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Amadeu Marins: de Manguinhos a uma carreira de sucesso em Paris

Foto: Divulgação

Amadeu Marins é um jovem preto de 27 anos. Sua trajetória é longa na carreira profissional, apesar da pouca idade. Morador da comunidade de Manguinhos, no Rio de Janeiro, ele se tornou o único profissional preto e latino em um dos mais importantes salões de beleza em Paris, o David Mallet. Como? Com muita determinação e muito estudo, coisa que ele preza e tem como meta em sua linha de trabalho.

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Até os 14 anos, Marins morou com sua madrinha na comunidade de Manguinhos, e teve uma criação rígida, segundo conta. “Nasci em Santa Isabel, mas fui morar com minha mãe em Benfica, no Manguinhos, e quando eu tinha seis anos, minha mãe faleceu, dois anos depois foi meu pai quem morreu, então fui criado pela minha madrinha, que era uma amiga da minha mãe. Tive uma criação muito rígida. Ela me criou para que eu crescesse sem me vitimizar por conta da cor da minha pele, por minha opção sexual, pelo lugar de onde eu vim. Porque eu era preto e favelado”, diz.

Sempre envolvido com esporte, aos 14 anos Marins foi morar no interior de São Paulo para jogar, era atleta de handebol. Segundo ele, o esporte foi tudo em sua vida, porque deu a ele toda a formação educacional, quando ganhou bolsas em escolas particulares, e o senso de coletividade.

Handebol

“Eu conheci o esporte de 13 para 14 anos. Na época eu achava que ali [em Manguinhos] não era o meu lugar.  Eu queria ter uma oportunidade de crescimento, de educação e tudo o mais. Não que estar lá fosse exatamente ruim, mas eu queria crescer. O esporte foi tudo para mim, inclusive na parte educacional, eu ganhei bolsas de estudo em escolas particulares. Com 14 anos eu fui morar no interior de São Paulo para jogar e estudar. Morei em Minas, Paraná, Rio Grande do Sul. Voltei para o Rio só com 19 anos. Fiz um período de Educação Física, mas parei. Mas o esporte é uma coisa muito importante na minha vida até hoje por ter desenvolvido toda essa questão do coletivo”, explica.

Atualmente, Marins está no Brasil passando férias e aguardando que toda a sua documentação de visto fique pronta para que possa voltar a Paris, onde trabalha na equipe do cabeleireiro australiano David Mallet. Aliás, o próprio Mallet está providenciando e bancando os custos dessa documentação e passagens, que somam 35 mil euros, para que Marins possa voltar à França no próximo mês de setembro.

Mas como tudo isso começa? Após voltar ao Rio já com 19 anos depois de largar o Handebol por conta de duas fraturas no joelho, Marins trabalhava em lojas em shoppings do Rio. Nessa época, nem passava por sua cabeça atuar no setor de beleza. “Eu tentei migrar para várias áreas, como administração, segurança no trabalho, enfermagem, mas nada disso me animava, não tinha a ver comigo. Mas, ao mesmo tempo, nunca tinha passado pela minha cabeça trabalhar na área de beleza”, explica.

Foto: Divulgação

Palestra

Aos 23 anos, uma colega o convidou para assistir a uma palestra da L’Oréal, na Tijuca, ao que ele, em princípio, resistiu, mas acabou indo. No fim, a amiga que o levou acabou perdendo a palestra, e sobrou para Marins assisti-la, e aí começa a mudança de pensamento e uma carreira que se tornaria internacional.

Ele diz que se encantou pela profissão, que é ligada a bem-estar, beleza, cuidados. Pela empatia de fazer as pessoas se sentirem bem, aumentar a autoestima. “Aí eu pensei: ‘É isso o que eu quero para a minha vida, estou me sentido imerso nesse mundo, mas eu não tinha técnica nenhuma’. Por isso diversas vezes eu pensei em desistir, justamente porque era um curso muito caro e eu não tinha grana para pagar.”

Mas o que foi um perrengue no início se tornaria o caminho de sucesso para Marins. Na época ele era casado, e sua sogra fazia salgados para vender. Ele, então, largou o emprego no shopping e passou a vender salgados para poder pagar e cursar as aulas de profissional de cabelo. Fez o curso completo, formou-se, mas se apaixonou pela área de coloração. “Fiz o curso completo de cabeleireiro, mas eu acabei seguindo para cor porque me apaixonei por isso. Aí, eu fui ser assistente de uma profissional que era só colorista, então toda a minha influência de trabalho foi voltada para coloração e terapia capilar.”

