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A fascinante e enigmática cultura japonesa nos 112 anos de imigração

Fachada da Japan House que está temporariamente fechada, na avenida Paulista, em São Paulo (Foto: Divulgação)

Por Natasha Barzaghi Geenen*

É inegável a proximidade dos brasileiros, em especial dos paulistanos, com a cultura japonesa. A imigração iniciada há 112 anos – cheia de obstáculos e dificuldades, como tendem a ser esses casos – acabou criando uma sinergia única e frutífera. Em um contexto histórico extremamente duro, os imigrantes tiveram que enfrentar grandes adversidades para finalmente sedimentarem no Brasil um novo lar. Exemplos de uma característica notável, imediatamente atribuída aos nativos do Japão: a perseverança.

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Segundo dados do Consulado Geral do Japão em São Paulo, o Brasil é o país que abriga a maior comunidade japonesa do mundo fora de lá, com cerca de 1,9 milhão de pessoas (sendo 1,1 milhão só no Estado de São Paulo). Esses números remontam ao dia 18 de junho de 1908, quando o navio Kasato Maru aportou em Santos, no litoral paulista, após uma viagem de 52 dias, trazendo 793 japoneses. Essas pessoas foram as primeiras sementes, a origem de uma respeitável história entre duas nações extremamente diferentes, porém, com uma conexão, admiração e empatia raras.

Ao longo do tempo, o Brasil recebeu mais imigrantes nipônicos, empresas japonesas iniciaram investimentos financeiros aqui, tivemos a inauguração do Museu da Imigração no Brasil, localizado no bairro da Liberdade, em São Paulo, como símbolo da importância dessa relação e dessa História, entre inúmeros outros acontecimentos importantíssimos. Um caminho inverso também foi registrado: o fenômeno dekassegui, quando milhares de brasileiros descendentes de japoneses foram ao Japão para trabalhar, fortalecendo ainda mais este intercâmbio.

Minha ligação com o Japão começou cedo, mas de forma bem pontual. Nos anos 1980, quando nasci, meus pais eram donos de um restaurante no bairro dos Jardins, muito frequentado por artistas e intelectuais. Com isso, acabei convivendo com algumas figuras interessantes, como o editor, artista gráfico e “agitador cultural” Massao Ohno e o galerista Ryo Wakabayashi, filho do artista Kazuo Wakabayashi. Com muita frequência ia com minha família ao Suntory, um dos mais tradicionais e antigos restaurantes da cidade, inaugurado nos anos 70 e que, posteriormente, mudou de nome para Shintory – infelizmente fechado há pouco. Também lembro de um pequeno restaurante de robata (uma espécie de espetinho japonês), localizado no subsolo de uma galeria ou algo assim, envolto em um certo ar de mistério nas minhas memórias de criança. Ouvia maravilhada as histórias dos meus avós, que estiveram pela primeira vez no Japão no começo dos anos 1950. Meu avô estava a negócios e minha avó aproveitou para explorar o país, o que só pode fazer acompanhada de uma nativa, já que o Turismo ainda era muito incipiente.

Sempre achei a cultura japonesa fascinante e bastante enigmática. Um pouco como suas casas: os cômodos vão se revelando à medida que a intimidade se cria. E foi com essa grande curiosidade que assumi a direção cultural da Japan House São Paulo no fim de 2017. Era um grande desafio e uma grande oportunidade, finalmente me aproximar dessa cultura tão rica e interessante que rondou meus sonhos de criança e um imaginário que fui criando, com essas referências pessoais e com a incrível proximidade que sentimos, como brasileiros, desse país.

Desde então visitei o Japão algumas vezes, tendo a grande sorte de ver e viver algumas experiências únicas, descobrindo um pouco desse universo magnífico. Com a missão de criar o programa cultural da instituição e mostrar para a os brasileiros um pouco do que é o Japão de hoje, me aprofundei em pesquisas e descobertas das mais variadas.

Constatei imediatamente que – para falar de Japão contemporâneo – é preciso respeitar, entender, valorizar o Japão tradicional. Que uma de suas grandes especificidades é justamente o inovar enquanto valoriza o passado. O passado que não foi, que não se encerra. Serve sempre como lição. As viagens e pesquisas nunca parecem suficientes, é preciso uma vida inteira e muito mais. Criar uma seleção de conteúdo que surpreenda um público exigente e com tanta afinidade com o Japão tem sido das minhas mais prazerosas tarefas.

Neste momento de isolamento social, em que estamos com a nossa sede física fechada, iniciamos um amplo projeto de conteúdo em nossas redes sociais. Dentro do #JHSPONLINE, apresentamos muitas informações sobre o Japão, inclusive trazendo algumas filosofias essenciais à cultura japonesa. Exemplos que podem nos servir de inspiração nesta turbulenta situação mundial, como o Mottainai, conceito de não desperdiçar nada, valorizar tudo que ainda pode ser aproveitado de alguma maneira; e o Gaman: que simboliza paciência e resistência para perseverar pacientemente em tempos difíceis, muito ligada à noção do viver em grupo ou o Wa, que reforça a importância de viver e conviver em paz, buscando o benefício comum.

Temos muito para aprender com o Japão e os japoneses. A dedicação, perseverança, seriedade, a valorização do trabalho árduo, da qualidade, da educação, além do cuidado e admiração pela Natureza. Respeito ao próximo e ao coletivo são aspectos intrínsecos à sociedade japonesa. Mais do que nunca, acredito que são exemplos fundamentais a serem seguidos, lembrando sempre que somos muitos. E que precisamos estar juntos.

*Natasha Barzaghi Geenen é Diretora Cultural da Japan House São Paulo (Foto: Divulgação)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Site RG.

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