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Ela tem 1,79 cm, é linda, tem 22 anos e vive em Nova York, sonho de muitas meninas. A modelo Ana Barbosa saiu de Uberaba (MG) em 2017, onde nasceu, quando estava prestes a fazer 18 anos. Formada no ensino médio e em um curso de modelos, a jovem partiu para São Paulo a fim de conquistar o mundo, e conseguiu. Determinada que é, Ana não deixa as oportunidades passarem, tampouco permite que eventuais dificuldades a detenham.
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Ainda adolescente, presenciou uma das piores cenas de sua vida. Ela acabara de completar 15 anos quando seu pai matou a mães na frente dela. Hoje ele vive em prisão domiciliar, e ela ainda trabalha seu luto. “Hoje em dia não tenho mais problema nenhum em tocar nesse assunto, apesar que a morte do Paulo Gustavo me fez relembrar bastante, fiquei muito mal com a perda dele, porque minha mãe o amava, nós vimos ao filme [“Minha Mãe É Uma Peça”] três, quatro vezes. Para mim foi difícil porque as duas pessoas que eu via com mais alegria na vida se foram, mas tenho que pegar um aprendizado disso também, porque sem querer eles ensinaram coisas”, diz.
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Mas Ana não se deixa derrubar, vive com o apoio da avó, com quem fala quase que diariamente, e do resto de sua família. Negra, é ativista e acredita que passou da hora de o movimento da causa preta estar forte. “Na verdade nem deveria ser pauta dessa forma, devia ser algo natural, não deveria ter essa luta constante e tudo o mais. Então eu fico feliz por um lado, mas fico triste por outro, pensando assim, mas fico feliz pelas pessoas estarem reagindo.”
Disposta a conquistar um legado negro no mundo da moda, Ana já trabalhou para grandes marcas, como Prada, Dior, Dolce & Gabbana, Givenchy, Loewe, Miu Miu, Tommy Hilfiger e outras. Gostaria de fazer mais campanhas de beauty e quer que seu nome tenha uma voz. Suas referências? Winnie Harlow, Zendaya, Naomi Campbell e Grace Jones.
Leia a seguir íntegra da entrevista feita com a modelo por RG via Zoom.
Onde você está e o que está fazendo?
Eu estou em Nova York, vim começar minha experiência por aqui. Porque no ano passado eu só vim para cá para fazer as semanas de moda, então passei por Nova York, Londres, Milão e Paris. Aí eu fique de voltar em abril, mas como começou a pandemia, eu acabei adiando. Então comecei agora a experiência de ficar morando aqui um tempinho.
Você é natural de Uberaba, como foi sua infância lá?
Nossa, foi ótima, para mim, até agora, foi a melhor parte da minha vida. Porque é uma fase leve, você não está contaminado com os problemas do mundo. Sempre tive todo mundo muito presente comigo. Até os oito anos de idade, eu era a única criança lá de casa, depois nasceu meu irmão.
Quantos irmãos você tem?
Eu tenho só um, ele se chama Luiz Gustavo, mas tenho mais três primos que moram lá com a minha avó. Meu irmão ainda estuda, tem 14 anos, e os meus primos são ainda mais novos que ele.
E sua família continua em Uberaba?
Sim, todos.
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E por que você saiu de Uberaba?
Nossa, senhora, não sei, mas eu sei que foi um momento de loucura na minha vida. No meu último ano da escola eu pensei em juntar dinheiro e ir para São Paulo, porque eu já fazia um curso de modelo, mas na agência-escola em que eu estudava, eles ensinavam o ofício, são que não tinha trabalho. Então pensei em ir para São Paulo, ficar pelo menos 3 meses, e se nada acontecesse eu ia fazer faculdade de administração, curso que sou apaixonada até hoje. Só que em duas semanas já achei uma agência, eu morava em uma república. Aí não deu para eu pegar a temporada do São Paulo Fashion Week. Eles então me pediram para voltar para casa, passar as festas e o Carnaval e voltar em março. Então eu voltei, e fiz Casa de Criadores, depois SPFW, em setembro, e na sequência eu fui para a China, onde fiquei dez meses e construí tudo o que sei.
O que houve com a sua mãe?
Hoje em dia não tenho mais problema nenhum em tocar nesse assunto, apesar que a morte do Paulo Gustavo me fez relembrar bastante, fiquei muito mal com a perda dele, porque minha mãe o amava, nós vimos ao filme três, quatro vezes. Para mim foi difícil porque as duas pessoas que eu via com mais alegria na vida se foram, mas tenho que pegar um aprendizado disso também, porque sem querer eles ensinaram coisas.
