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Rodrigo Simas é Hamlet em peça subversiva com questionamentos sobre sexualidade

Rodrigo Simas caracterizado para a peça “Prazer, Hamlet” – Foto: Divulgação

“A vida imita a arte e a arte imita a vida”. É assim que Rodrigo Simas descreve o processo que passou ao ensaiar seu primeiro monólogo, “Prazer, Hamlet”, em cartaz em São Paulo, no Teatro Itália Bandeirantes, até 6 de novembro. Trata-se de uma adaptação da peça de Shakespeare, com texto original de Ciro Barcelos.

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No início da peça, o ator pede para que apaguem as luzes. No escuro, se dirige diretamente ao público, pedindo para que fechem os olhos por um momento. Nos próximos instantes, protagonizará uma jornada psicológica profunda, cheia de dúvidas, temores e questionamentos. E por vezes caótica, como costuma ser toda busca por autoconhecimento.

O espetáculo é metalinguístico. Traz um ator se preparando para interpretar Hamlet e enfrentando várias questões existenciais, que foi também o processo vivido pelo próprio Rodrigo Simas antes de subir ao palco para seu primeiro monólogo.

“Eu tive muitas crises, muitos questionamentos mesmo, se eu deveria ter aceitado, por que eu estava me desafiando dessa forma”, conta. “Eu me dei conta que coisas que eu lia no texto eu falava: ‘Eu estou vivendo isso’. Eu realmente estava vivendo o processo que eu vivo dentro da peça.”

A palavra autossuperação pode ser usada para definir todas as etapas desse processo, até mesmo antes de aceitar o convite para viver as sete personagens que a peça traz. “Eu tinha uma ideia de achar que era me dar muita importância fazer um monólogo. Mas recebendo esse convite, eu vejo que é o contrário. É ter muita coragem. Foi com muita coragem e com muito medo”, explica.

Simas vive sete personagens no espetáculo dirigido por Ciro Barcelos – Foto: Divulgação

Outro papel que ele incorpora é de um Hamlet que questiona sua própria sexualidade. Nesse sentido, a peça traz um elemento jamais abordado nas inúmeras montagens da peça. Quem o príncipe amou afinal? Ofélia ou Horácio? Nessa altura, a peça trabalha com a questão na nudez na arte, já que Simas fica apenas com um cinto de castidade. “É uma metáfora do diretor, de conseguir sair da caixa de Hamlet, de todos os questionamentos dele, de todo questionamento de prazer. É zero gratuito”, explica o ator.

Mais do que respostas sobre a trama, o espetáculo convida cada um a se despir de julgamentos e embarcar em uma jornada de enfrentamento dos próprios medos. Sair do teatro um pouco mais corajoso do que entrou.

Em entrevista ao RG, Simas explica os desafios que teve que superar para viver o maior desafio de sua carreira, conta quais serão seus próximos passos com 30 anos e avalia o momento atual do Brasil. “ Eu choro de raiva às vezes”, diz. Leia a conversa completa abaixo:

RG – Como surgiu o convite para a peça? Você já tinha familiaridade com a história de Hamlet?

Meus pais conhecem o Ciro Barcelos, diretor e autor da peça. Ele foi jurado técnico da primeira Dança dos Famosos que eu fiz (2012) e desde lá a gente ficou com vontade de trabalhar juntos. E acabou que ele trabalhou com o Bruno, meu irmão mais velho.

Essa peça veio como um convite dele. Eu estava viajando com a Ágatha [Moreira, sua namorada], estava na Espanha de férias, e recebi um áudio dele me convidando para fazer esse monólogo e na hora meu coração já disparou. Por si só, ser um monólogo já é um desafio. Ser Shakespeare é um desafio duplamente. Eu estava com um trabalho agendado que eu ia começar a preparação no final de julho e acabou que esse trabalho foi adiado e tudo encaixou. Foi um convite na hora certa, no momento certo, tudo tem que acontecer quando tem que acontecer.

RG – Como você está se sentindo em relação a ser seu primeiro monólogo?

Quando ele falou que era um monólogo, para mim era uma coisa muito distante do que eu faria por agora. Eu tinha vontade de me desafiar algum dia, mas achava que seria mais para frente. Eu tinha uma ideia de achar que era me dar muita importância fazer um monólogo. Mas recebendo esse convite eu vejo que é o contrário. É ter muita coragem. Foi com muita coragem, com muito medo, eu aceitei e não me arrependo nenhum pouco.

Foi diferente durante o processo, eu tive muitas crises, muitos questionamentos mesmo, se eu deveria ter aceitado, por que eu estava me desafiando dessa forma. Mas acho que o processo é feito disso, de altos e baixos, e estou muito feliz de estar podendo me desafiar, brincar, me botar em exercício, em prática, em cima do palco, em um texto tão questionador que o Ciro traz. Que na verdade é um texto adaptado do clássico da obra de Shakespeare, mas também tem inspiração no conto nórdico “Amleth”, que inspirou Shakespeare.

