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Silva faz ode ao passado e ao futuro pós-pandêmico em álbum “Cinco”: “Vibra sentimentos bons”

Cantor Silva – Foto: Divulgação/João Arraes

Se você der play em “Cinco”, o novo álbum do cantor Silva que chegou em todas as plataformas digitais nesta quinta-feira (10.12), é preciso saber que, logo de cara, você será agraciado com um mix de ritmos instrumentais, que vão do sopro de um trompete, aos dedilhos em um piano e o gemido de uma cuíca.

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Chegando ao décimo álbum de sua carreira, o músico nascido em Vitória, no Espírito Santo, aposta em um álbum de inéditas que faz ode direta ao passado memorável pré-pandemia e ao futuro tão desejado e sonhado pós-coronavírus, no qual a leveza e a liberdade da alma são celebradas por meio de canções de amor recheadas de deboches e gracejos.

“A música que finaliza o disco, que é um samba, assim como todas as outras, é sobre isso: algo que queremos viver, dias melhores. Vibra sentimentos bons, coisas que gosto, momentos que queremos viver”, contou em papo tímido e exclusivo ao RG, dias antes do projeto chegar ao mundo.

Além de inovar nas parcerias, que traz Anitta, João Donato e Criolo em um encaixe muito sofisticado à obra, Silva optou por usar deste ano, no qual tudo foi muito louco e diferente, para ousar na forma de gravar: o capixaba escolheu fazer de forma analógica, sem apoio de bases e truques digitais, gravando todas os arranjos instrumentais em estúdio à moda antiga. “Envelhece melhor, beirando o clássico”, ele acredita.

Toda essa forma humana e orgânica de produzir o projeto aproxima o conjunto homogêneo, uniforme e bem característico do artista à seus ouvintes, uma vez que tudo se torna mais humano. “Quando eu trouxe a realidade para o disco, ele ficou mais pessoal. Tirou ele deste lugar contemplativo e veio para um lugar mais tangível. Acho que isso acabou deixando o trabalho mais pele e osso, ser humano”, completou.

O dono do “Bloco do Silva”, que tem se sagrado como um das datas festivais mais esperadas do Carnaval, chega ao “Cinco” se mostrando um cantor cada vez mais completo, ousando nas modulações de voz, e encontrando locais ainda não explorados por ele. Para o artista isto é motivo de felicidade. “Penso que a voz é algo muito único: só você tem a sua voz, só eu tenho a minha. É uma assinatura que temos, quase que uma digital”, finalizou, sorrindo.

Veja o papo na íntegra com o cantor Silva e ouça o novo “Cinco”.

RG – Você já tem 10 álbuns, sendo 5 deles autorais (o último lançado ontem, o “Cinco”). Antes da gente falar sobre ele, eu queria saber como o Silva chegou até aqui? Pessoal e musicalmente falando.

Silva – Eu sou de família de músicos. A minha mãe é professora de música até hoje, ela já poderia se aposentar mas não quer. Tive essa formação musical bem formal. Sempre gostei de música popular. A gente morava em um bairro aqui em Vitória que fica perto de uma escola de samba, crescemos em um bairro que tinha muita movimentação cultura, sabe? Eu ia ser música de algum jeito. Me formei em violino clássico, fui morar fora, voltei. Quando fui morar fora, eu tinha uns 20 anos e foi quando eu comecei a compôr, saíram as primeiras letras. Quando voltei, comecei a compôr músicas que me interessavam de fato e escolhi usar meu sobrenome que é Silva, e botei minhas músicas no Soundcloud, isso em 2011. De lá para cá, as coisas começaram a acontecer. Nunca mais tirei férias. Em 2012, entrei em gravadora e já era, né? Saiu disco, saiu tudo. Quis brincar e desci para o play [risos].

RG – Eu li no material de imprensa do “Cinco” que ele foi todo feito de forma analógica. Esse termo se refere a que? A suas opções de gravação no estúdio? Fiquei curioso.