Mas voltando à minha mãe, ela morreu assassinada pelo meu pai quando eu tinha 15 anos, e eu vi tudo. Meu irmão não estava em casa, estava na casa de minha avó. Na data, fazia três dias que eu tinha completado 15 anos, meu quarto estava uma bagunça, cheio de presentes e fui arrumar as coisas e acabei dormindo. Eu me lembro só de alguns flashes, eles brigando, mas nada de violência, até que ele jogou um cigarro no rosto dela e saiu para a rua. Depois ele voltou, eu estava deitada em um colchão no chão e o vi passar. Ele entrou no quarto deles e fechou a porta. Depois eu só acordei com a minha mãe gritando no telefone, falando com a minha avó, que ela não aguentava mais, que ela ia chamar a polícia, que não queria mais ficar com ele. Nisso ele saiu do quarto, foi para a cozinha e voltou com uma faca, mas eu nem vi a faca, eu achava que ele tinha dado dois, três socos nela, só que não. Aí, ela deu uns passos em minha direção e caiu dentro do banheiro. Nisso eu juntei as pernas dela, porque ela era uma mulher alta como eu, e tranquei a porta. Então liguei para o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e para polícia. Ele batia na porta pedindo para e abrir, mas eu não abria, e ele dizia “o que eu fiz, minha filha, o que eu fiz?”
Mas eu tive que abrir a porta para poder destrancar o portão para a polícia e o Samu, além de minha avó e tia que estavam vindo. Ele, então entrou no banheiro e em cima dela dizia: olha o que você fez eu fazer com você”, colocou a culpa nela, ainda. Aí a polícia chegou e ele foi preso. Atualmente ele está prisão domiciliar, usando tornozeleira eletrônica.
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E como foi seu processo de superação?
Eu fiz acompanhamento com uma psicóloga durante dois anos. Agora estava fazendo análise com outra, que disse que eu nem passei o luto ainda, que eu o estou vivenciando agora, quando estão vindo vários flashes e caindo a ficha. Porque à época fui à escola, escola, escola, depois ja tomei a decisão de ser modelo, viajei, trabalhei, foi acontecendo um fato em cima do outro e tal. E meio que não tive tempo para parar e pensar no que havia acontecido.
Quantos anos sua mãe tinha quando morreu?
32 anos. Muito novinha.
Me fala da sua trajetória, você sempre quis ser modelo?
Comecei com esse sonho com uns 14 anos, porém desde os meus 10 as pessoas já diziam que eu tinha que ser modelo ou jogadora de vôlei ou basquete, por conta da minha altura (1,79 cm). Aí, depois da agência-escola de modelo, que fiz por dois anos, eu já fui procurar figuração, fiz uma em “Verdades Secretas”, da Rede Globo, e foi indo. Então fui me apaixonando por isso, queria tentar, se não desse certo ia ser gerente de loja, mas deu.
Você imaginava que ia morar em outros países?
Jamais! Nossa, nunca. Para mim o SPFW era o ápice, achei que fosse a meta de todo mundo no Brasil. Aí, quando vi, estava indo para a China.
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E sua avó, como ficou com isso?
Muito alegre, orgulhosa. Morre de saudades, ela quer que eu ligue para ela a todo momento. Quando não ligo, à noite ela manda uma mensagem dizendo: “eu entendo que o seu dia foi corrido, mas amanhã a gente se fala”(risos).
E como anda sua carreira atualmente?
Está boa, mas neste último ano aconteceram muitas coisas que não estavam nos planos e retardaram o andamentos das coisas.
Por exemplo?
Eu estava meio que presa no Brasil desde novembro, porque nenhum país estava aceitando a entrada de brasileiros. Fazia três anos que eu não passava o aniversário do meu irmão com ele, em 21 de fevereiro, quando as semanas de moda estão pegando fogo. E neste ano não aconteceu a moda, foi muito inusitado isso. Tanto que eu comecei a tirar minha carteira de motorista, aí logo que comecei a mexer com isso, aconteceu um job no México, em março. Fiquei uma semana em uma praia fazendo o trabalho, que deve ser publicado em junho, da Dior. Nisso perdi meu voo para o Brasil e pensei, vou ficar na Cidade do México, não vou voltar. E de lá vim para Nova York.
Você prefere fotografar ou passarela?
Hummm, nossa, é difícil, gosto dos dois, mas acho que prefiro passarela.
E para quais marcas você já trabalhou?
Prada, Dior, Dolce & Gabbana, Givenchy, Loewe, Miu Miu, Tommy Hilfiger, teve muitas.
Quais são as principais influências na sua carreira?
Winnie Harlow, Naomi Campbell, Zendaya.
E a Gisele Bündchen?
