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Calando para mostrar (sentimento)

Maitê Proença reflete sobre o “colocar para fora” os sentimentos. E como é difícil…

Por Maitê Proença

Reli um artigo que o Contardo Calligaris escreveu em 2008, sobre externar sentimentos. Um trecho me pareceu curioso. E ele ainda indica ao final dois livros de que gostei particularmente. Abaixo:

(…) É uma experiência comum: externamos nossos sentimentos para vivê-los mais intensamente – para encontrar as lágrimas que, sem isso, não jorrariam ou a alegria que talvez, sem isso, fosse menor. Nada contra: sou a favor da intensidade das experiências, mesmo das dolorosas. Mas há dois problemas.

O primeiro é que o entusiasmo com o qual expressamos nossos sentimentos pode simplificá-los. Ao declarar meu amor, por exemplo, esqueço conflitos e nuances. No entusiasmo do “te amo”, deixo de lado complementos incômodos (“Te amo, assim como amo outras e outros” ou “Te amo, aqui, agora, só sob este céu”) e adversativas que atrapalhariam a declaração com o peso do passado ou a urgência de sonhos nos quais o amor que declaro não se enquadra.

O segundo problema é que nossa verborragia amorosa atropela o outro. A complexidade de seus sentimentos se perde na simplificação dos nossos, e sua resposta (“Também te amo”), de repente, não vale mais nada (“Eu disse primeiro”).

Por isso, no fundo, meu ideal de relação amorosa é silencioso, contido, pudico. Para contrabalançar os romances e filmes em que o amor triunfa ao ser dito e redito, como um performativo que inventa e força o sentimento, sugiro dois extraordinários romances breves, de  Alessandro Baricco, o escritor italiano que estará na Festa Literária Internacional de Parati, na próxima semana: “Seda” e “Sem Sangue” (ambos Companhia das Letras).

Nos dois, a intensidade do amor se impõe com uma extrema economia de palavras (“Sem Sangue”)  ou sem palavra nenhuma (“Seda”). Nos dois, o silêncio permite que o amor vingue -apesar de ele não poder ser dito ou talvez por isso mesmo.

No caso de “Seda”: te amo em silêncio porque te encontro ao limite extremo de uma viagem ao fim  do mundo, indissociavelmente ligada a um outro, e nem sei falar tua língua.

Você me ama em silêncio porque sou outro: uma aparição efêmera, uma ave migrante.

No caso de “Sem Sangue”: te amo, e não há como falar disso porque te dei e te tirei a vida. E você me ama pelas mesmas razões pelas quais poderia e deveria querer me matar (os leitores entenderão).

Nos dois romances, a ausência da fala amorosa acaba sendo um presente que os amantes se fazem reciprocamente, uma forma extrema (e frequentemente perdida) de respeito pela complexidade de nossos sentimentos e dos sentimentos do outro que amamos.

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