Silva – A gente vive em um mundo quase que completamente digital. Neste disco novo, as baterias foram gravadas de verdade, não usei bases prontas, nada de computador. Ele é todo feito no estúdio: baixo, bateria, guitarra, cordas, voz. Tem sintetizadores, mas os de verdade mesmo, que é um luxo. Eu sempre quis fazer desta forma, mas nunca pude. São brincadeiras mais financeiramente inviáveis. Mas, neste momento de pandemia e por conta da desvalorização disso que te falei, estas coisas tiveram de ficar um pouco mais acessíveis porque senão os caras não iriam trabalhar. Tinha esse som na cabeça, desde que eu comecei a ser artista. Gosto muito deste tipo de música porque acredito que elas envelhecem bem, sabe? Vai mais perto do clássico.

RG – O disco, então, foi todo gravado durante a pandemia? E você sentiu dificuldades por conta disso ou foi uma facilidade por você estar pessoalmente mais tocado?

Silva – Sim, foi todo feito durante a pandemia. Acho que teve um pouquinho das duas coisas. A parte do estúdio foi difícil porque eu tinha a ideia mais ousada ainda, que era de gravarmos os instrumentais todos juntos, dentro do estúdio. Bateria, baixo e guitarra juntos, só os vocais separados para não “sujar” tanto. Criar estas bases em grupo mesmo e nem precisaria editar depois. Ficaria uma tocada mais natural. E não deu para fazer isso porque tínhamos de ter o mínimo de pessoas possíveis no estúdio: eu era, um cara que operava a mesa de som e o músico. Ficamos fazendo um por vez. Um mês e meio só gravando com cada músico. Ao mesmo tempo, isso salvou a minha cabeça na pandemia, no meio de só notícias ruins. Lembro que chegava do estúdio, tarde da noite já, ligava um jornal daqueles mais tardes assim, com o resumão do dia e pensava: “Por que fui ligar essa televisão?”. Então, foi difícil por todos os desafios de se gravar no meio de uma pandemia, de ter que mudar um pouco as ideias, mas foi terapêutico e um privilégio de não pirar, ficar bem da cabeça e me dedicar a este disco.

Cantor Silva – Foto: Divulgação/João Arraes

RG – Faz total sentido, Silva. Eu queria compartilhar com você uma sensação que tive ao ouvir o seu álbum pela segunda vez, de uma tacada só: eu senti como se eu estivesse sentado em um banco de madeira no canto do estúdio vendo vocês gravarem. Esse viés analógico, talvez, traga o seu ouvinte mais para perto da sua obra. Você não acha?

Silva – Que lindo isso, obrigado. Eu estou amando isso porque você foi uma das primeiras pessoas a ouvirem o disco todo de uma vez, e foi super cuidadoso em perceber isso. Dessa vez eu não mandei para amigos, segurei mesmo. É legal ouvir essas impressões. O disco traz algumas coisas nas letras e nos temas que eu sempre gostei e gosto de cantar músicas de amor, só que eu sempre pintei um quadro quando eu ia fazer meus discos passados. Tudo muito bonito, pacificado, mas este tem uns desaforos, uns deboches que eu não trazia por medo de ficar brega ou “enjoado”. Acho que, quando eu trouxe a realidade para o disco, ele ficou mais pessoal. Tirou ele deste lugar contemplativo e trouxe para um lugar mais tangível. Acho que isso acabou deixando o trabalho mais pele e osso, ser humano. Acho que se aproxima, a linguagem foi certa. Coloquei a roupa certa na composição.

RG – Ótimo que você falou sobre essa questão das experiências pessoais, porque o “Cinco” é um ensaio sobre o amor, sobre como sentir, sobre como amar é bom. Ele é autobiográfico?

Silva – Ele é bem autobiográfico, mas escrevemos a quatro mãos. Tudo que eu faço, faço com meu irmão, o Lucas. Ele é meu empresário, cuida de toda a parte chata (que eu sou péssimo, sou zero bussiness). Mas também é um ótimo compositor também. Tem coisas que são histórias dele, e tem coisas que são histórias minhas. Só que como somos amigos desde criança, vivemos tudo junto. Quando canto alguma história dele, sei muito bem o que se passou ali. Canto com propriedade por ter vivido com ele e vice-versa, ele viveu tudo comigo também.

RG – Falamos de amor, de romance, de sentimento. Essa é a sua principal e maior fonte de inspiração para fazer música?

