Sanches disserta sobre a relação entre o crescimento das crianças e a arte – Foto: Divulgação/Sanches
Para uma criança de 5 anos, um mero traço no papel pode se converter no telhado de uma casa. Ela vê as coisas à sua volta de forma singular, pois sua percepção mais apurada e sensível lhe permite significar o mundo por meio de configurações únicas, usando suas capacidades naturais e cognitivas para idear, criar e simbolizar.
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É engraçado pensar que eu poderia estar falando das características primorosas de um grande artista, quando, na verdade, não estou. Sempre quando me aprofundo na pesquisa sobre arte e criação para buscar o maior grau de refinamento sobre o assunto, acabo esbarrando nelas: as crianças.
Antes de a criança aprender a andar, ela dança. Antes de aprender a falar, ela canta. Antes de escrever, ela desenha. Esses são alguns dos milhares de exemplos que provam a naturalidade criativa delas. Sendo assim, então, por quê, conforme crescem, a maioria vai se desacostumando aos movimentos criativos? Por que cresci mais propenso a saber lidar com a criatividade e outros seres humanos nem tanto? É culpa dos pais? Das engrenagens da sociedade?
Quando nascemos, não éramos crianças comuns, mas talvez, como a maioria de nós, trocamos nossa singularidade pela segurança. Vivemos uma cultura enraizada que entende que colocar as pinturas de dedo de nossas crianças na geladeira e dizer a elas que a obra delas é incrível deve ser uma fase temporária e que, eventualmente, elas deixarão de ter a necessidade de criar coisas bonitas e de serem elogiadas por isso. Talvez esse seja o motivo pelo qual a maioria das crianças percam seus hábitos criativos.
Acredito que toda criança nasce artista. Acredito, também, que todo ser humano nasce com todas as ferramentas necessárias para criar uma obra de arte – seja ela um produto, um lugar, uma sensação, sentimento, ou sua própria vida. A criança nasce pura, mas a sociedade, antes de corromper, reprime. Como exemplo dessa repressão, é cultural ensinarmos às nossas crianças o pensamento convergente e desencorajamos o pensamento divergente. O pensamento convergente nos ensina a seguir um conjunto específico de passos lógicos para chegar a uma solução correta. O pensamento divergente foca na liberação espontânea, na criatividade, na imaginação. Explorando caminhos desconhecidos e descobrindo soluções inesperadas.
Se olharmos para uma criança de 2 anos, estamos na frente de um ser humano livre. Quando as observamos, descobrimos que a maioria do tempo elas se divertem, exploram o mundo, não se preocupam com a passado e não se importam com o futuro. Vivem no momento presente. Crianças pequenas não têm medo de expressar o que sentem, são tão sensíveis ao amor que, se percebem amor, derretem-se de amor, elas não têm medo de amar. Essa devia ser a descrição de um ser humano adulto padrão, o que me leva a crer que precisamos ouvir muito mais nossas crianças.
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Rafael Sanches – Colunista de arte do Site RG
Sanches é um artista multidisciplinar que confunde as linhas entre arte, arquitetura e moda, entrelaçando desde a criação de obras de arte tridimensionais até o design de futuros espaços “reimaginados”. O artista é conhecido por sua incansável experimentação de formas, materialidades e formatos em muitos gêneros de trabalho. Abrangendo esse conceito tipográfico que vai além de letras e palavras – formando forte comoção estética, ele se transformou em um dos novos artistas contemporâneos mais requisitados do País.