Terceiro single da banda Ayom, “Me Deixe Ser” é um pedido de licença, uma apologia à liberdade e, mais precisamente, ao feminino em todas as suas nuances. Embriagada por um poderoso coquetel de hormônios, naturalmente contido em seu corpo, a musicista, compositora e frontwoman, Jabu Morales promove, por meio desta canção, um manifesto claro e contundente sobre o ciclo biológico da mulher e o quanto isso afeta e determina as emoções.
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Sem recorrer a clichês ou a imagens demasiadamente exploradas sobre o universo feminino em toda sua complexidade, a letra é quase áspera, escapando de ser rude pela honestidade como a mensagem é conduzida.
“Vou permitir minha antipatia”, uma das primeiras frases da melodia, firma, logo de início, um pacto de sinceridade a partir do qual o interlocutor é levado para dentro da complexidade ou, se preferir, da tempestade de emoções que afetava a compositora, em plena TPM (tensão pré-menstrual).
Com força de hino e manifesto, “Me Deixe Ser” tem a habilidade de se conectar a outras vozes que cansaram de permanecer caladas. Impossível para qualquer mulher não se identificar com a letra e com o fluxo de energia que emana da canção. “’Me Deixe Ser’ é um retrato de uma noite que visita a todas nós que temos como relógio nosso ventre!”, conta Jabu.
Nesse retrato, imagens se sobrepõem e deixam antever uma complexidade marcada pelos opostos, como claro e escuro, cheio e vazio, além de revelar processo e movimento, como a imagem do rio que corre para o mar e, ainda, a dualidade de personagens, como a mãe e a meretriz, tudo isso cuidadosamente encaixado dentro de um ser único e, ao mesmo tempo plural que abriga em seu corpo o poder da vida, da expansão de seus próprios limites físicos e emocionais.
Sobre essa pluralidade, é interessante resgatar que, segundo a percepção da autora e, a despeito da letra ser autobiográfica e, explicitamente, a partir de um ser feminino, a mensagem que ela carrega pode, ainda, ser absorvida pelos homens.
“Acredito que qualquer ser humano possa passar por momentos angustiantes, onde nos sentimos dominados por um fluxo intenso de sentimentos capaz de nos arrebatar. Mas o importante é saber que vai passar, como diz a canção”, afirma.
Do ponto de vista musical, “Me Deixe Ser” é embalada do início ao fim por uma coladeira cabo-verdiana, ritmo muito presente na cena artística de Lisboa, onde imigrantes desta antiga colônia portuguesa e seus descendentes celebram sua origem e suas raízes em torno da música. Foi dessa atmosfera cultural riquíssima, trazida por esse povo para a Europa, que veio a inspiração para a composição rítmica da canção, onde instrumentos são acrescentados para determinar a sequência do fluxo de emoções.
Embalada por essa perfeita construção rítmica, Me deixe ser se consolida como um manifesto de liberação feminina, passando pela luta com nossos próprios limites até a aceitação dos fluxos, contínuos, incontroláveis, por vezes dolorosos, mas não menos belos.