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Rodrigo Pandolfo fala de legado de Paulo Gustavo e novo personagem em “Verdades Secretas 2”

Ator Rodrigo Pandolfo – Foto de Vinícius Mochizuki, styling de Ale Duprat, produção de moda Kadu Nunnes e direção de estúdio Rodrigo Rodrigues

“É urgente a troca do comando do governo central”. Esta frase segura, firme e direta mostra um pouco da personalidade do ator Rodrigo Pandolfo diante da atual situação do Brasil sob comando de Jair Bolsonaro (sem partido). “Não vejo luz no fim do túnel, do jeito que está. O que eu espero, de verdade, é que a maioria do Brasil esteja acordada e não dormindo”, disse o eterno Juliano, de “Minha Mãe É Uma Peça”, em conversa via FaceTime.

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Diante da morte do ator e humorista Paulo Gustavo, aos 42 anos, com quem teve o prazer de trabalhar, ele acredita que o artista teve uma inteligência ímpar para transmitir uma mensagem de amor para todo o Brasil. “Ele se utilizou de uma forma e uma estratégia muito potente para agregar gregos e troianos e fazer com que todos, sem exceção, tivessem um olhar de amor e de identificação para com a questão gay, dentro do filme. Teve muito mérito disso”, contou, emocionado.

Depois de passar uma temporada morando na praia de Pipa (RN) ao lado de sua mãe, durante a pandemia, trabalhando no quiosque pé na areia da família, o ator de 37 anos está de volta ao eixo Rio-SP para gravar a nova temporada de “Verdades Secretas”. Ele dará vida ao traficante Benji, que se envolve com o herdeiro Bruno, personagem do ator João Vitor Silva.

Para Pandolfo, a relação entre eles é intensa e impossível de ser rotulada. “Não posso te afirmar que ele é gay. Até eu fico com essa dúvida. Acho mais fácil dizer que ele é um cara que se envolve com outro cara. Pode ser fluido. O texto não define com muita clareza sobre isso”, completou, dizendo – também – que não dá para dizer que essa relação é baseada em interesse ou paixão. “É interessante demais essa dubiedade do que sair batendo martelo sobre um dos lados.”

Falando abertamente sobre sua sexualidade, o artista conta que nunca perdeu uma oportunidade como ator, nestes mais de 18 anos de carreira, por ser gay, e ainda diz que se sente cada vez mais respeitado e bem consigo mesmo. “Quanto mais orgânico sou com a minha verdade, com a minha identidade e quando mais a assumo, mais espaço ganho e mais respeito tenho”, disparou.

Leia abaixo na íntegra o papo completo do ator com o Site RG.

Ator Rodrigo Pandolfo – Foto de Vinícius Mochizuki, styling de Ale Duprat, produção de moda Kadu Nunnes e direção de estúdio Rodrigo Rodrigues

RG – Me conta um pouco sobre o Benji, seu personagem em Verdades Secretas 2?

Rodrigo Pandolfo – Ele é um traficante de São Paulo, que circula muito na noite paulistana. É o fornecedor de pessoas que circulam no mundo da moda. Ele é um cara que não é tão rico, que não tem um aporte financeiro que gostaria mas, ao mesmo tempo, ele é muito ambicioso e ganancioso. Tem esse desejo de se dar bem na vida e, na cabeça dele, ainda não deu esse salto. Está neste caminho para isso. É um cara que é bon vivant e que aprendeu a gostar do ofício de traficante. Faz tranquilo, com prazer, mas, ao mesmo tempo, sabe que isso não vai durar para sempre. Sabe dos perigos e dos riscos. Ele se envolve com o Bruno, personagem do ator João Vitor Silva. Não posso te afirmar que ele é gay. Até eu fico com essa dúvida. É fácil rotular: “Se envolve com um cara, ele é gay”. Acho mais fácil dizer que ele é um cara que se envolve com outro cara. Pode ser fluido. O texto não define com muita clareza se ele tem uma relação, puramente, de interesse, com esse menino; ou se, de fato, tem uma relação paixão, amorosa, que pegou o coração dele. É interessante demais essa dubiedade ao invés de bater o martelo sobre um dos lados. Estamos caminhando para o lugar de deixar o público na dúvida mesmo. O Bruno é o herdeiro bilionário de uma grande empresa. No início do caso deles, nem eu sei se o meu personagem sabe de quem Bruno é. Teoricamente, ele vai lá para vender cocaína e, logo de cara, eles têm um match muito forte e rola uma pegação intensa. Foi nossa primeira diária essa cena, nem estávamos esperando fazer uma cena de pós-sexo. O diretor sugeriu e nós fomos na onda. Foi muito legal porque foi bem quente logo de cara. Entendi essa relação como potente ali.

