Camila Lamoglia, uma das socias da OfficeComm, fez para RG Vogue uma exclusiva entrevista com o produtor do mais polemico filme do ano, “Tropa de Elite”.
Camila Lamoglia – Voce assina a producao e direcao de filmes polemicos, como “Tropa de Elite” e “Estamira” – que conta a historia do lixao carioca – e, inclusive, ja ficou conhecido como o “Robin Wood” brasileiro por retratar o lado mais fraco da sociedade. Voce recebe muitos premios ou convites de ONGS para trabalhos? A sua participacao em filmes polemicos se da a paixao, afinidade ou coincidencia?
Marcos Prado – Realizei como diretor o documentario
“Estamira” e fui produtor do “Tropa de Elite”. Dirigi tambem outros tres documentarios em parceria com Jose Padilha: “Os Madeireiros”, “Os Pantaneiros” e “Jaguar”. Acho o titulo de “Robin Wood” do cinema brasileiro um tanto quanto caricato. Faco meus filmes por idealismo e conviccao, nao por oportunismo. Existem realidades paralelas a serem reveladas. Nao acredito que meus filmes possam mudar o mundo, mas servir como fonte de inspiracao e estudo. “Estamira”, por exemplo, foi visto em todos CAPS do Brasil e analisado em diversas universidades, inclusive a Puc-Rio.
CL – O filme “Tropa de Elite” foi retirado do festival de Sundance pela distribuidora norte-americana Weinstein Company, que detem os direitos do lancamento do filme fora do Brasil. Na sua opiniao, a que se deu a retirada do filme da disputa, visto que o festival e a maior vitrine para filmes estrangeiros?
MP – Na minha opiniao o Sundance nao e a maior, mas uma das melhores vitrines para se lancar um filme. Cannes, Berlim e Karlovy Vary, por exemplo, sao festivais de mais prestigio. Ja participamos do Sundance com os documentarios “Os Carvoeiros” e “Onibus 174”, filmes em que fui produtor. Felizmente, “Tropa de Elite” foi selecionado para a competicao do Festival de Berlim e a Weinstein Company optou por retirar o filme de Sundance, ja que os festivais sao excludentes.
CL – E impossivel falar em “Tropa de Elite” e nao lembrar que o filme foi visto por milhoes de brasileiros antes de seu lancamento oficial. Apesar de nao ser correta, a pirataria, neste caso, fez “o nome” do filme em todo o pais. Qual a reacao da producao? Como voce encara a pirataria?
MP – Ficamos muito frustrados. “Tropa de Elite” foi visto por 11.5 milhoes de piratas antes do lancamento, segundo pesquisa encomendada ao IBOPE. Apesar de termos tido midia espontanea diariamente por dois meses consecutivos, perdemos dinheiro na bilheteria. O publico de cinema ficou muito aquem das nossas expectativas. O filme foi visto em todo Brasil em uma versao preliminar, sem finalizacao tecnica. Felizmente, os culpados foram detidos e indiciados pela policia civil. A pirataria e um problema mundial que deve ser combatido. A pirataria e um problema estrutural da industria cinematografica brasileira que envolve a sonegacao de impostos, a concorrencia desleal e a economia informal. A producao de filmes depende de socios, patrocinadores, co-produtores, distribuidores, exibidores, etc, que se comprometem com a industria e investem capital. A pirataria compromete a continuidade do cinema nacional.
CL – O Brasil esta evoluindo no mercado cinematografico internacional, porem, ate hoje, nossos filmes e diretores nao foram contemplados com nenhum Oscar. O que falta para que os filmes brasileiros sejam reconhecidos no mercado internacional?
MP – Acho que o cinema nacional da retomada ainda esta em fase de amadurecimento. Temos diretores talentosos, tecnicos exemplares, atores excepcionais, infra-estrutura de producao e pos producao. Mas temos poucos bons roteiristas. Se nao investirmos na formacao de novos roteiristas ficaremos a margem do mercado internacional. O “Oscar”, que e a celebracao maior do cinema americano, virou um especie de Everest tupiniquim a ser conquistado. Nao vejo tanta importancia neste premio, alem da oportunidade comercial.