RG – Quando você comunicou há alguns meses o fim do seu contrato fixo com a Globo, você escreveu na publicação que era um momento de se entender como artista. Você diria que esse monólogo é um passo nessa direção?

Quando eu falo que as coisas vêm acontecendo quando têm que acontecer é porque eu acho que eu emanei isso também. Eu lembro que saí de um workshop de teatro gestual e falei para a Ágatha: “Estou sentindo uma necessidade, precisando voltar para o teatro”. Eu acho que é isso. Acho que preciso me reconectar com o lugar da arte que não é que eu não esteja fazendo na televisão ou no cinema. É que é um lugar mais vivo talvez, sabe? Eu não sei se era só o teatro ou também algum personagem que me atravessasse com potência. Quando eu recebi esse convite, na hora a Ágatha me olhou e disse: “Você emanou, você pediu”.

E na verdade essa peça eu acho que é um primeiro passo muito potente dessa minha busca. É uma peça que me desafia em vários lugares, eu faço sete personagens, estar sozinho no palco, viver essa solidão, solitude, comparando isso com a minha vida pessoal também. Eu me responsabilizo muito pelo outro, fico muito preocupado, isso consome muito. De repente a vida me dá um monólogo para eu olhar para mim, entender o que eu quero, para onde eu vou. Então esse espetáculo me traz muito isso e eu tenho certeza que é só um começo. A gente faz uma temporada de um mês agora, mas eu tenho certeza que vai ter vida longa, e ano que vem a gente já está organizando para ter outras pautas e outras temporadas.

RG – Hamlet tem personagens com uma profundidade, uma complexidade psíquica. Como trazer isso, como você foi atravessado como você colocou?

A gente coloca Shakespeare num pedestal – estou falando de mim, mas algumas outras pessoas também. Quando você é mais novo, lê Shakespeare e já não entende, fica tenso, acha que é muito difícil. E relendo “Hamlet” já depois de saber que ia fazer esse monólogo, ele veio de outra forma. Acho que com o amadurecimento, com o passar dos anos, com as interpretações que a gente vai tendo da vida, isso tira Shakespeare de pedestal e percebe que ele escrevia para as pessoas entenderem. Não é à toa que tem vários clássicos. Está sendo muito gostoso para mim, no sentido de conseguir destrinchar todas as características de Hamlet tão humanas.

RG – E além dos desafios, qual você diria que é o ponto alto, o que de bom está tirando dessa experiência?

Acho que engloba tudo. Desde o momento em que eu aceitei, tomar essa decisão de enfrentar esse desafio, estar no ensaio de ter crises e querer desistir, desse lugar de solidão de estar na coxia sozinho fisicamente, de saber que sou eu comigo mesmo, acho que todos esses desafios só estão me agregando como pessoa e como artista. E agora estar em cartaz em São Paulo também, é uma cidade que respira arte, as pessoas vão ao teatro para ser questionadas, para serem atravessadas pela arte, então é um desafio e ao mesmo tempo um privilégio.

RG – Você quis desistir? Teve um momento que você falou: “Não dá mais”?

Teve. Eu tive um sonho em que eu perguntava para a produção quanto eles tinham investido ou qual era o valor porque eu queria quitar isso e sair correndo. Mas eu acho que isso tudo faz parte. Eu acho que a arte imita a vida e a vida imita a arte. Nesse texto original do Ciro, um ator  está se preparando para viver Hamlet no dia seguinte no teatro. Eu me dei conta que coisas que eu lia no texto eu falava: “Eu estou vivendo isso”. Eu realmente estava vivendo o processo que eu vivo dentro da peça.

RG – É o ser ou não ser de Hamlet, né? Quando você fala continuo ou não, vou ou não vou?

Exatamente.

RG – E tem alguma coisa que você enxerga, agora que está do outro lado do processo, que você fala: “Foi por isso o meu nervosismo”?

Acho que meu maior desafio era ser um monólogo, saber se eu ia dar conta. Eu tinha muito receio, muita preocupação. Mas ao mesmo tempo refleti que para quem eu mais estou fazendo essa peça é para mim mesmo. Independentemente do que as pessoas vão achar, como vai atravessar as pessoas, se elas vão gostar ou não, eu acho que meu maior ensinamento é que arte é imoral, ela não precisa ter essa moralidade de mostrar para os outros porque e ser correto. Em cima do palco, eu acho que pode tudo. Então acho que esse ensinamento já foi muito potente para mim.

RG – Engraçado você ter usado a palavra moralidade porque queria perguntar justamente sobre a nudez na arte, que é um dos elementos da peça. Como você lida com isso?

Nessa peça, é zero gratuito. É uma metáfora mesmo do autor, do diretor, de usar isso como um despir, conseguir sair da caixa de Hamlet, de todos os questionamentos dele, de todo questionamento de prazer dele também, em todos os sentidos. Faz todo o sentido, é zero: “Estou aqui pelado para mostrar meu corpo para vocês”. É zero isso. É muito mais poético e usado no lugar de metáfora.