RG – E vocês estão gravando ainda?

Rodrigo Pandolfo – Sim, estamos gravando. Tem sido tudo um pouco mais lento por conta dos protocolos contra a Covid-19, mas acho que faremos até o meio de agosto, acredito eu.

RG – E é tudo no Rio de Janeiro?

Rodrigo Pandolfo – Não, tem coisas em São Paulo. O apartamento do Benji, meu personagem, é em São Paulo, por exemplo. São várias locações porque o roteiro se passa na cidade. O apartamento dele é bem interessante. É um estúdio de fotografia no centro de São Paulo onde só se fotografa pessoas nuas. Na entrada, tem uma plaquinha: “Tire a roupa”. É um prédio antigo, todo creme, mas esse apartamento é todo moderno e todo preto.

RG – Uma coisa que fiquei pensando: como foi a preparação em meio à pandemia para viver um traficante? Teve algum tipo de vivência, conversou com algum traficante ou ex-traficante?

Rodrigo Pandolfo – Na verdade, não consegui ter preparação em campo. Não sei se você soube, mas, em 2020, durante a pandemia, fui morar com a minha mãe no Nordeste. Ela ia com amigas, mas desistiram no meio do caminho e resolvi ir com ela. Entreguei meu apartamento no Rio e fui para Pipa, no Rio Grande do Norte, onde nos instalamos e abrimos um quiosque pé na areia. Começamos na contramão: abrimos à noite, ao invés de durante o dia. Nesta de abrir à noite, acabamos atraindo um público bem jovem e descobri que um dos meninos que fiquei amigo lá era um dos traficantes da região. Quando soube que consegui esse papel, estava lá ainda e troquei essa ideia com ele para pescar um pouco da realidade que vivem. Segui ele nas redes sociais para ver como se comportam. Também consumi muitas obras e personagens  que já existem e frequentam este meio.

Ator Rodrigo Pandolfo – Foto de Vinícius Mochizuki, styling de Ale Duprat, produção de moda Kadu Nunnes e direção de estúdio Rodrigo Rodrigues

RG – E como foi gravar essas cenas quentes com o ator João Vitor Silva? Teve alguma preparação específica para isso? Porque eu estava lendo sobre ele e acho que ele nunca tinha feito cenas picantes com outros homens.

Rodrigo Pandolfo – Ele é muito doce e, comigo, sempre esteve muito disponível. Conversamos muito sobre essa questão, sobre a entrega. Tivemos dois encontros com a direção e preparador de elenco e ele foi absolutamente disponível. Acredito que faltava só a oportunidade e o personagem para ele interpretar porque ele se entregou. O personagem dele já era gay na primeira temporada, mas era menos livre. Agora, estamos na vida gay como ela é mesmo: bateu o olho, pum, se pegou, transou. Ele esteve sempre muito livre comigo, nenhuma questão apareceu. A disponibilidade dele sempre foi enorme.

RG – Me corrija se eu estiver errado, mas seu papel de maior relevância foi o Juliano, o eterno filho da Dona Hermínia. Vivendo de novo mais um personagem homossexual, você acha que o público pode te estigmatizar?

Rodrigo Pandolfo – Eu já tive esse medo e não tenho mais. É um medo que joguei no lixo, para ser preciso. Não estou em início de carreira. Já fiz diversos personagens e meus empregadores conhecem meu trabalho. Já fiz teatro, cinema, televisão para caramba. Estamos em um tempo em que acho que o medo deste tipo de julgamento não atrapalha o artista porque, quando você tem firmeza e segurança, todo mundo compra sua briga. Quando você anda bambeando, o julgamento acontece. É muito uma questão interna, também. Se o ator não está bem resolvido com isso, reflete para o público do lado de fora. Uma coisa está colada na outra. Sou mais místico, neste sentido: a energia como se lida com essa questão, vale muito. O fato de você não ter medo vale muito. Estamos vendo o Brasil, a mente e o coração para a questão da sexualidade, e é curioso porque o inverno não acontece. Ator que faz personagens heterossexuais não é julgado como o heterossexual quando vai fazer um personagem gay. Por que o inverso tem que acontecer? Não dá para isso acontecer. Eu, por exemplo, tenho mais de 15 personagens e não dá para ser julgado, estigmatizado por ter feito dois personagens gays.

