por Alberto Hiar, especial para RG
Neste ano, eu tive a oportunidade de realizar uma viagem muito especial para uma tribo indígena da etnia Yawanawá. Conheci como realmente vivem os índios na Aldeia Mutum, no Acre.
Para chegar à tribo foi quase um dia de viagem, entre avião, carro e voadora:
barco simples que eles utilizam como transporte para tudo, pois vivem à beira do rio Gregório. Uma experiência única, em que eu não senti nem o tempo passar e nem o desconforto do barco, pois parávamos para um banho no rio, depois para almoçar e, novamente, um banho.
Neste traslado, você fica totalmente à mercê do clima, sol forte e, de repente, uma tempestade que se afastava e podíamos percebê-la… foi maravilhoso. Também haviam muitas árvores caídas dificultando a navegação, por ter havido uma enchente recentemente. Mas, mesmo assim, tudo encantava. Ver as esculturas que estas árvores formavam nas águas e a magnificência da floresta amazônica é de um poder extraordinário, nos tornam pequenos e ao mesmo tempo parte dela.
Quando chegamos à Aldeia Mutum, que fica no alto de um morro, fomos recebidos pelo Pajé Tatá, Massmin e pela cacique Mariazinha. No alto havia um coro celebrando a nossa chegada. Foi uma emoção que nos deixou em silêncio profundo, apenas ouvindo e sentindo as vozes da floresta que ecoavam.
Os líderes nos defumaram com resina à base de Cipá, um aroma inesquecível, e nos apresentaram ao povo da floresta pedindo proteção durante nossa estadia por lá. Já era tarde e fomos organizar nossas coisas… onde era o banheiro? Um buraco fundo no chão.
Jantamos com eles e preparamos nossas redes num redário aberto e dormimos tendo como pano de fundo a floresta. Foi a minha primeira noite numa rede… a melhor noite que já tive. Ah! E sem luz elétrica. Apenas lanternas, ou seja, sem comunicação nenhuma com o mundo.
A ideia foi viver o dia a dia deles, não queríamos que mudassem sua rotina em função da nossa presença. Conhecemos a roça (milho, banana, abacaxi…), conhecemos o centro de cura. Muitos adictos vão para lá para serem curados, é um trabalho que dura no mínimo 21 dias.
Do outro lado da Aldeia, fomos conhecer a Samaúma, uma árvore de mais de 800 anos, gigantesca. Ao pé dela, ouvimos as histórias sobre o Grande Espírito e a criação do mundo na cultura Yawanawá, contadas pelo Pajé Tatá. Eles fizeram pinturas com urucum nos nossos rostos e o perfume nos deixava extasiados. Nós ficamos tão relaxados que os piuns (mosquitos
insuportáveis) não nos incomodavam. Jiboias, borboletas, setas… símbolos sagrados representados nas pinturas e nos braceletes que eles fazem com miçangas.
À noite haveria o ritual do Uni (ayawaska deles) e eles se preparam para isso: se arrumam, se enfeitam para a cerimônia sagrada. Nós tínhamos levado presentes da Cavalera para a tribo e muitos estavam vestidos com eles. Eles cantam suas canções durante horas do transe… a noite estava especial, com um céu estrelado, muitas estrelas cadentes e a lua marcando sua presença. Eu adorei a experiência com o Uni, apesar do refluxo.
O Pajé Tatá contou suas histórias até às duas da manhã. As crianças também ouvem relatos de guerreiros, caçadores, pajés… e assim vão se identificando e despertando seus espíritos para o caminho que seguirão. Nada é imposto e assim eles constroem sua comunidade, cada um fazendo a sua parte; todos têm a mesma importância, pois sabem que um depende do outro. Se um falhar, a aldeia inteira falhou.
Equilíbrio, harmonia, amor, respeito e reverência pelos que vieram antes e uns pelos outros. Quando eles se desentendem, se resolvem com danças, jogos e brincadeiras… eu participei de vários jogos, inclusive um em que as mulheres batem como homens, quase desmaiei, pois bati com força a cabeça no chão.
A cacique Mariazinha nos contou que essas atividades unem a aldeia. Muito interessante. Depois, para esfriar o corpo (quase quatro horas seguidas de atividade) eles cheiram rapé e vão nadar no Gregório. O rapé é usado também antes das cerimônias espirituais, assim as energias se unem tornando o Uni, por exemplo, mais profundo, mais perfeito.
Pudemos também ver como eles pescam no igarapé. Depois de macerar folhas especiais elas são colocadas no igarapé e os peixes começam a pular e são pegos com as mãos; é uma celebração, quase toda a aldeia participa.
Foram dias e noites muito especiais. Só vivendo é possível sentir e compreender a natureza humana fora dos grandes centros. É como se entrássemos em outra dimensão de tempo/espaço e isso somente é perceptível quando saímos de lá.
Eu adoraria levar expedições à Aldeia Mutum e depois ouvir o que aconteceu com cada um. Foi inesquecível. Em agosto, acontece um festival que reúne várias tribos e pessoas do mundo inteiro. É quando eu quero voltar para lá com os meus filhos…