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Thiago Soares é feito de sonhos – e teima em realizar todos

Por Paola Deodoro

O primeiro-bailarino do The Royal Ballet aproveita toda sua expertise e retorna a suas origens no espetáculo Roots, que estreia hoje no Rio.

“Meu sonho mais audacioso, mais distante na vida era dançar no ‘Vacilou, Dançou’, de Carlota Portella (companhia de jazz famosa nos anos 80, que assinou a icônica coreografia de abertura do “Fantástico”, de 1983)”. A frase, dita por Thiago Soares, que há 10 anos é o primeiro-bailarino de uma das companhias mais importantes do mundo, o The Royal Ballet, de Londres, é praticamente uma aula de auto-ajuda!

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O bailarino brasileiro mais bem-sucedido de todos os tempos, que já deixou muita gente de boca aberta em peças como “Romeu e Julieta’, “Dom Quixote”, “Lago dos Cisnes” e “Quebra-Nozes” nos palcos mais diversos do planeta, quer agora uma volta às raízes. À RG conta que seu projeto mais importante atualmente está no Brasil. Mais especificamente no Rio de Janeiro, em parceria com Hugo Alexandre, coreógrafo que o levou para as salas de ensaio pela primeira vez.

O desafio atual se chama “Roots“, espetáculo com Danilo Dalma, expert em dança urbana, que estreou na última quinta, 14 de julho, no Teatro Oi Rio. “Tenho esse trabalho na minha cabeça há muito tempo. Mas tem sempre alguma coisa que chega na frente. Ano passado comemorei 15 anos de carreira com uma parceria linda com a Deborah Colker no espetáculo batizado de “Paixão”. Mas enquanto eu estava fazendo esse show (que se transformou em DVD) já estava com “Roots” na minha cabeça, já estava procurando trilha, definindo o conceito. Sabia que só poderia fazê-lo quando tivesse tempo disponível para me dedicar integralmente. E tempo livre é o que eu menos tenho na vida”.

E foi assim, entre grandes montagens e turnês do The Royal Ballet, temporadas no Escala, de Milão, no Kirov, na Rússia, e outros projetos que faz questão de se envolver no Brasil que Thiago realiza, agora, mais um sonho. “Isto que está acontecendo agora é muito desafiador. É olhar no espelho do meu passado. Uma brincadeira entre a dança de rua, que é a minha origem, e a alta performance do balé clássico. Foi difícil encontrar “o” artista para dividir isso comigo. Tenho muitos amigos, grandes bailarinos, que fazem parte das minhas raízes. Mas que de alguma maneira já conhecem muito sobre mim. Precisava passar pelo processo de descoberta. Teria que ser alguém novo para mim, para que a gente encontrasse respostas juntos. E o Danilo Dalma é essa pessoa. Um casamento que foi crescendo aos poucos”.

Os ensaios, entre idas e vindas, aconteceram ao longo de seis meses. Além de criar os movimentos, nesses encontros entre Thiago, Hugo e Danilo estava sendo criada uma linguagem nova que pudesse falar sobre esse resgate artístico e de vida de uma maneira orgânica. Segundo ele, o resultado é a mistura de uma arte que se comunica em uma caixa preta, em um teatro lírico, de sapatilhas, com a arte que acontece no asfalto, nas festas, em eventos, usando tênis.

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Para entender um pouco da essência que o bailarino tanto busca, acompanhe um pouco mais do nosso bate-papo.

Dança social, dança cultural

“Os projetos sociais de dança precisam perder essa sensação de desespero de ter que arrancar um resultado profissional de uma criança. É uma questão de cultura, de disciplina, mas não necessariamente uma promessa de futuro. Eu vivi isso. Fui salvo pela cultura aos 12 anos, em um momento difícil da minha família, em que meu pai faliu e nos desestruturamos completamente (tanto financeira quanto emocionalmente). Um projeto de street dance em Vila Izabel, no Rio, mudou meus sentimentos, minhas escolhas, e por acaso eu me tornei profissional. Mas é muito importante que existam instituições que mantenham projetos culturais sem essa pressão toda. Sou patrono do Espaço Cultural da Gamboa, liderado pelo Jorge Teixeira, em um espaço doado pela Vila Olímpica. Lá foram construídos três estúdios equipados para diferentes tipos de aulas, com instrutores superqualificados, tudo em busca do bem-estar dos alunos. Sou muito orgulhoso de fazer parte dessa iniciativa”.

Thiago coreógrafo?

