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Artigo – Jogos de ocupação de espaço

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Foto: Divulgação

Por Marcelo Ribeiro

A dependência química é uma patologia cuja estruturação se deve em parte a um componente geográfico: a maneira como o sistema de recompensa mapeia as oportunidades de consumo, espalhando os seus “likes” mundo afora, os quais vão sendo acrescidos de valores pessoais e emocionais, adquirindo cada vez mais saliência até o ponto em que se tornam autônomos – é o instante da eclosão dos irrefreáveis comportamentos de busca, ao lado de lancinantes fissuras ou de emoções negativas que constituem a essência da dependência de substâncias psicoativas.

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Cultura de consumo

Apesar de o tratamento da dependência química não poder ser comparado a um jogo de tabuleiro qualquer, deve ficar claro para todos – paciente, familiares e profissionais – que há uma disputa permanente por espaço entre a “cultura de consumo” e a “cultura da recuperação”, considerando que ambas são dotadas de aspectos biológicos e psicossociais.

Desse modo, faltar às sessões de terapia e demais compromissos assumidos, abrir mão de atividades escolhidas para preencher o tempo que antes destinado às rotinas do consumo – como ir à academia ou participar de atividades artísticas e recreativas –, desistir de afazeres sem por outros no lugar são tecnicamente “perdas de espaço” que na maior parte das vezes levam ao xeque-mate, ou seja, à recaída.

Desinteressante

Quase sempre, a pessoa “se desinteressa” por alguma atividade não por estar sentindo vontade, mas por achá-la “chata” ou “desinteressante”.  No entanto, se fosse apenas por isso, ela não interromperia essa atividade sem antes ter outra para por em lugar – há um valor maior em jogo do que o “gostar ou não gostar de alguma coisa”: a necessidade de permanecer abstinente e na esteira disso, recuperar uma vida perdida.  O que se observa nesses casos, porém, é a pessoa ir se livrando do que não gosta sem por nada no lugar, liberando assim sua agenda de atividades até ela ficar prontinha para as receber as rotinas do consumo novamente.

Exército da fissura

A recuperação é como um país invadido  cujo opressor permite muitas vezes um funcionamento psicossocial mínimo, desde que os “tributos energéticos” necessários para sustentar as rotinas do consumo sejam infalivelmente pagos.  Tentativas isoladas, impetuosas ou desorganizadas de rebelião são prontamente esmagadas pelo exército da fissura.  Dessa forma, pensando agora estrategicamente, quando se decide rebelar contra o império, é preciso ter a exata noção de que as ações devem ser rápidas, concatenadas e que todo o pedaço de chão conquistado é muito importante.

Autonomia

Portanto, se num dado momento do tratamento o paciente começa a “esquecer” de tomar pela manhã o medicamento que reduz a fissura pela nicotina ou provoca aversão ao álcool, por mais que esteja tudo bem, é preciso ficar claro que um importante flanco está sendo aberto – e que o exército inimigo é poderoso, hábil e volumoso.  Mudanças unilaterais costumam ir pelo mesmo caminho – o paciente é o dono do seu destino, mas a estratégia de tratamento é de todos.  Decidir sozinho apenas para demonstrar protagonismo e autonomia é fazer o jogo do adversário.

Adversário

Vencer um adversário desse porte não é tarefa para ser executada solitariamente.  Muito menos ainda é possível se dar ao luxo de abrir mão de espaços conquistados, deixando-os vazios, sem nenhuma outra atividade, à mercê da possibilidade da recaída. Nesse sentido, o tratamento da dependência química, assim como nos jogos de tabuleiro e no videogame, é uma batalha que ganha ou se perde nos detalhes: cada casa ocupada ou cada vida conquistada pode ser diferencial para se chegar a um desfecho bem-sucedido e vitorioso.  Tudo o que estiver em desarmonia com esses preceitos simples de tão básicos, equivale a brincar com a sorte, ou dar sopa para o azar – o detalhe é que sempre há muita coisa em jogo e por isso, não vale a pena  entrar num jogo desses com atitudes que possam botar tudo a perder.

Por
Marcelo Ribeiro

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