Silva – Acho que sim. Gosto muito. Gosto de imaginar situações em que aquela música pode ser tocada, sabe? Hoje, já com um pouquinho mais de estrada e experiência de show, tem coisas que eu imagino tocando em tal festival, em show não sei onde. Gosto de imaginar essas coisas principalmente quando vou fazer arranjos e criar a parte instrumental.

RG – Vamos, agora, falar um pouco sobre as colaborações deste álbum. A letra de sua faixa com Anitta fala que “facinho é bom, que se deve deixar viver”. Pegando isso de gancho, como é que você se permite viver para depois transformar tudo isso em música?

Silva – Nossa, boa pergunta…Talvez eu não saiba responder [risos]. Eu tenho uma coisa que, eu não sou um cara de muitos amigos. Não que eu não seja sociável, eu sou bastante até: adoro uma festa, gosto de conhecer gente nova, não sou bicho do mato, mas as relações me inspiram muito. Por isso, eu tenho um grande cuidado com quem eu ando: com meus amigos, com quem eu namoro, fico mais tempo. Eu acabo sendo muito influenciável, eu me envolvo real. As pessoas que eu gosto, eu gosto muito. Sou canceriano, eu me envolvo demais. Com maturidade, fui percebendo para quem eu entrego meus sentimentos, digo isso até para amigos, não só relações amorosas. Então, isso me inspira muito.

RG – É a segunda vez que você grava com a Anitta, né? Vocês já fizeram “Fica Tudo Bem”. Como é que foi essa volta?

Silva – Gosto muito de Anitta porque eu acho ela muito trabalhadora, não para nunca. Não conheço ninguém até hoje como ela. Também por ela estar no auge da idade, acho ela muito impressionante, muito inteligente. Com ela, eu mandei a música e falei: ‘Ei, patroa, vamos fazer mais um hit?’ e mandei a música e ela adorou. Calhou que foi bem quando ela montou o estúdio dentro da própria casa, justamente para estes tipos de vozes. Cinco dias depois, ela já me mandou a parte dela super bem gravada. Fiquei super feliz porque é um “feat repetido” muito rápido, porque não costuma rolar tão perto, mas fiquei feliz demais que ela topou. Ela gostou muito da música. É uma música fofa, mas é maliciosa.

RG – Como é que você juntou um dos maiores pianistas do Brasil, uma das maiores show womans atualmente e um dos principais poetas?

Silva – Quando veio essa ideia, o André Paste, um dos meus melhores amigos que trabalha comigo, me disse que me daria uma viagem ou algo que eu quisesse, se isso realmente acontecesse. Estávamos achando um pouco improvável rolar porque, durante estes meses de pandemia, muitos artistas estavam reclusos, sem disponibilidade de ir ao estúdio. Teve um deles que é mais velho e que eu amo muito que não pode participar por estar bem isolado. Tinham questões logísticas em jogo. Eu escolhi eles de por questões musicais, zero comerciais. Poucas cantoras poderiam cantar “Facinho”, até pelo tom. Criolo é muito maravilhoso, sou muito fã, adoro o jeito que ele se veste, como ele canta. É o pacote completo. Donato, sem palavras, ele é o cara nível AAA mundial, respeitado no mundo todo. Sou muito fã, estou feliz. Bons encontros.

RG – Legal! Queria falar um pouco sobre a “Soprou”, sua faixa com o Criolo. Quando eu estava ouvindo ela, senti que ela traz várias intervenções humanas. Logo de cara, tem você chamando aquele “1, 2, 3” antes de começar a gravar no estúdio, e no meio tem como se fosse uma espécie de suspiro ou gemido. Por que você escolheu trazer estes elementos humanos para dentro da faixa? Para aproximar ainda mais?

Silva – Eu amo essas coisas. Venho trabalhando vocalmente, sozinho mesmo, para ter essas coisas. Quanto mais vamos gravando, mais vamos entendendo sobre a nossa voz, sobre o que conseguimos atingir. Fui vendo que a distância do microfone para minha boca mudava bastante e quis colocar algo cada vez mais humano para todo mundo se sentir próximo e fiel ao que está sendo cantado.

RG – Vendo em uma visão bem ampla, o álbum é bem rico e cheio de ritmos, bebendo em fontes do jazz, do blues, do próprio samba de Martinho da Vila, tem coisas do reggae na primeira parte. Sinto que você conseguiu alcançar um som muito seu e bem maduro, onde eu consigo ouvir e pensar que é seu, sem saber que é seu. O mix de tudo isso foi intencional? Você se enxerga dessa forma também?

