por Suzy Menkes, do International Herald Tribune
PARIS — Com a saída de John Galliano do cargo de diretor de design da Christian Dior, chega ao fim uma louca trajetória no mundo da moda, em que graça, glamour e choque – em iguais medidas – permitiram à outrora conservadora maison parisiense dar um salto adiante tanto em imagem quanto em resultados financeiros.
A casa Dior divulgou em 1º de março um comunicado anunciando ter iniciado procedimentos legais para a demissão do Sr. Galliano – o estilista de 50 anos cujos desfiles românticos e teatrais revitalizaram a alta costura –, que, embriagado, teria feito observações anti-semitas num bar de Paris.
Os looks do Sr. Galliano para a Dior muitas vezes tiveram origens históricas. Ele atualizou o famoso New Look de 1947 da grife, acrescentando tons de sexualidade e perversão com um toque de trevas. Seu trabalho frequentemente equilibrava-se na fronteira entre a elegância apurada dos longos de corte enviesado e uma ferocidade que remete ao espírito de “Matrix”. Uma controvertida coleção de 2000, inspirada nos sem-teto, exibiu casacos de alfaiataria com pespontos irregulares que faziam contraste com românticos vestidos de gala.
Fascinado pela história, o Sr. Galliano fez, em alguns de seus melhores momentos, referência a mulheres de elegância exótica como a patrona das artes parisienses Misia Sert, ou a Marchesa Luisa Casati, tal como retratada por Giovanni Boldini. Cada coleção era objeto de pesquisas meticulosas que muitas vezes envolviam visitas a lugares distantes, que se traduziam em livros de referência feitos à mão, segundo o treinamento que o Sr. Galliano recebeu no Central Saint Martins College of Art and Design de Londres.
Sua primeira coleção após formar-se em 1984 foi inspirada na moda do período da Revolução Francesa. Em 1995, O Sr. Galliano foi indicado à Givenchy; menos de dois anos depois, passou para a Dior. As duas grifes, como a do próprio Sr. Galliano, pertencem ao LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton, o maior conglomerado de luxo do mundo, encabeçado pelo empreendedor Bernard Arnault. A imaginação ensandecida do Sr. Galliano e sua capacidade de transformar idéias em chapéus extravagantes ou sapatos delicados lhe deram a fama de haute cigano – impressão que seus longos cabelos e suas aparições teatrais ao fim de cada desfile nada fizeram para diminuir.
A colaboração com outros criadores – como o chapeleiro Stephen Jones, que era capaz de transformar em chapéus qualquer inspiração, da caça à raposa a “Madame Butterfly” – fez das peças de couture da Dior verdadeiros tesouros artísticos. Mais acessíveis, as coleções de prêt-à-porter do Sr. Galliano abrandavam o aspecto dramático e fortemente sexual, ajudando a maison Dior a ultrapassar a marca de um bilhão de dólares em vendas.
Amigos do Sr. Galliano, que concederam entrevista sob condições de anônima, disseram que o atual ritmo da indústria da moda e, em especial, a estrutura rigorosa da corporação que o empregava, levaram à queda do frágil artista. Finalmente, conseguiram convencer o perturbado estilista a inscrever-se num programa de reabilitação.
Embora suas odiosas declarações mereçam a condenação praticamente universal com que foram recebidas, há um subtexto de pathos na imagem de um dos estilistas mais famosos do mundo sentado sozinho num bar. A pressão de criar constantemente novidades na era da fast fashion e da Internet instantânea já derrubou outros talentos. Marc Jacobs, o diretor de design da Louis Vuitton, encerrou um período selvagem internando-se em uma clínica de reabilitação; Calvin Klein admitiu abertamente ser consumidor de entorpecentes; e o falecido Yves Saint Laurent passou toda a vida lutando contra os próprios demônios. Mais recente, e quase exatamente um ano antes da vergonha pública do Sr. Galliano, o suicídio de Alexander McQueen é um fantasma que ainda assombra a indústria da moda.
Muitos estilistas ficaram chocados com a derrocada súbita do Sr. Galliano. Victoire de Castellane, a designer de joias da Dior, resumiu a impressão generalizada: “É, ao mesmo tempo, terrível e patético. Nunca soube que ele guardava pensamentos assim. E nem que precisava tanto de ajuda”.