Ah, eu penso que ela é um ícone, mas não um ícone para mim, porque ela é loira e tudo o mais, então não me representa, não me vejo nela. Imagina as pessoas olhando para ela e falando, “Ana Barbosa, hein”, (risos). Mas se olhar para a Grace Jones, que foi uma inspiração minha no começo, sim. Sobretudo. porque no começo da minha carreira eu usava o meu cabelo quadrado, como o dela.
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E como você vê a causa preta hoje, que ganha tanta força?
Vejo de maneira ótima. Passou da hora de isso estar acontecendo. Na verdade nem deveria ser pauta dessa forma, devia ser algo natural, não deveria ter essa luta constante e tudo o mais. Então eu fico feliz por um lado, mas fico triste por outro, pensando assim, mas fico feliz pelas pessoas estarem reagindo. Muita meninas vêm até mim dizendo que sou uma inspiração para elas, de continuar no sonho delas também. E eu sinto isso também, é uma coisa real, já aconteceu em um desfile de eu ser a única ou a segunda negra da linha, mas eu vejo como uma forma positiva, porque serei mais lembrada que as outras, sendo a única. Então eu trago toda a força para eles não se lembrarem só de mim, mas de toda uma nação.
Você sente que ainda há preconceito na moda?
Eu sinto que existe preconceito, sim, mas as pessoas disfarçam bastante. A pessoa que é negra já está acostumada desde que ela nasceu a reconhecer o olhar afetuoso e o fake afeituoso. Então a gente já chega com a “arma”, andando em ovos, praticamente. Tem que ir chegando, conhecendo, pegando confiança. É preciso chegar com uma autoestima redobrada na hora de fazer um casting, por que, às vezes, o cliente vai te colocar no chão.
E de que maneira eles te colocam no chão?
Às vezes, é a forma de falar, dar mais atenção a outras pessoas, ou não falar com você da mesma forma. Fica te deixando por último. Tira uma foto rápida sua e vai embora. Na China, eles falavam entre eles achando que a gente não ia entender, eles pegavam os cards e já diziam essa daqui não, porque é preta, nem conversavam, só tiravam a foto do meio das eleitas. Nisso o booker virava para a gente dizia: “você e você podem voltar para van”. A gente sabia na hora que era por isso.
E você sentiu muito preconceito na China?
Era das duas, uma, ou eles amavam ou não queriam. Tiravam várias fotos no metrô, onde tem mais paparazzi, mas havia outros que chegavam a sair de perto.
E qual é sua marca favorita?
A Dior, faço muitos trabalhos com eles. E a Maria Grazia [que é a estilista do feminino], ela é feminista, tanto que os desfiles dela são em torno do feminismo.
E você, é feminista?
Eu ainda fico em cima do muro, não abraço nenhuma causa, mas estou aprendendo, e aprendo muito com a Maria Grazia.
E sobre igualdade de gênero, o que você pensa?
Eu sou tão a favor quanto pela causa preta. Até estava assistindo a um filme outro dia que mostrava a luta das trans, de elas poderem ir ao banheiro feminino, sou super a favor. Como uma mulher vai entrar no banheiro dos homens? Isso é o cúmulo, eu fico triste.
Você namora?
Sim, namoro uma fotógrafa.
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E como você cuida de sua beleza?
O mais natural possível, água, odeio maquiagem, só passo uma base da marca da Rihanna, que deu super certo para mim, isso quando tenho que sair maquiada, mas na maioria das vezes a minha pele responde muito bem e não preciso de nada. Só penteio a sobrancelha, passo um gloss. Eu aprendi muito isso com a moda também, que menos é mais. Agora, é impossível você me ver sem brinco.
E do corpo, como você trata?
Eu malho bastante. Faço ioga, pilates, cardio, treinamento funcional, que foi o que mais me trouxe resultados e pelo qual me apaixonei. No início você quase morre, mas depois se apaixona, porque ele emagrece e tonifica ao mesmo tempo. Eu tinha muita dificuldade em perder medidas no quadril, era meu maior empecilho, mas deu resultado.
Você é muito jovem ainda, quais são suas expectativas com a carreira?
Eu quero deixar um legado, chegar a lugares jamais alcançados, que poucas mulheres negras habitaram. Como estar em várias campanhas de beauty, mais campanhas de grife, capas de revistas. Estar em lugares importantes mesmo. Mas eu não penso em ser superfamosa, quero só de fato deixar uma história na minha trajetória para ter voz.
Como você lida com as redes sociais?
Depende, às vezes estou na vibe bloguerinha que sai mostrando tudo, outras vezes, fico mais na minha. Não preciso ficar mostrando planta por planta que tem em Nova York, por exemplo. Mas eu sei que as pessoas esperam isso, que eu poste, então sou ativa, embora seja muito cuidadosa.