social.

Me lembro da pergunta do, então, presidente George W. Bush quando veio ao Brasil: “Você também tem negros aqui?”. Como alguém ousa fazer essa pergunta, se o Brasil escravizou por 354 anos negros vindos da África e foi o último país do mundo a abolir a escravidão? Como podem ainda nos ver como invasores quando trouxeram a força nossos antepassados para cá? E, digo mais, somos todos estrangeiros: você, eu e todo mundo que vive na pátria amada Brasil. Todos, exceto os índios (assunto urgente a ser tratado em pautas posteriores). A diferença é que os estrangeiros, não africanos e não indígenas tiveram seus direitos como cidadãos respeitados e preservados. E tem sido assim!

Por que as leis não nos servem? Por que não nos sentimos seguros no lugar onde nascemos? Até quando negros serão julgados, violentados e subvalorizados?

Há alguns dias, está no ar o vídeo manifesto #LágrimasNegras, dirigido por Mari Stockler e Carolina Jabor sobre a dor das mães que perderam seus filhos para a violência do Estado! Ficamos todos novamente sem ar. Convido todos a assistirem e refletirem um pouco mais sobre o tema.

A sociedade brasileira precisa rever seu conceito sobre ela mesma. A injustiça e suas consequências, afetam a todos. Não é justo que brancos e negros tenham tratamentos diferentes. É preciso que a gente se entenda como nação. É fundamental que a comoção social não seja seletiva. A cada 23 minutos, um George Floyd é assassinado no Brasil. Isso não comove? Estamos bem quando todos estão bem. Tenho fé, é preciso, afinal, com sabedoria, justiça e consciência podemos mudar o rumo! Rumo ao amanhã, Brasil!

 

Paula Lima é cantora, compositora e apresentadora. Atualmente, está à frente do “Chocolate Quente” na Rádio Eldorado. Também é uma das diretoras Na União Brasileira de Compositores (UBC).


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Site RG.

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