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Da comunidade para o mundo: Julia Peixoto bomba na web e brilha como empreendedora

Foto: Reprodução/Instagram/@juliapeixotoficial

Desde 2015, quando iniciou sua carreira como influenciadora digital, Julia Peixoto vem crescendo, alcançando números impressionantes e conquistando milhares de fãs na internet. A adolescente sonhadora, que começou a gravar vídeos de automaquiagem, dicas de beleza e do cotidiano em seu próprio quarto, na comunidade onde morava, em Parada de Lucas, hoje acumula mais de 1,6 milhão de seguidores só no Instagram. No YouTube, soma mais de 500 mil inscritos. E após deslanchar como influencer, agora, aos 21 anos, ela começa a trilhar uma nova trajetória: a de empreendedora.

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Julia lançou sua primeira linha de maquiagem, em parceria com uma empresa de cosméticos. Pensando no público C e D, os produtos são totalmente acessíveis, já que a influencer visa a empoderar mulheres e meninas que não possuem poder aquisitivo para investir muito em maquiagens. Na identidade dos produtos, Julia inseriu um pouco de sua história: utilizou desenhos de suas tatuagens, datas importantes, lugares que ama e quer conhecer e até seus gatos de estimação.

A proposta para lançar sua linha de maquiagem surgiu de um momento inusitado: quando ela fazia presença em uma loja de cosméticos de beleza. Na ocasião, Julia não estava bem, passava por um momento de depressão. Foi quando o dono da loja, que também é o dono da marca que lançou seus produtos, a chamou para uma conversa particular. Ele ofereceu a parceria, que foi prontamente aceita por Julia, porém não foi levada para a frente naquele momento. No ano passado, a influenciadora resolveu procurar o empresário nas redes sociais para saber se ele ainda tinha interesse na parceria. Ele respondeu e assim surgiu a linha de maquiagem de Julia Peixoto.

Ela costuma carregar consigo o bordão “Da favela pro mundo” para, com muita humildade, contribuir com a mudança da perspectiva que a sociedade tem das comunidades. Para Julia, ela se inspira nas trajetórias de Anitta, Ludmilla e outras personalidades da mídia que, assim como ela, são crias da favela e buscam enaltecer o lugar de onde vieram.

Leia a seguir o papo que Julia teve com RG via Zoom.

Como nasce a Julia Peixoto?

A Julia Peixoto nasce em 1999 na comunidade de Parada de Lucas, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Minha mãe foi nascida e criada dentro da comunidade. Minha infância foi super tranquila, eu fiz cursos de projetos sociais na AfroReggae da comunidade. Tive amigos que fizeram o curso de violino e acabaram indo para São Paulo para tocar. Havia diversas atividades culturais, shows, como da Alcione, e outras coisas também. É a ideia de tirar a gente da rua e levar para dentro de casa para estudar, porque, infelizmente, a maior referência que a gente tem na comunidade é o tráfico. Então ajudou muito, porque esses projetos sociais nos mostram que há outros caminhos a além disso.

Então, posso dizer que a minha infância foi muito tranquila, porque as pessoas acham que na comunidade só tem o crime, mas não é assim. Tudo bem que tem os tiroteios e tal, na minha casa mesmo tinha buracos de tiros, para mim isso era normal. Mas existe outro lado. Eu nasci e fui criada na comunidade, fui para o baile funk com 12 anos de idade, é algo da nossa cultura. Não tem uma coisa como “está indo para o baile funk para se perder”. É uma coisa que já nasce conosco.

Com 11 anos eu comecei a me interessar em gravar vídeos, sempre gostei muito de gravar, muito mesmo. Era eu e meus amigos, uma vez até ganhamos dinheiro com isso, lembro-me que foram R$ 250 para cada um, o que era muito na época para nós, adolescentes. Mais para frente, meus amigos não quiseram mais gravar, mas eu continuei. Recomecei gravando vídeos dançando, porque eu gosto de dançar. Depois disso, parti para dicas de maquiagem, de cabelo. Mas eu não postava com frequência, porque eu estudava, não tinha muito tempo, e a internet não era algo que fazia parte da minha vida como hoje. Eu tinha outras prioridades, como estudar. Na é poca era YouTube e Facebook.

E quando você parte para o Instagram?

Passei para o Instagram em 2014, mas ainda não era tão frequente. As pessoas escreviam dizendo “Ju, faz vídeo disso”, “Faz vídeo daquilo”, só que eu estudava e tinha que passar de ano, era a prioridade. Eu não tinha como editar vídeo, então tinha que ir para uma lan house para poder postar os vídeos. Como eu era adolescente, tinha 16 anos, estudando, curtindo a minha juventude, não era uma coisa que era meu trabalho, era um hobby. Hoje eu faço porque é o meu trabalho. Nunca fiz algo para ganhar seguidor, as coisas aconteceram naturalmente. Quando eu fui ver já estava com vários seguidores, as pessoas querendo ver o meu dia a dia. Foi quando eu percebi que eu tinha um diferencial, que as pessoas gostavam do meu jeito, da minha personalidade, do jeito que eu levo a vida, sendo livre, respeitando a opinião de cada um, dando oportunidade a diversas pessoas.