CL – Voce ja trabalhou como fotografo, produtor de cinema, diretor de programas de televisao, entre outras coisas. Hoje, voce se considera um fotografo cineasta ou um cineasta fotografo? De que forma suas carreiras se cruzam e como uma auxilia na outra?
MP – Sempre quis contar historias. Quando desenvolvia ensaios fotograficos documentais nao os fazia por encomenda. Realizei alguns ensaios fotograficos, como “Os Carvoeiros”, “Free Tibet” e “Jardim Gramacho”, por vontade propria. “Os Carvoeiros” e “Jardim Gramacho” viraram livros. Acredito que tudo que voce acumula ao longo dos anos serve para auxiliar na forma e no conteudo narrativo da historia que voce quer contar.
CL – O que o nome Dna. Estamira significa na sua vida?
MP – Meu encontro com Dona Estamira foi raro e precioso. Aprendi muito com ela ao longo dos quatro anos de filmagens no Lixao. Temos hoje uma relacao pessoal de cuidado e respeito. Alem da ajuda financeira que damos a ela todo mes, nos falamos semanalmente como se fossemos da mesma familia.
CL – O que voce pensa sobre essa nova ideia de preparar atores com laboratorios reais? Faze-los encarar as sensacoes de forma pratica, usar droga, passar fome e sede, sentir a realidade do personagem na pele… Acredita nessa forma de preparacao para atuar?
MP – No caso do “Tropa de Elite”, os atores fizeram um laboratorio de duas semanas de treinamento do Bope. Alem de mais tres meses com a preparadora de elenco Fatima Toledo. E um metodo polemico mas funcionou em grandes filmes brasileiros.
CL – Marcos, para fazer o Capitao Nascimento de tropa de elite, o Wagner Moura ja era o nome certo ou aconteceram testes?
MP – O Padilha convidou o Wagner por conviccao meses antes dos testes. Ele era o unico nome certo.
CL – Na America, o produtor do filme e quem comanda toda a “maquina”, o filme esta nas maos dele, diretor, elenco, e tudo mais, sao escolhas do produtor, certo?
No Brasil a historia e um pouquinho diferente. Voce e o produtor de “Tropa de Elite” em conjunto com o Ze Padilha? Como foi esse trabalho?
MP – Eu e Padilha somos socios ha dez anos. Fundamos a Zazen Producoes e sobrevivemos sem jamais termos feito filme de publicidade. Felizmente entramos com o pe direito com o “Tropa de Elite”, nosso primeiro filme de ficcao. Temos uma regra na Zazen: enquanto um se dedica a criacao, o outro segura os pepinos de producao.
CL – Esta envolvido em algum projeto novo? Quais os planos para 2008? Ouvi falar de “drogas sinteticas”… Me conta um pouco.
MP – “Paraisos Artificiais” sera meu primeiro filme de ficcao e pretendo roda-lo no final de 2008. Estou no momento desenvolvendo o primeiro tratamento do roteiro. O foco do filme e no comportamento da juventude, seu idealismo e por que alguns se envolvem com o trafico de drogas sinteticas. Quero mostrar os caminhos trilhados por eles na busca de um lugar no mundo. O pano de fundo sao as festas raves, a musica eletronica, as drogas sinteticas… Estamos tambem negociando a mini-serie do “Tropa de Elite”.
CL – Voce gosta de filmes hollywoodianos? E os filmes europeus, qual a sua ideia sobre eles?
MP – Nao gosto dos epicos nem dos “blockbusters” americanos. Prefiro o cinema europeu. Menos alegorias e mais conteudo. Acho o cinema ingles um dos melhores de mundo.
Ping-pong:
Filme da sua vida: Blade Runner
Diretor: Tarkowisky
Ator: Marlon Brando
Atriz: Natasha Kinski
Uma revelacao (como ator): Andre Ramiro (Tropa de Elite)
Um fotografo: Josef Kouldelka
Uma cena: Ventania no lixao de Gramacho (Estamira)
Trilha sonora: Missouri Sky (Charlie Haden & Pat Metheny)
Livro de cabeceira: Old Path White Clouds (Thich Nhat Hanh)