RG – Um despir de se colocar vulnerável, né? E aí você materializa isso.

E eu acho que a vulnerabilidade é um ponto muito grande, antigo nesse lugar de Hamlet, e muito atual, com a internet. Hoje você se mostrar vulnerável é você estar exposto, nesse sentido, você pode estar de roupa mas completamente exposto. Eu vejo essa exposição não corporal, não material. Eu estar num monólogo estou muito exposto, fazendo uma cena sem roupa ou não, estando completamente tampado, é botar em prática a minha vulnerabilidade ali como artista e como pessoa.

RG – Como você lida com essa exposição, inclusive das redes sociais?

Eu acho que encontrei um equilíbrio. Hoje em dia não vivo a internet integralmente, mas ao mesmo tempo eu trabalho com internet e compartilho coisas da minha vida, mas ela não me domina nesse lugar de precisar mostrar tudo que estou fazendo. Na verdade, isso me dá muita angústia. Acho que o ser humano, principalmente o brasileiro, a gente é muito carente. As pessoas começam a fazer sucesso a partir do momento que estão se mostrando, abrindo a porta de casa, mostrando o quarto, a intimidade. E o público acaba consumindo muito porque a internet é uma globalização que a gente tem muitas informações o tempo inteiro e a gente não se aprofunda em quase nada. Isso causa muita ansiedade porque são informações na maioria das vezes desnecessárias que a gente vai recebendo e tem uma hora que tem um burnout.

RG – Pensando nessas outras formas não físicas de expor vulnerabilidade, tem algum outro quesito na vida que você tem dificuldade de se mostrar vulnerabilidade? É uma coisa que você reserva para o palco?

Eu acho que sou um homem sensível, não sou um homem que não conversa sobre os sentimentos. Meus amigos, minha namorada, minha família, todos sabem desse lugar de me pôr em vulnerabilidade, na terapia, de conseguir quebrar esse padrão machista que a gente tem de homens não falarem sobre suas questões e isso acho que tem muita consequência negativa. Acho que não só eu, a maioria das pessoas espero eu que esteja olhando para isso e se deixando vulnerável porque se não deixar a gente explode. A gente precisa botar para fora e falar sobre questões, sentimentos.

RG – Como você vê o momento atual do Brasil nesse sentido?

Fico muito angustiado e triste de ver essa pessoa no comando do nosso país, no poder, e influenciando tantos outros, não é a toa que tivemos um primeiro turno acirrado que não só de homens mas mulheres também que pensam muito diferente do que a gente está conversando  e reproduzem padrões engessados de uma sociedade patriarcal que dá muita agonia. É desesperador. E temos que tentar transformar isso, com muito amor, sensibilidade, olhando para o lado, para o povo. Eu choro de raiva às vezes, quando começo a ver umas coisas, me dá uma angústia, um desespero, é muito forte, desesperador, não tem outra palavra.

RG – E pensando nos seus próximos projetos, você se vê fazendo mais teatro?

Pretendo já deixar marcadas outras temporadas de “Prazer Hamlet” para o ano que vem e fazer muito mais teatro. Não tenho dúvidas que esse é um caminho que quero muito. Tenho um filme para rodar “Viva a Vida” que é uma comédia romântica, que a gente vai rodar fora do país. Logo depois dessa temporada [de “Prazer, Hamlet”] já emendo nesse trabalho. Ano que vem tem estreia de “As Aventuras de José e Durval”, que eu e meu irmão fizemos a vida de Chitãozinho e Xororó, que eu estou muito animado, é uma série de oito episódios, que deve estrear no início do ano que vem. Pretendo olhar mais para mim nesse lugar artístico e entender o que essa temporada vai me dar como pessoa e como artista com essa resposta do público e vontade de estar cada vez mais em cima do palco.

RG – Agora já faz mais de uma década que você está nessa carreira, imagino que devem vir questionamentos como para quem estou fazendo isso, por que? Qual você enxerga nesse momento que é sua missão com sua arte?

Eu não sei se sei te responder essa pergunta, mas sei que estou cada vez mais me encontrando comigo mesmo, acho que o amadurecimento traz muito isso, e não tem como a gente fazer pelos outros olhar para fora sem estar bem com você mesmo. Acho que a arte em si proporciona muitas sensações, muita imaginação e isso agrega muito para o ser humano. Então estar no palco nesse momento minha missão é de resistência num lugar de amor, de arte, de sensibilidade comigo mesmo e com o próximo também. Acho que é o momento que a gente tem que se unir e emanar coisas positivas. Não é fácil, no nosso dia a dia a gente acaba sendo atravessado por muitas questões, acho que a gente tem que se juntar para tentar emanar o melhor para o nosso futuro.

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