Nos primeiros dias do ano, grifes como Prada, Gucci, Stella McCartney e Versace não tiveram folga. Todos os anos, entre janeiro e fevereiro, as casas trabalham para vestir dezenas de estrelas do cinema que atraem as lentes do mundo inteiro no red carpet de premiações como o Grammy e o Oscar. Em 2018, no entanto, o trabalho foi ainda mais intenso. Dias antes do Globo de Ouro, primeiro grande evento da categoria, os estilistas receberam um pedido para lá de inusitado de suas modelos: vestidos na cor preta.
Abrir mão das cores vibrantes, naquele evento, seria sinal de apoio ao movimento Time’s Up [O tempo acabou, em tradução livre], que luta contra a desigualdade salarial e abusos sexuais no showbiz. Na ocasião, atrizes passaram pelo tapete vermelho acompanhadas por militantes feministas anônimas, mas que lutam em diversas frentes pelos direitos das mulheres. Oprah Wifrey deu o recado com um discurso favorável à igualdade de gênero e foi aplaudida de pé. A cena ganhou as redes sociais, correu o mundo e, claro, não parou por aí.
Nas premiações seguintes, o preto continuou prevalecendo. Foi o caso do BAFTA, primo britânico do Oscar que aconteceu na noite deste domingo (18), no Royal Albert Hall, em Londres. Assim como no Globo de Ouro, o movimento contou com a adesão de diferentes gerações: nomes como Jennifer Lawrence, Angelina Jolie, Octavia Spencer, Margot Robbie, Lupita Nyong’o, Emma Roberts e Kristin Scott Thomas vestiram luto. Para não deixar dúvidas, algumas ainda ostentaram um broche com o símbolo do Time’s Up.
A princesa e duquesa de Cambridge Kate Middleton é presença cativa na premiação, já que seu marido, segundo na linha sucessória da coroa britânica, é também presidente do British Academy of Film and Television Arts – ou BAFTA. Ela foi uma das únicas a não vestir preto, provavelmente porque membros da família real são orientados a ficar à margem de manifestações políticas.
Ainda assim, a mãe de George e Charlotte apareceu com um modelo verde escuro assinado por Jenny Packham que poderia enganar os olhos e se passar por preto, a depender da luz ambiente e do flash da câmera. Para alguns, a proximidade entre o tom do vestido verde escuro e o preto foi a forma encontrada pela princesa de apoiar o movimento sem quebrar o protocolo da Coroa. Uma faixa preta no look e uma clutch Gucci da mesma cor reforçam a intenção subliminar.
Fora do red carpet
A ação das feministas britânicas foi além do modelito. O Time’s Up já arrecadou mais de 65 milhões de dólares para o Justice and Equality Fund, um fundo de amparo jurídico a vítimas de assédio sexual no trabalho. Dentro de um mês, mais de mil mulheres buscaram a ajuda do movimento para bancar processos desse tipo.
No domingo, horas antes do evento, 190 atrizes do Reino Unido publicaram no jornal The Observer uma longa carta aberta criticando a disparidade entre salário de homens e mulheres no cinema – em 2017, essa diferença era cinco vezes maior que em 2011, de acordo com uma pesquisa britânica.
O texto pressiona autoridades por medidas que promovem a igualdade no showbiz, entre elas, leis mais rígidas contra assédio no ambiente de trabalho e a criação de unidades básicas de atendimento a mulheres grávidas em estúdios de gravação.
“Em um passado muito próximo, vivemos em um mundo onde abuso sexual era uma piada desconfortável. Era certamente algo que não deveria ser discutido, muito menos endereçado. Em 2018, acordamos para uma onda de mudanças. Se nós realmente abraçarmos este momento, uma linha será traçada e será definitiva”, diz a carta, assinada por nomes como Emma Watson, Claire Foy e Kate Winslet.
Lado a lado, os movimentos Time’s Up e Mee Too – idealizado pela atriz norte-americana Alyssa Milano para incentivar a denúncia de assediadores famosos – ajudaram a derrubar verdadeiros reis do showbizz, homens que pareciam inatingíveis e usavam os altos cargos para manter suas vítimas em silêncio.
O primeiro exemplo foi o ator Kevin Spacey, demitido pela Netflix da série milionária House of Cards depois de ser acusado de abusar sexualmente do ator Anthony Rapp. Pouco tempo depois, o produtor Harvey Weinstein foi expulso da Academia do Oscar após ser denunciado por atrizes gabaritadas como Angelina Jolie e Gwyneth Paltrow por abuso sexual.