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Sanches: criatividade não é exclusividade de artista

Artista plástico Sanches estreia coluna quinzenal sobre arte e comportamento no Site RG –  Foto: Divulgação

Quanto mais aprendo, mais descubro que pouco sei. Mas se tem uma coisa que sei nessa vida é: cresci numa família de pessoas criativas. Não, meu pai não foi músico, nem minha tia era uma grande escritora com alguns tantos livros publicados. Em minha família, vivem professores, engenheiros e representantes de venda. Nenhum artista e, mesmo assim, ainda tenho a certeza de ter crescido em uma família de pessoas criativas.

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Certa vez, conheci um ferramenteiro com algumas décadas de vida. Vi ele combinar conhecimento e imaginação aplicada para desenvolver máquinas agrícolas do zero. Conhecendo melhor este homem, descobri que, além de entender um pouco de tudo, resolvia qualquer problema. Quebrou a trava da mala de viagem? Ele cria uma nova em aço, que quase sempre funciona melhor do que a original de plástico. Para tudo que ele fazia, havia uma solução criativa vinda da mistura de seu repertório e bagagem na área que atuava. Esse é Dionísio, meu avô.

Como artista, uso a criatividade na expressão do meu sentimento através de obras de arte, intervenções, cenografias e murais. Mas as pessoas que me ensinaram a ser criativo, tais como meu avô, que nunca foi chamado de artista, viveu criativamente cada dia dos seus 80 anos. Assim como Dionísio, sou uma pessoa criativa desde que me conheço por gente. Talvez por meus pais nunca me bloquearem criativamente quando jovem ou por ter sido uma criança curiosa – que ia de montar Lego sem respeitar as instruções da caixa até desmontar eletrônicos para descobrir como funcionavam por dentro. Nunca entendi, ao certo, os fatores que naturalmente me levaram à facilidade criativa.

Em 2016, curioso para saber com mais precisão de onde vinham minhas ideias, descobri que criatividade é um assunto “estudável”. Me aprofundei, e após ter traçado paralelos entre criatividade, conexões e experiências pessoais, cheguei ao principal ponto de reflexão deste pensamento: criatividade não é exclusividade de artista.

Todos nós somos seres criativos, e se sentirmos que não somos, talvez só estejamos exercitando pouco o músculo dessa nossa qualidade. Sim, entendo a criatividade como um músculo que precisa ser constantemente exercitado. Caso contrário, ele atrofia. Observar, questionar e ser receptivo me ajudam a treiná-lo, mas o meu treinamento favorito está em ser uma alma pretensiosa.

“Você nunca conseguirá criar nada de interessante na vida se não acreditar que merece ao menos tentar”- Elizabeth Gilbert

Aqui, ser uma pessoa pretensiosa é algo diametralmente oposto a presunção ou arrogância. Para mim, pretensão criativa significa simplesmente acreditar que você tem o direito de estar aqui e – pelo mero fato de estar aqui – se expressar e ter uma visão própria, autêntica.

Hoje uso minha criatividade a favor dos meus propósitos dentro e fora da arte, entendo que quanto mais profundo for em minha pesquisa pessoal sobre criatividade, mais criativo serei. Recebo minhas inspirações com respeito e curiosidade, tendo clareza que frustrações e bloqueios criativos não são interrupções, mas, sim, parte do processo. Nutro relacionamentos saudáveis, cercados de inspiração e espaço para ser quem realmente sou, desbravando momentos e lugares com a clareza de que tudo é inspiração.

É assim que quero passar o resto da minha vida, colaborando da melhor maneira com a minha inspiração: eu e minha pretensão criativa, para sempre me colocar na posição de arriscar e experimentar. Se não numa obra de arte, no dia a dia. Se você leu esse texto até aqui já entendeu: criatividade também é a habilidade de solucionar problemas, e se criatividade for exclusividade da arte, todos nós somos artistas.

 

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Rafael Sanches – Colunista de arte do Site RG

Foto: Arquivo Pessoal

Sanches é um artista multidisciplinar que confunde as linhas entre arte, arquitetura e moda, entrelaçando desde a criação de obras de arte tridimensionais até o design de futuros espaços “reimaginados”. O artista é conhecido por sua incansável experimentação de formas, materialidades e formatos em muitos gêneros de trabalho. Abrangendo esse conceito tipográfico que vai além de letras e palavras – formando forte comoção estética, ele se transformou em um dos novos artistas contemporâneos mais requisitados do País.

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