Por Jeff Ares
Escrevo com cheiro de cipá, uma espécie de incenso de aroma bom e forte. Vem de resinas de árvores da floresta amazônica, no Acre, trazidas pelos índios da aldeia Mutum, da etnia Yawanawá. Vejo 17 deles, em volta de uma grande fogueira. Dançam e cantam, com seus gigantescos cocares, cadenciados; soltam gritos. Estou em silêncio, meu corpo não.
Recebi o convite de Alberto Hiar, aka Cavalera, e Helga Fuchs. Há meses, eles estiveram na aldeia, numa viagem que Hiar gentilmente dividiu com RG – leia seu relato aqui. “Todo mundo corre atrás do seu sucesso, dos seus ideais, mas não é só isso que conta, tem outras coisas… Eu entendi isso na experiência que eu tive na tribo Mutum, e é um alegria muito grande poder proporcionar essa experiência para mais gente”, divide Alberto. Pessoa física. Que se mistura inevitavelmente à jurídica, uma das mais importantes marcas do país. Que trilha rumo próprio, na construção de um discurso particular. E agora abraça, visceralmente, um povo tradicional, lá de cima do Brasil.
Para a coleção de verão 2016, que apresenta em desfile nessa segunda-feira (13.04), a Cavalera usa os traços do “kene”, a pintura corporal feita por Mariazinha Yawanawá, uma das líderes espirituais da tribo. “O kene mostra os espíritos bons e ruins, e nos protege”, me conta Matsini Yawanawá, sucessor dos pajés da tribo – que têm 98 e 106 (!) anos. Matsini tem 36, o rosto pintado, um cocar que toca o chão. É estudado. Uma voz para cerca de 1000 indígenas que vivem às margens do rio Gregório, reverenciando suas tradições e lutando para mantê-las vivas. Uma das saídas é o turismo de experiência. De 27 a 31 de julho, a aldeia recebe o Mariri Yawanawá, um festival “que tem um pouco do que a gente vive na aldeia. Uma semana de celebração para o que o criador tem nos dado. Tem nossos rituais, brincadeiras, a nossa comida… Tem jogos em que imitamos macaco, queixada, urubu, abelha, tem a brincadeira do mamão, da cana, dos espíritos… E o ritual do ‘uni’, todas as noites”, me conta Matsuni.
O uni é a ayahuasca, que seria ministrada naquela noite pelo pajé para o grupo de amigos de Hiar, que se reuniu no ritual pré-Fashion Week na casa de Claudine, viúva de Jair Rodrigues, um cara que tive o prazer de entrevistar. “Os índios me disseram que sentiram uma energia forte nesta noite”, ela me confidencia, feliz.
O ritual começa. Combinado ao rapé, o uni é o orgulho da tribo. “Uni é a ponte que conecta com a força, é a nossa medicina”, diz Mariazinha. Espécie de boas vindas para a semana de moda, fico pensando. Pra ajudar a situação da moda no país, toda ajuda é bem vinda.
Não tomo o uni, porque não fiz a preparação correta – nada de sexo, comidas pesadas e álcool. Mas os cantos me pegam, os cheiros, o silêncio. Vou embora antes que as pessoas se conectem realmente, porque não acho respeitoso ficar. Vou mais tranquilo do que cheguei, com certeza.
“Não queria ir numa tribo Disneylândia”, diz Hiar, apresentando os índios, que estão num hostel, maravilhados com São Paulo e com a viagem de avião. De fato, dá pra sentir a floresta em seus rostos pintados, no grito estranho, no olhar acanhado das índias. “Feliz de trazer nossa energia”, diz Mariazinha. Feliz de receber um pouco disso tudo.
Quem for ao desfile vai entender.
Para participar do Festival, conecte-se com a aldeia, aqui.
Serviço:
Para ir ao festival, contate a MAANAIM TURISMO
Telefones: 55 (68) 9971.3232 e 8119.4422
E-mail: bosco.turismo@gmail.com ( o nome é João Bôsco Nunes)
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