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#agoraéquesãoelas em RG, por Carolina Arantes

#agoraéquesãoelas volta a invadir RG! João Grinspum Ferraz, nosso especialista de gastronomia, convidou duas feras da área para assumirem sua coluna e falaram um pouco sobre o sexismo na cozinha. Depois da chef Bel Coelho, quem escreve é Carolina Arantes, jornalista e sócia no Estúdio de Comunicação Silo. Confira!

“As chefs aprendem rapidinho a agachar, nunca se curvar para pegar uma panela”

Por Carolina Arantes

Quantas de nós, mulheres, quando pequenas, ganhávamos brinquedos que nos ensinavam a construir coisas? Ou que nos mostravam as distâncias entre os planetas? Até hoje, somos pouquíssimas em áreas como engenharia, programação, física. Mas quando foi que, na evolução da cozinha doméstica para a profissional, o protagonismo feminino se perdeu? O que poderia explicar o fato de as mulheres serem minoria no comando e nas equipes de restaurantes premiados? Não é por falta de especialização:
há um equilíbrio de gênero entre os estudantes de gastronomia. E certamente não é por falta de ganharmos panelinhas na infância…

Há vinte dias, homens adultos se acharam no direito de fazer comentários de cunho sexual sobre uma competidora de 12 anos do MasterChef Júnior no Twitter, o que motivou uma onda de depoimentos femininos identificados pela hashtag #meuprimeiroassédio. Nesta semana, uma nova campanha tomou as redes: com #AgoraÉQueSãoElas, mulheres ocuparam os espaços de homens nos principais jornais e blogs do país, discutindo a situação da mulher no Brasil contemporâneo.

Fui convidada pelo João a assinar esta coluna e decidi me ater a seu tema original, o da gastronomia. Me motivaram os números. Berço do guia Michelin, a França computou em sua última edição 609 restaurantes estrelados, dos quais apenas 16 têm mulheres à sua frente. A versão brasileira do guia segue a linha: das 17 casas premiadas, duas são comandadas por mulheres. No 50 Best, premiação anual realizada pela revista Restaurant e hoje um dos maiores balizadores da gastronomia mundial, há apenas duas mulheres entre as 50 casas premiadas: Helena Rizzo, do brasileiro Maní, que divide a cozinha com Daniel Redondo; e Elena Arzak, do Arzak (San Sebástian), que divide a cozinha com seu pai. O especial Comer e Beber, da revista Veja, acaba de anunciar seus vencedores do ano na seção restaurantes: são nove casas, das quais a única comandada por mulher, ainda que a quatro mãos com um homem, é o Maní.

Motivou-me também o caderno Ilustríssima (Folha de S.Paulo) do último domingo, que trouxe um depoimento publicado no New York Times sobre o sexismo nas cozinhas. Tirei dele o triste título deste artigo. O texto relata casos escabrosos e informa: segundo a Comissão de Oportunidades Iguais de Emprego dos EUA, o setor de restaurantes é a maior fonte de reclamações de assédio sexual.

Conversei rapidamente com donos de casas de São Paulo, que contaram receber poucos currículos de mulheres e jamais levar em consideração o gênero na hora de contratar. O outro lado confirma: mulheres que trabalham em restaurantes dizem não sofrer discriminação ao se candidatar. Mas precisam provar-se duplamente para ocupar um posto na cozinha quente. Afinal, a expressão “lugar de mulher” também tem vez na gastronomia. E lugar de mulher, para muitos (homens), é na confeitaria. No garde manger. Não na cozinha quente.

Dentro dela, além de comporem equipes em sua maioria masculinas, as mulheres relatam assédios de toda sorte: do discurso quase diário de que não podem com a jornada e o peso das panelas, passando por bullying a respeito de TPM, até apalpadas. O mais perverso? A ideia de que faz parte do jogo – brincadeira, melhor relevar – é constante.

É preciso que mais cozinheiras denunciem esse comportamento a seus superiores, e que os chefs interrompam uma prática que ocorre sob seu olhar, distraído ou conivente. É preciso que a piadinha, tanto quanto a apalpada, seja lida como o que de fato é: violência sexual. Pois por enquanto a cozinha, da mesma forma que a calçada, a escola e o ônibus lotado, reserva à mulher um dia a dia marcado pela naturalização do assédio.

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