Em 2017 eu fiz um intercâmbio em Miami, o que acho que me ajudou muito. Mas também teve um olhar de preconceito nesse intercâmbio, porque as pessoas falavam assim: “Pô, mas ela é da comunidade, como ela conseguiu ir para Miami? De onde saiu o dinheiro?”. Só que eu ganhei mais seguidores por conta disso, da minha viagem, porque as pessoas gostavam de acompanhar minha vida lá.

Foto: Reprodução/Instagram/@juliapeixotoficial

E como você foi para Miami?

Eu fui porque minha mãe [Fábia Peixoto] trabalhou muito, eu saí da comunidade, não por minha conta, por conta da minha mãe. Eu estudei em escola escola municipal até meus 11 anos, após isso eu fui para colégio particular, porque minha mãe queria que eu tivesse uma boa educação. Por mais que eu tivesse nascido na comunidade eu tinha a minha mãe para investir em mim. Minha mãe trabalhava muito para me dar do melhor, pois meu pai foi embora quando eu tinha 5 anos, nunca pagou pensão nem nada, foi a minha mãe quem me criou desde sempre.

Hoje minha mãe é empresária, e ela sempre quis sair da comunidade, porque ela achava que nós merecíamos mais. A cultura da comunidade é perfeita, mas a estrutura não é um lugar bom para se viver. Nós merecemos mais, porque o mundo é bem maior que aquilo ali.

Saímos de lá em 2015, e fomos para uma casa que era na direção da comunidade. Então, em algum momento essa nova casa, que ficava entre a Parada de Lucas e Cidade Alta, passou a ser parte de outra comunidade. É aquela coisa, a gente sai da comunidade, mas a comunidade não da gente, risos. Quando a Parada de Lucas tomou a favela da Alta, onde eu morava passou a ser comunidade.

E quanto tempo você ficou em Miami?

Eu fiquei morando lá por quatro meses. Quando fui não sabia falar nada de inglês, a moça que eu morava na casa só falava inglês, então foi um desafio para mim, mas eu aprendi. Foi muito incrível, uma experiência que eu não tenho nem palavras para descrever.

E o que acontece quando você volta para o Brasil?

Bem, quando eu voltei, passei por um perrengue. Lá em Miami, tiraram uma foto minha escrevendo “a realidade da internet”, querendo dizer que eu havia postado algo como se não fosse o meu corpo. Isso viralizou. Eu tinha 17 anos, e a galera caindo em cima de mim, as pessoas falando sobre o meu corpo, dizendo “pessoalmente, é assim, na internet, de outro jeito”. Houve diversas mulheres comentando coisas horríveis nas minhas fotos. Naquele momento eu tinha que decidir se ia continuar na internet ou se ia transformar aquilo em algo positivo para mim. E obviamente, eu transformei em algo positivo. Fiquei mal, fiquei. Rolou esse meme, que muitas pessoas me conheceram através dele, mas eu sempre busquei trazer para mim o lado positivo das coisas. Inclusive, eu queria agradecer essa pessoa que tirou essa foto minha lá em Miami, que eu nem sei quem é.

Eu sempre fui uma pessoa que tem a personalidade forte, hoje em dia eu faço terapia e tal, mas na época eu era adolescente, e tive uma atitude que hoje eu não teria, sabe? As pessoas dizem que eu não tinha bunda, e eu fiz um vídeo mostrando que eu tinha. Aí as pessoas param de falar.

E como você começou a empreender?

Eu fui crescendo e crescendo na internet, e fazia sucesso com as roupas que eu usava, uns tops, só que eram roupas que o meu público não podia pagar. Então eu lancei uma linha de roupas minhas, eram tops, a by JuPXT, com preços acessíveis, e passei a vender na feirinha, isso foi em 2018, eu tinha 18 anos. Em três dias eu vendi tudo. Eu chamei tanta atenção que uma marca me convidou para lançar uma coleção. Da feirinha eu fui para uma fábrica escolher tecido, cores, modelos para lançar peças. Foi meu primeiro trabalho profissional na internet, que abriu muito espaço para mim, fique muito conhecida. Ao mesmo tempo, era tudo muito amador, eu não tinha ideia de quantas peças eram vendidas. Essa coleção durou um ano e meio, muitas pessoas compravam, e foi o caminho para eu começar a empreender.