Daí em diante, Marins começou a fazer vários cursos, inclusive internacionais, para acelerar sua formação. Ele ingressou para um curso da Wella Professional, e lá criou amizade com os educadores e acabou sendo convidado para aulas também, porque viram seu potencial. “Assim que eu acabei o curso, fui contratado pela Wella para atuar no departamento de educação nacional para treinar cabeleireiros dentro dos salões. Eu tive uma experiência de um ano e oito meses lá que foi o maior aprendizado.”

Na sequência, ele trabalhou na plataforma National Trend Vision, da Wella, que é internacional e  estuda as tendências globais de comportamento, política, e tudo o mais, e transforma isso em tendência para cabelo.

A língua foi uma dificuldade, no início, porque ele não falava inglês. Agora estuda francês e inglês. “Mas sempre tive muito a ajuda de colegas. Meu francês é melhor que meu inglês, atualmente, até porque trabalho em Paris. Eu faço aula todos os dias.”

Foto: Divulgação

David Mallet

“Eu já tinha contato como o Mallet desde sempre, porque eu o seguia nas redes sociais, e ele era muito solícito. Eu falei do meu sonho de trabalhar com ele, mas eu não tinha nem visto nem dinheiro para viajar e não falava nem inglês nem francês. Ele disse: “É impossível eu te contratar, você não fala inglês, não fala francês e não tem um visto!”.

Aí, Marins, mais uma vez com seu empenho pessoal, conseguiu um visto temporário, aprendeu um pouco de inglês e francês e, então, recebeu um convite de Malllet para fazer parte do processo seletivo do salão dele, e foi contratado. “Nunca antes havia sido contratado alguém de fora diretamente, eu fui o primeiro, todos os outros foram assistentes antes, e depois de um ou dois anos atuando como trainees eles passavam a ser profissionais”, explica.

Marins teve que passar por uma bateria de testes sobre política, cultura, inglês, francês para ser selecionado para entrar, mas deu tudo certo. Só depois que ele fez teste prático para mostrar seu trabalho. “Eu fui fazer o teste no Soho, em Nova York, onde ele tem um salão. Fiz uma parte da entrevistas lá e a outra parte em Paris. Foram uns dois meses de testes, e no fim de novembro do ano passado ele me deu um feedback positivo e fui contratado em janeiro deste ano. Agora encerrei a primeira temporada no dia 30 de junho, porque meu visto acabou.”

Convidado a voltar a Paris pelo próprio Mallet, Marins aguarda a documentação ficar pronta para viajar. “Estou muito feliz e devo voltar dia 12 de setembro. Lá as férias são de seis em seis meses, então juntei as férias como o processo de visto. Antes de ele dizer que pagaria os custos [do visto e das passagens] eu estava triste, porque eu queria muito voltar, mas deu tudo certo.”

A partir de outubro, se as fronteiras estivem abertas, Marins começa a atender também em Nova York. E em 2021, quando Mallet deve abrir um salão em Milão, o jovem brasileiro terá novo destino para trabalhar.

O David Mallet é um salão grande, tem 35 profissionais e Marins, lá, é o único negro e latino. Ele conta que tem sido uma experiência única e, modesto, afirma estar apenas começando.

No salão de Mallet não há equipe de limpeza, garçons, serviços gerais. Todos, incluindo ele próprio, fazem a limpeza do local. “Isso é muito legal. Ele acredita nisso, e nós também. Ele diz que é uma atitude escravocrata. Nós servimos água, café, preparamos o chá, tudo.”

Foto: Reprodução/Instagra/@amadeu.marins

Brasil

Marins diz que, neste momento, não gostaria de voltar para o Brasil de forma definitiva, pois não se sente fixo de lugar nenhum. “Nesse período em que passei fora, eu pude abrir agenda [de trabalho] em Nova York, Berlim, Amsterdã, Lisboa, Porto, Paris. E percebi que o meu trabalho me dá liberdade de atuar no mundo inteiro.”

Embora não tenha ideia de se fixar no Brasil por ora, Marins tem o sonho de abrir uma academia de treinamento profissional na comunidade onde cresceu [Manguinhos] para ajudar a formar pessoas. E também um ateliê para, posteriormente, empregar esses profissionais. “Eu não quero ser o único menino preto que saiu da favela e chegou a um salão global”, diz.

 

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