RG – Aproveitando que estamos falando sobre o Juliano, agora, infelizmente com a triste morte de Paulo Gustavo, muita gente percebeu que, sim, ele militava pela comunidade LGBTQIAP+ de formas leves, levando uma cena  – como a do casamento do seu personagem – para dentro das casas das pessoas. Como você enxerga isso tudo, tendo feito parte de toda essa narrativa?

Rodrigo Pandolfo – Acho que o Paulo teve uma inteligência ímpar, quando ele se colocou, sobretudo na arte, esta questão do preconceito e da discriminação porque ele sabia o País que a gente vive. Ele sabia que a gente não está em um País livre de preconceitos. Ele se utilizou de uma forma e uma estratégia muito potente para agregar gregos e troianos e fazer com que todos, sem exceção, tivessem um olhar de amor e de identificação para com a questão gay, dentro do filme. Ele teve muito mérito disso. Não à toa, diante de toda a repercussão que o terceiro filme da franquia teve, em nenhum momento, recebi alguma crítica, ou qualquer tipo de preconceito, de absolutamente ninguém. Todos os lados – esquerda, direita, centro, frente, baixo – nada. Nunca. Muito pelo contrário. Toda essa confusão e polêmica em torno desta cena sem beijo aconteceu nos momentos pré-estreia, antes de as pessoas assistirem ao filme. Foram julgamentos precipitados sem, antes, assistir à obra. Nesse caso, tivemos uma redenção de muitas pessoas que criticaram, meteram o verbo e, que depois de assistirem ao filme, entenderam que o beijo não fez tanta diferença. O discurso do Paulo sempre foi muito categórico: a gente está mostrando um casamento, colocando na tela a maior união de cumplicidade e amor. Eu entendo o que o beijo representa hoje, mas o contexto deste filme, ter ou não ter o beijo, não muda o recado. O recado é o amor e a união. Sou muito grato, eternamente grato, ao Paulo por ter me dado a oportunidade de viver na tela do cinema um casamento gay, sendo gay e sabendo que muitas pessoas vão se identificar de uma maneira extraordinária com aquela cena para o resto da vida. Recebi muito retorno da comunidade LGBTQIAP+ com muita gratidão, pessoas extremamente tocadas, agradecendo em como aquela cena em si ajudou a pessoa a lidar melhor com a própria sexualidade e a própria família. Isso me emociona e dá sentido ao meu ofício.

Ator Rodrigo Pandolfo – Foto de Vinícius Mochizuki, styling de Ale Duprat, produção de moda Kadu Nunnes e direção de estúdio Rodrigo Rodrigues

RG – Tenho uma dúvida/curiosidade. Se não quiser responder, tudo bem: você sendo assumidamente gay, já perdeu algum papel na sua carreira por conta da sua sexualidade?

Rodrigo Pandolfo – Não que eu saiba. Nunca aconteceu. E curiosamente, essa questão foi me surpreendendo durante a minha carreira. No começo, quando adolescente, óbvio que essa preocupação veio na mente. Você tem medo de perder vários papéis, sabemos como o Brasil é preconceituoso. Pensei que teria que entrar no modus operandi de macho, hétero para continuar trabalhando. Mas, ao longo da minha carreira, o próprio mercado foi quebrando isso. Fui fazendo papéis heterossexuais, sobretudo na televisão e no cinema. Também fui quebrando essa questão dentro de mim. Não precisei entrar nesta máscara social. Até hoje, quanto mais orgânico sou com a minha verdade, com a minha identidade e quando mais a assumo, mais espaço ganho e mais respeito tenho.

RG – Voltando a falar sobre a pandemia, que esqueci de perguntar para você antes: você escreveu ou idealizou projetos autorais para teatro, podcast, alguma coisa?

Rodrigo Pandolfo – Estou desenvolvendo, na verdade. Ainda nem publiquei o projeto na Biblioteca Nacional e nem posso falar muito sobre ele. Estou desenvolvendo uma série e é um salto enorme para mim porque, eu como ator, nunca tinha pensado em idealizar uma série. Tive uma ideia antes do isolamento e, durante o tempo com a família, falei para eles e embarcaram muito na ideia. Me incentivaram demais. Coloca na roda preconceitos, questões religiosas e que, para mim, são válvulas potentes. Daqui a pouco, vou apresentar para alguém. Ainda estou pensando quem. Estou animado. Também tenho dois espetáculos no teatro que estão parados por conta da pandemia.

RG – E você que é um cara tão ligado ao teatro e à cultura, como enxerga o governo atual, que é totalmente desprovido de ideais que protejam a cultura e a vida das pessoas? 