“Não. Não mesmo. Quando eu vou tentar uma coisa nova eu gosto de tomar um tempo, estudar, me aventurar, mergulhar mesmo. Com coreografia eu ainda não me aventurei. Já tive vontade, mas ainda não aconteceu porque eu não teria tempo para me dedicar. Ainda estou muito ativo no Royal – pelo menos pelos próximos 5 anos – e ainda tenho todos esses projetos paralelos acontecendo. Há dois anos me convidaram para fazer uma comissão de frente. Achei que seria uma coisa legal de começar, mas ainda assim não tive tempo. Mas olha, me conhecendo bem, em algum momento eu vou tentar. O desejo eu tenho. Por enquanto eu me realizo como criador de projetos, como o “Roots”, onde eu uno as pessoas certas e faço uma história acontecer. Meio como um produtor. E é claro que tem a parte criativa nos papeis que eu danço. Alguns personagens eu já fiz tantas vezes que eu me dou ao luxo de fazer diferente a cada vez. O príncipe, do “Lago dos Cisnes”, faço há mais de 13 anos. Hoje eu me permito ser um príncipe mais humano, não tão distante. Os papeis vão crescendo na gente, vão mudando ao longo do tempo. Me ocupo com essas coisas por agora. Mas vamos ver”.

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Graus de dificuldade

“O personagem mais difícil fisicamente que eu já dancei é um que eu faço há 10 anos – e que acabei de fazer agora no Japão: o Romeu, de “Romeu e Julieta”, do Mc Millan. É um personagem que teoricamente tem 15 anos de idade, um italiano com toda a energia do mundo e a ingenuidade de alguém que nunca deu o primeiro beijo. Bem… eu tenho 35 anos, já casei, já divorciei, enfim, bem mais experiência… Além de todas as características de interpretação, a coreografia é a mais difícil fisicamente. E eu estou muito contente de ainda fazer esse papel. E performar bem. Estava com essa peça na turnê do Japão, agora, em junho. Dancei e vim direto pro Brasil. Foi a última coisa que eu dancei antes de mergulhar definitivamente no ‘Roots’ “.

Tempo, tempo…

“A vida de um bailarino masculino tem um pico, que é dos 30 aos 35 anos. E eu posso afirmar que é verdade. É o pico de maturidade, concentração, força e, mais importante, de memória física. Isso quer dizer que você já fez aquilo tantas vezes que o seu corpo já registrou, já sabe como agir, e entende o quão ruim e o quão bom pode ser. Você se preocupa menos com a sequência da coreografia e se sente livre focar em outras coisas, criar, interpretar. E também nessa idade você entende a sua função não só no palco, mas na vida. Quando ganhei a medalha de ouro do Bolshoi, em 2001, eu me achava o melhor do mundo – e foi assim que eu ganhei. A minha verdade era aquela, eu acreditava que era o melhor e me lembro dessa sensação. Juro que não era arrogância. Era o que eu genuinamente achava. Mas essa maturidade de entender limites e forças é o que faz o “prime” da carreira de um bailarino. Estou curtindo muito esse momento”.

Outros amores

Gosto muito de artes plásticas, shows de música – moro perto do Ronnie Scotts, em Londres, onde tem grandes shows de jazz, gosto de assistir outros artistas. Mas tenho uma certa relação com atuação. Na dança, os papeis que eu mais me envolvi são personagens com narrativa. IContar histórias faz parte da minha vida. Então, se aparecer uma oportunidade de trabalhar como ator, eu não ia me surpreender se eu aceitasse! Até já fiz algumas coisinhas, umas participações. Gravei um comercial da bebida Baileys (https://www.youtube.com/watch?v=M188DIF3odY) em que tive uma experiência de acting, de câmeras próximas, de roteiro, mesmo tendo a dança como pano de fundo. Ali eu vi que eu gosto de ficar no set, de ficar horas vivendo aquilo, repetindo, fazendo várias vezes. Porque na minha arte eu só tenho uma chance de acertar. Eu posso estar com dor, com febre, e vou ter que fazer acontecer. Gosto muito da ideia de poder fazer, fazer, fazer, repetir, aprimorar, colocar todos os ingredientes em um projeto. Já me convidaram para fazer um filme no Brasil, mas como eu precisava ficar 6 meses a disposição, não foi possível. Também me chamaram para fazer um papel bem legal em “Game of Thrones”, no qual eu seria um lutador, teria muita ação, parecia bem bacana. Mas eu precisaria ficar um bom tempo em Dakota, nos Estados Unidos, e meu diretor não autorizou. Seria muito tempo, em uma época em que não poderia me afastar do Royal. Mas se vier um convite em um momento que eu estiver mais livre, vou aceitar, sim!


Porta-retrato

“Minha foto preferida para ilustrar essa matéria? Uma bem do começo da minha carreira, em que estou saltando de pernas abertas, com a mão na cintura. Essa foi uma foto muito feliz, porque é de um fotógrafo importante para mim, que acompanhou a minha carreira, o Mario Veloso. Essa foto foi feita em um ensaio, muito supergenuíno, em Brasília. Foi exatamente quando eu estava indo embora do Brasil para Londres, para o Royal. Foi meu último espetáculo. Representa o vôo da minha vida. Tipo assim: I’m going! E fui…

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