Por Paula Lima
Inquestionavelmente, 2020 se mostra surpreendente. Um ano revelador, para o mal, mas muito para o bem também. As questões raciais e femininas continuam sendo as pautas urgentes para reflexão e avanço. Cada vez mais é exposto o verdadeiro pensamento da elite do Brasil “vidas negras NÃO importam”, as estruturas, o racismo estrutural e os privilégios.
Semana passada um rapaz de sobrenome Almeida Prado, com diagnóstico de esquizofrenia apresentado pelo papai, que goza de vida social e é independente, resolveu ofender em vão o motoboy Matheus Pires usando como parâmetro questões de classe e raça. O motoboy muito inteligente e muito elegante o denunciou. E já prosperou na vida inclusive. Gente inteligente sempre é “um outro negócio”.
Também houve violência psicológica e física em um shopping, e uma juíza escreveu três vezes em sua sentença a palavra “raça” ao condenar um homem negro: “Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça”. Depois do caso vir a público, pediu desculpas “se ofendeu alguém” e acrescentou ainda que “a frase foi tirada do contexto”. Balela. Na verdade, é muita confiança pra colocar isso em sentença, não? Até quando? Qual o Brasil do futuro? Se uma JUÍZA (alguém que está a serviço da lei e dá o seu parecer sobre um crime) pensa e redige o que se leu, então QUEM nos protege? É muito sério esse absurdo! Sabemos que o racismo é um crime inafiançável, ou seja, sujeito à pena. Mas quando é que racistas responderão pelos seus atos criminosos? Quando a lei finalmente entrará em vigor na prática?
Em contrapartida, justamente pelas vozes erguidas ainda mais e inclusive durante a pandemia com muita competência, tivemos também nesta semana a notícia de peso a respeito da primeira mulher negra candidata à vice-presidente nos EUA. Kamila Harris, é senadora e candidata à vice de Joe Biden, que foi vice de Obama nos seus dois mandatos. Participando das manifestações antirracistas americanas. A democrata, de longa carreira, dentre tantos outros feitos, ganhou um destaque ainda maior por participar ativamente das manifestações e entre outras pautas, colocou na mesa a destruição da floresta Amazônica, alertando sobre a política ambiental do governo brasileiro.
Já estamos por aqui na torcida! Mesmo estando aqui, a representatividade lá importa e muito, assim como ocorreu com Barack Obama. Uma mulher negra no mais potente país do mundo, num cargo estratégico e político tem um peso transformador gigantesco.
Seguindo a linha inteligente e interessante da mulher negra empoderada e de destaque profissional, a Mattel, que é presidida por uma mulher, lançou a Barbie negra candidata à presidência dentro da coleção “Campaign Team”! Reflito sobre a evolução e em que lugar estariam as mulheres negras da minha geração se tivessem exemplos como esses!
Durante a minha infância e início da adolescência eu não tive nenhuma boneca preta! Nenhuma!!! Quanto mais uma candidata à presidência! Eu fazia do limão uma limonada. Esquecia da cor que tinha em mãos e me transportava para ser e estar no lugar que bem entendesse. As minhas bonecas tinham profissões e eram independentes, psicológica e financeiramente. Uma era jornalista, outra cantora e também tinha a promotora… Eu criava mil histórias de sucesso. Eram todas feministas, embora eu não soubesse à época o que é isso.
As feministas livres e aventureiras da minha infância eram da série “As Panteras”. Eu adorava, mas eram todas brancas. Não havia o “espelho”.
Um dia, para deleite, surgiu na TV Isabel Fillardis, uma estrela, e depois Tais Araújo, estrela e protagonista no sucesso “Xica da Silva”. Foi um marco. Viraram ícones. Olha o “espelho” fundamental aí!
Voltando aos tempos atuais, uma série que de certa forma retrata esse meu olhar de outrora é “Insecure” protagonizada por Issae Rae, que é atriz, produtora, roteirista e diretora. Na série, ela conta suas experiências e as das melhores amigas como mulheres negras e americanas, com direito a romance, casa, profissão, família, prosperidade. E ela diz: “Eu tenho oportunidade de produzir o conteúdo que quero ver, o que é incrível, e também de ser uma artista e dar oportunidade a outros artistas. Isso me motiva muito”. Um elenco negro, com personagens interessantes e bem sucedidos. Ah… “O conteúdo que quero ver”!!!! Que importância tem isso! Assistam.
Uma série que também foi próspera para os brasileiros foi “Mister Brau”, estrelada por Lázaro Ramos e Tais Araújo, que na vida real quase (em alguns aspectos) representam aquele casal.
É urgente e interessante que todos os racistas de plantão entendam tudo o que negros podem ser, e aliás, são, e que se mudarmos o racismo estrutural que o Almeida Prado citou (“você nunca vai ter isso aqui, eu NASCI rico”), negros poderão voar alto. Gosto muito da pergunta do Matheus: “Você tem isso por que trabalhou ou por que o seu pai te deu?”. Isso reflete a história do Brasil e quem trabalhou e trabalha enquanto outros enriqueciam. Novamente entra aqui a meritocracia, inexistente.
Pra finalizar quero deixar aqui algumas personalidades interessantes para serem seguidas e ouvidas, para que possamos evoluir juntos: Silvio de Almeida (@silviolual – jurista); Joice Berth (@joiceberth – escritora, ativista e influenciadora); Luiza Brasil (@mequetrefismos – influenciadora); Yuri Marçal (@oyurimarçal comediante, ativista e influencer); Ad Júnior (@adjunior_real – ativista e criador do canal Trace Brasil).
Um salve para quem e o que soma e transforma! Seguimos e sigamos fortes e plenos! Sim, nós todos podemos!