A atemporalidade das obras de Fernando e Humberto Campana se deparam com as criações antropomórficas do pintor lombardo Giuseppe Arcimboldo (1526-1593) e, de tão análogas, culminam na exposição “Arcimboldo Face to Face” que acontece de 29 de maio a 22 de novembro de 2021 no mais novo e exuberante Centre Pompidou-Metz, em Metz, na França, assinado por ninguém menos que Shigeru Ban (arquiteto japonês vencedor do Pritzker 2014).
Um encontro sem precedentes que entrará para a história como um momento ímpar entre o diálogo entre a arte e o design, o passado e o presente. Um convite aos irmãos para uma coletiva sem igual na qual todo o entourage que apresenta 250 obras de 130 artistas, entre os quais Alighiero Boetti, Anete Messager e Cindy Sherman, Francis Bacon, Marlene Dumas, Max Ernst, leva o visitante a vaguear, no mesmo espaço, por séculos de história.
A conexão entre a arte, o design, a vida e a liberdade, fica implícita em uma mostra como essa que, para os irmãos, é uma oportunidade para repensar momentos pelos quais todos estamos passando. “O mundo inteiro está lidando com a pandemia de Covid-19 desde o ano passado e tivemos que aprender a ressignificar tudo: como ocupamos os espaços, nos comunicamos uns com os outros e, o mais importante, a nossa relação com a natureza. É preciso reavaliar”, pontua Humberto.
Nesse cenário, composições pictóricas tridimensionais dos Campana, algumas inéditas, descobrem campo fértil no mundo Arcimboldo, como conta Humberto. “Encontramos muitas maneiras semelhantes de transformar o mundo que observamos. ‘Arcimboldo Face to Face’ conecta arte e vida cotidiana por meio de natureza, da mesma forma que fazemos com os materiais e referências que usamos para nossas peças. Ao mesmo tempo que os ressignificamos, preservamos sua identidade, provocando o público a interpretar as muitas camadas que apresentamos em nosso trabalho.”
Foto: Divulgação
Nascida de um diálogo entre o artista Maurizio Cattelan e Chiara Parisi, diretora do Centre Pompidou-Metz e curadora da exposição com Anne Horvath, a exposição “Arcimboldo” oferece uma visita única, ao contrário de toda cronologia, nos meandros do pensou neste pintor misterioso do século 16, para perfurar a atualidade de seu vocabulário. Quatro obras e uma instalação marcam a participação dos irmãos.
O “Anthopofhagic Sofá” e o “Anhanguera Sofa”, da coleção Brazilian Baroque (2012) em conjunto com um candelabro e um lustre, inéditos e que compõem a coleção “Cativeiro” – em referência ao sentimento contemporâneo de aprisionamento -, se tornam, na voz de Fernando e Humberto “um pastiche de elementos fortemente ornados em bronze e homenageiam o aspecto decorativo da obra de ‘Arcimboldo’.”
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Destaque para a obra comissionada “Surveillance” que em português significa “vigilância”. Trata-se de uma cortina com cinco metros de altura e 12 de comprimento onde estão acoplados mil olhos de vidro que observam o vai e vem das pessoas.
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“A sensação de que o mundo está isolado e o duradouro sofrimento de todos os tipos na pior pandemia dos últimos cem anos, é percebido nessa criação feita sob medida, encomendada para a cenografia da exposição. Embora “Vigilância” seja principalmente um pano de fundo, esta cortina chama a atenção com seus muitos observadores olhos, criando a sensação assustadora de ser observado enquanto se move através do andar da exposição”, finaliza Humberto.
Livro
O Estudio Campana e Instituto Campana acabam de lançar o livro “Irmãos Campana: 35 Revoluções”, que retrata a ocupação de Fernando e Humberto Campana no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio), com curadoria de Francesca Alfano Miglietti, no marco dos 35 anos de carreira dos irmãos.
Após dez anos da última publicação da dupla, a edição bilíngue, de 248 páginas em formato “coffee-table”, reúne mais de cem imagens, entre fotos, croquis e ilustrações, incluindo uma ampla seleção de peças de design e esculturas desenvolvidas mais recentemente, além de vistas exclusivas da mostra e das instalações concebidas especialmente para o espaço.
O livro não apenas celebra a longevidade da dupla como também convida curadores, jornalistas e artistas a contribuírem com ensaios e reflexões sobre a trajetória dos irmãos e seu papel no cenário mundial no âmbito do design e da arte contemporânea.
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As obras, trazidas de várias partes do mundo, incluem os clássicos como a cadeira Vermelha e a cadeira Favela além peças de coleções autorais, algumas exibidas pela primeira vez no Brasil, como a Brazilian Baroque, Cangaço e Sushi, assim como peças criadas exclusivamente para Louis Vuitton, Edra e Venini, entre outras. Cada um desses objetos se transforma em personagens, “escondidos” em uma floresta de colunas de piaçava espalhadas pelos 1,8 mil metros quadrados do segundo andar do museu, que se revelam à medida que exploramos a mostra em cada página.
Além das colunas de piaçava, que evocam a constante preocupação ambiental dos Campana, se destacam também a parede com cerca de 2.000 cobogós Mão, criado como um alerta ao desastre da barragem de Mariana, e as 220 mandalas que foram feitas em parceria com a escola de arte Spectaculu, no Rio de Janeiro, que cobrem o teto do espaço expositivo.
Os textos foram estrategicamente distribuídos em capítulos espelhado nas seções temáticas da exposição propostas pela curadora Amor, Pensamento, Sonhos, Tempo, Metamorfose, e Segredos criando um passeio visual pelas obras da dupla acompanhados por pensamentos de profissionais respeitados no meio artístico, jornalístico e acadêmico que acompanham o trabalho de Fernando e Humberto há vários anos. Essa combinação de percepções cria uma espécie de “retrato falado” dos irmãos, que por sua vez nos mergulham em seu próprio universo por meio da entrevista concedida à Francesca Alfano Miglietti. Com perguntas que buscam contrapontos com referências na arte, no design e outras expressões artísticas, a curadora consegue revelar elementos que unem e ao mesmo tempo separam os irmãos, mostrando a individualidade e a alquimia que cada um traz para uma das trajetórias mais bem-sucedidas do design brasileiro, e que agora finca raízes definitivas no território da arte.