Silva – Caraca, que legal. Muito obrigado. Eu acho que é algo que eu busco. Não sei te dizer se eu cheguei no ponto que eu queria, porque é difícil saber, mas eu busco bastante ele. Fiz uns exercícios disso na vida já, principalmente quando comecei a cantar música dos outros, porque eu tinha que dar um jeito de cantar como se fosse minha, com a minha cara. Pegar o repertório de Marisa, que já é super conhecido, e a voz de Marisa, que é maravilhosa, e dar um jeito de “silvar” até para que a gente não competisse com a própria obra que estava homenageando. O melhor jeito de homenagear é fazer sua própria versão. O bloco também me ajudou muito. Acho que isso me dá aquele gosto de que posso fazer samba, mas um samba do meu jeito, sem soar que quero ser um sambista de repente.

RG – Outra coisa que me chamou atenção também no “Cinco” foram as brincadeiras com a sua própria voz. Senti que você ousou bem mais nas modulações desta vez, achando tons e etc. Você se sentiu mais a vontade para fazer isso?

Silva – Tenho gostado muito disso. Sou um cantor tardio, né? Não foi logo de cara, quando comparado a amigos. Eu sempre fui só músico. Cantava em casa, na igreja, um backing vocal ali, aqui. Quando comecei a cantar as minhas próprias músicas, não tinha o controle sobre o meu aparelho vocal. Até hoje eu não tenho 100%, estou no caminho de elaborar tudo isso. Fico feliz que você tenha notado isso porque é algo que eu tenho buscado. Penso que a voz é algo muito único: só você tem a sua voz, só eu tenho a minha. É uma assinatura que temos, quase que uma digital.

RG – Como é que bate em você quando alguém te diz que nomes como você, Duda Beat e outros artistas são a “nova MPB”? 

Silva – No começo, quando começaram a usar este termo, eu me incomodava um pouco e meio sem explicação. Não acho o termo ruim, pelo contrário. Fico lisongeado de me colocarem no lugar que eu acho que todo artista novo quer estar. Acho que é um pouco de pressão, mas eu gosto, é importante identificar gêneros. Quando eu me tornei, de fato, conhecido, sentia que tentavam encontrar um nome para mim e não encontravam: uns diziam que eu fazia MPB, outros falavam que era pop. Mas eu gosto de MPB porque ela não se define exatamente o que ela é. É um nome que não diz tanto, mas fala muito. Vi que para as pessoas era importante me colocar em algum gênero, elas entendiam melhor a minha obra se eu estivesse ali. Gosto, mudei bem em relação a isso.

RG – Para gente encerrar, depois de ouvir seu álbum pela terceira vez, eu senti que ele me trouxe um sentimento de leveza e liberdade, enquanto eu estava com vontade de dançar, de sair deste meu lugar comum que estou por tantos meses de quarentena. Acha que podemos dizer que o “Cinco” é um ode ao passado que vivemos e a um futuro que sonhamos em estar depois do fim da pandemia?

Silva – Eu acho bastante que é isso. Quando comecei o álbum, era o comecinho da pandemia. Já tinha músicas compostas, mas comecei a produzir quando já estava rolando. Tenho uma visão sobre isso, vou tentar te explicar. Todos nós temos o nosso tédio na vida. A vida é tediosa, no fim das contas. A gente tenta fazer ela ficar mais legal, tenta mostrar o melhor lado dela, mas ela é difícil. É um tédio, temos que pagar nossas contas, trabalhar mais do que queremos trabalhar. Quando vou fazer música, eu não quero preencher a pessoa com meu próprio tédio, dar mais esta angústia para ela. Busco, com as minhas ideias, esse lugar longe daqui. Sou extremamente ansioso, tive sérios problemas para dormir nesta pandemia. Várias insónias brabas, de ficar com olheiras por dias. Eu amo ouvir que a minha música levou leveza para alguém, mas eu também faço isso para mim. Preciso disso. A música que finaliza o disco, que é um samba, assim como todas as outras, é sobre isso: algo que queremos viver, dias melhores. Vibra sentimentos bons, coisas que gosto, momentos que queremos viver.

 

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