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Isis Lyon: “Os negros podem ter o cabelo que quiserem”

Isis Lyon – Foto: Divulgação

Há poucas semanas, a ex-BBB Camilla de Lucas sofreu ataques na internet por usar laces loiras e de cabelo liso. Passando por transição capilar, ela tem recorrido a esses acessórios, parecidos com perucas, de todos os formatos e estilos, para mudar o visual. Mas alguns internautas interpretam o uso das laces como se a pessoa em questão tivesse vergonha de seu cabelo natural, o que pode ser bastante problemático.

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Isis Lyon já passou por um episódio parecido e defende a liberdade capilar, especialmente de mulheres negras. “A escravidão acabou, mas a superioridade de acharem que tem algum poder sobre nós ainda está enraizado. Por isso digo que não somos livres. Não apenas fisicamente, mas também emocionalmente”, afirma.

A filantropa, influencer e musa da Unidos de Vila Maria defende que, ao contrário do que muita gente pensa, usar lace não a faz negar suas origens. “Gostaria de viver em um mundo em que cabelo não definisse caráter e, muitos menos, sua cor. Eu não sou menos negra por ter escolhido alisar meu cabelo”, desabafa.

“Por que o meu cabelo liso incomoda tanta gente? Pelo fato de pertencer a um padrão de beleza criado pela sociedade, sem dúvidas. A falta de representatividade levou milhões de mulheres pretas a aderirem a químicas totalmente corrosivas que causavam danos ao couro cabeludo e aos fios, somente para chegar próximo desse padrão”, aponta.

Isis Lyon – Foto: Divulgação

Ela acredita que a relação da pessoa negra com seu próprio cabelo ainda é complexa. Prova disso é que o cabelo crespo também é discriminado em vários ambientes e situações.

“O processo para aceitar o cabelo natural costuma ser longo e, muitas vezes, doloroso. Portanto, usá-lo em um local de elite é praticamente um protesto. Já perdi as contas de quantas vezes colocam a mão no meu cabelo e perguntam se é ‘de verdade’. E colocam a mão porque não sabem lidar até hoje com a diferença. Não percebem que, por conta do corpo negro ter sido objetificado por séculos, estão tocando meu corpo achando que podem. Mas não podem. Eu não questiono ‘esse silicone é seu?’ ou ‘esse lábio é seu?’. São perguntas desagradáveis e desnecessárias para qualquer um, e para o meu cabelo, não seria diferente.”

Ísis percebe a liberdade capilar como uma maneira de usar o cabelo como bem entender, sem ter que pedir permissão ou sofrer represálias por essa escolha.

“Uso o cabelo como eu gosto para o meu próprio bem-estar. Sou muito bem resolvida em relação a isso. Mas sempre friso que sou parte de uma minoria que pode ter esse privilégio. Conheço meninas que perderam trabalhos por causa dos seus cabelos naturais, por exemplo, mais uma situação de violência vivenciada pela mulher negra. Mais um reflexo do racismo estrutural que estigmatiza nosso cabelo como ‘ruim’”, destaca.

Ela enxerga a importância de incentivar que as mulheres negras usem os mais diversos tipos de cabelo.

“A liberdade em si não foi alcançada até hoje. Existe uma dívida histórica de sofrimento. O nosso cabelo representa muito sofrimento. Nossas tranças eram guias de rotas de fuga e contam a história de nossa ancestralidade. E desconstruir essa cultura é um processo de estímulo. Precisamos devolver a autoestima da mulher preta”, reflete. Ela também traz dicas para quem está passando por transição capilar e deseja recuperar seus verdadeiros fios.

“É preciso ter um suporte durante a transição, que pode levar anos. Nesse percurso, também é difícil se olhar no espelho e ver tantas texturas diferentes no cabelo, além de conviver com a opinião das pessoas. Tudo isso vai gerando insegurança em nós e uma vontade danada de fazer uma progressiva, apenas para acabar com esse dilema. Mas aguente firme, pois é libertador. Você perceberá que não precisa sentir dor para se sentir bonita”, completa.

Beyoncé é uma das maiores inspirações de Ísis, tendo em vista o talento, o estilo e os milhares tipos de cabelo que a diva pop usa – indo do curto ao longo, do loiro ao preto, do liso ao crespo. Ela se inspira na cantora em seus ensaios de fotos por admirar a ousadia da artista norte-americana. “Para mim, é um dos principais exemplos de empoderamento e liberdade capilar, quando falamos de mulheres negras. Ela leva as mudanças ao extremo e tem passe livre para fazer o que quiser com o próprio visual. Acho isso incrível”, finaliza.

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