E quando você entra em depressão?

Eu continuei seguindo a minha vida na internet, até que em um momento eu entrei em depressão. Acho que tem um momento que a gente permite que essa coisa toda nos adoeça. Passamos a enxergar que as pessoas não são aquilo que falam, que pregam, você não sabe se a pessoa está ali por interesse, se está realmente te achando bonita, essas coisas. E eu não entendia muito bem, eu era muito emoção. Também teve a história do meu pai, nessa época, que do nada veio me procurar, o que mexeu comigo emocionalmente, porque ele era usuário de drogas, morava na rua, eu levava comida para ele. Mas eu procurei tratamento psicológico, tomei remédios, e me curei.

Nesse meio tempo da depressão, fui a uma loja de maquiagem, eu já tinha muita ligação com make nessa época, mas fui de cara lavada, não passei nada, não tinha vontade de me produzir, e vi que uma vendedora estava rindo de mim. Eu fiquei “bolada” pensando por que ela estaria rindo de mim. Aí o dono da loja me chamou para comer alguma coisa, e ele era o dono da Face [marca com a qual Julia tem uma marca de maquiagem atualmente]. E ele me disse: “Já pensou em ter uma linha da Face Beatiful com a Julia Peixoto?” Na hora eu nem pensei em nada, mas a história ficou na minha cabeça. Eu engordei, passei de 49 kg para 71 kg. Aí, no ano passado, eu desisti de uma lipoaspiração, fiz todos os exames para seguir uma vida saudável, e nesse meio tempo eu estava me reencontrando, me reconectando comigo mesma. Pensava que o meu Instagram não crescia por nada, que nenhuma marca me procurava, eu precisava trabalhar, já estava começando a ficar nervosa, me sentindo mal com o meu corpo. E resolvi trabalhar.

Foi quando, em 2020, eu procurei a Face Beautiful e perguntei se eles se lembram de uma proposta que haviam feito em 2018 de parceria. Eles disseram que se lembravam e marcaram uma reunião. Marcamos e demos início ao trabalho. No começo eu achava que seria só um batonzinho, mas criamos uma linha com 12 produtos. E as coisas aconteceram. Tanto a minha equipe como a deles cresceu, e eu fui fazendo as coisas do meu jeito, porque não quero vender algo que não tenha a minha cara.

Isso mostra que conseguimos sair da comunidade com empreendedorismo, sem optar pelo crime, que podemos começar de baixo, porque tudo começou lá na feirinha que eu citei. A história é buscar a oportunidade. Eu acho que na internet nós temos que mostrar qual é o nosso papel, que é possível conseguir. Eu vim de uma classe muito humilde, hoje sou da classe média, tudo fruto do meu trabalho e da busca por oportunidades.

E onde você mora hoje?

No fim de 2019 nós nos mudamos para Freguesia de Jacarepaguá [Zona Oeste do Rio].

E como você se inspirou para criar sua marca de maquiagem?

Eu queria levar um pouco de meu jeitinho e da minha personalidade para a pessoa que comprasse, não queria que elas comprassem só um produto, mas um produto que foi desenvolvido pela Julia. Nunca chegaram para mim e disseram: “Vai ser assim e ponto”. Eu escolhi tudo, o que não estava bom, refizemos. E a ideia era levar um pouco de mim. Então, em uma das embalagens, colocamos uma tatuagem minha, o delineador tem o branco e o preto, e eu tenho dois gatinhos, um branco e um preto, foi uma mistura de tudo.

Foto: Reprodução/Instagram/@juliapeixotoficial

E esse bordão “da favela pro mundo”?

É um bordão que a gente que vem da comunidade sempre usa, sempre está escrito em alguma conquista nossa. Pode ver que qualquer pessoa que venha da comunidade vai usar “da favela pro mundo”, mostrando às pessoas que o mundo é bem maior que aquilo. Nós podemos alcançar qualquer lugar que a gente queira, basta ter determinação, fé, paciência e ter um coração do bem, é isso.

Você acha que o seu discurso, sua beleza e sua presença nas redes sociais ajudam a empoderar novas meninas?

Com certeza. Eu recebo muitas mensagens de meninas dizendo que as inspiro, tanto no empreendedorismo como na vida saudável também. Eu sempre prego que devemos  desistir de ter o corpo dos sonhos se fizermos lipo. Vou inspira-las em todas as áreas que eu puder, de ser uma mulher independente, que não precisa de um homem, que eu também sou muito cobrada nisso. E não, eu não preciso de ninguém, eu viajo sozinha, falo sofre autossuficiência.

Você pretende transforma a sua linha de beleza em uma coleção internacional?

Sim. Tanto a minha linha como a minha pessoa. E vai ser por meio do meu trabalho, que eu tenho certeza que vou alcançar.

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