Rodrigo Pandolfo – Estamos vivendo um momento histórico, não só pela pandemia mas também pelo nosso governo. É óbvio que, quando você me pergunta isso, meu sangue ferve. Sobe uma revolta, sobe uma vontade de chorar, sobe emoção, sobe lágrima no olho, sobe uma vontade de fazer com que todo mundo entenda a gravidade de que é manter o nosso presidente no poder. O Brasil, que é um país subdesenvolvido, já apontava uma desordem imensa; agora, essa desordem se tornou uma calamidade. Eu não vejo luz no fim do túnel, do jeito que está. O que eu espero, de verdade, é que a maioria do Brasil esteja acordada e não dormindo. Espero que dia após dia, a clareza se torne presente no olhar das pessoas porque é muito claro o desmanche, não só na cultura, mas em todos os níveis e esferas, diante de um homem que tem um pensamento separatista, preconceituoso, misógino, empobrecido e com uma profunda ignorância do que é ser ser humano. Neste último ponto é o mais grave, ao meu ver, porque estamos no mundo pela evolução. Buscando essa evolução, sermos pessoas melhores, termos mais tolerância, mais integridade, mais maturidade, curando nossas feridas, tentando olhar para o próximo com mais amor. Tentando viver em sociedade da maneira mais saudável, já que a fórmula social que criamos não é saudável, a partir da visão de onde o capitalismo impera. Quando a gente coloca uma figura como nosso presidente no poder, estamos indo contra a nossa evolução humana. Estamos dando um passo para trás, como nação. Não estamos progredindo. Não há empatia. Não consigo ver preocupação com a sociedade como um todo. Como continuar dessa forma? Acredito que somos todos energia, vibrando com o macro, com a energia do mundo. O comandante desse barco não tem essa mínima sensibilidade para entender que somos seres espirituais e que somos energia, que a nossa palavra tem poder e que estamos em perigo. É urgente a troca do comando como sociedade, como macro. Só vamos evoluir quando nosso comandante tiver essa clareza. É preciso ter essa sabedoria de vida. Tudo feito com calma, sem desespero, e equilíbrio, dando conta dos problemas que existem.

Ator Rodrigo Pandolfo – Foto de Vinícius Mochizuki, styling de Ale Duprat, produção de moda Kadu Nunnes e direção de estúdio Rodrigo Rodrigues

RG – E para a gente terminar em um tema tranquilo, como você tem mantido o corpo?

Rodrigo Pandolfo – A minha autoestima sempre foi muito baixa. É uma questão que comecei a trabalhar e que é tão importante como o ofício que me sustenta porque significa autoamor. Cuidar do seu corpo e da sua mente é autoamor. Se você cuida de você próprio, você vai ser mais feliz. Se você é mais feliz, você vai tratar o próximo melhor. Tratando o próximo melhor, ele vai se sentir bem e tratar o próximo bem também. Ou seja, é uma teia. Para mim, está todo mundo ligado. Quando eu percebi que não estava feliz com meu corpo e com meu excesso de ansiedade, comecei a reverter. Foi um processo conjunto por dentro e por fora. A mudança começou por dentro, pensando quem eu sou e para onde eu quero ir. Neste momento, entendi quão energéticos somos e quão poderosos somos. Somos os donos da nossa vida, da nossa saúde, do nosso corpo, da nossa história. Se temos essa rédia nas mãos, só nos resta sermos o melhor possível. Quando entendi tudo isso, veio junto a espiritualidade, o autoconhecimento para curar minhas feridas. Nisso, me brotou o desejo de cuidar do meu corpo, também. Não tem como não cuidar do corpo, seja na academia ou no ioga. Mente e corpo estão juntos, colados. Quando ficamos tristes, o corpo deprime junto. Está tudo interligado. Descobri no exercício físico uma janela de salvação. Estou me dedicando ao exercício físico e amando. Tem que estar bem com a gente, não tem como. Temos uma deturpação natural da nossa imagem. É uma mão dupla, a malhação vai te ajudando com sua autoimagem. Tudo flui mais: seu poder pessoal, sua confiança para trabalhar. É o seu lugar no mundo.

Ator Rodrigo Pandolfo – Foto de Vinícius Mochizuki, styling de Ale Duprat, produção de moda Kadu Nunnes e direção de estúdio Rodrigo Rodrigues


Créditos

Texto: João Victor Marques @jovimarques
Fotos: Vinícius Mochizuki @viniciusmochizuki
Stylist: Ale Duprat @aledupratoficial
Produção de moda: Kadu Nunnes @kadununnes07
Direção de estúdio: Rodrigo Rodrigues

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