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Dia da Terra: veja crítica sobre o livro “A Visão das Plantas”, de Djaimilia Pereira de Almeida

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Foto: Pixabay

Por Matheus Lopes Quirino 

Ao cravar que “a aflição era uma estrela a cruzar o céu, sem que a ideia de morte chegasse a ser uma ideia”, a escritora Djaimilia Pereira de Almeida, vencedora do prêmio Oceanos 2019 por “Lunda, Lisboa e Paraíso” (Companhia das Letras), toca na questão central de seu novo livro, justamente a aflição projetada como um astro sublime, intocável e majestoso. A estrela, como signo celestial que remete à transcendência, é também  algo que bate de frente com a aflição terrena que assombra o capitão Celestino, protagonista da fábula “A Visão das Plantas” (Todavia). 

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Se ela põe em xeque o estado terreno da angústia, essa que só será liquidada com a morte, Celestino, imerso numa sobrevida de seus últimos dias, aos poucos perde a visão, vê estrelas e sente o fim próximo. No livro, os corpos celestes não estão apenas no céu. São terrenos e têm sua graça revestidas em flores e plantas. Nas descrições do jardim de Celestino, cada pétala é lapidada com uma delicadeza digna de ourives. O jardineiro, um capitão de navio negreiro aposentado, afogado na própria ruína, busca sua salvação pelas plantas — e, sem saber, purifica-se ao entrar em contato com a delicadeza e contato com a natureza. 

Quando ele perde o sono, fantasmas de sua outra vida a bordo do navio negreiro o sacodem e aplicam no homem um estado febril. Ele tenta esquecer os temores e as brutalidades do passado em prol da busca pela paz interior. O jardim é seu passaporte, sua carta de alforria. “Visto do jardim, o passado era o rastro que as lesmas deixavam ao subir a parede da casa caiada. Raramente as via mas, ao subirem a parede, soltavam um ranho que depois secava e se tornava uma linha, parecida às que a hera deixa número depois da podada, ou à pegada de um insecto”, escreve a autora, transformando as reminiscências do passado do capitão na secreção da figura do caracol, praga para o jardim. 

Velho e rabugento, o pirata se encastela na velha casa da família. Devota-se a podar e cuidar das plantas que dominam a propriedade e tem na vegetação sua companhia. Aos poucos, o trabalho esmerado do homem e seus silêncios são colocados sob suspeita pela provinciana vila em que vive. Celestino é transformado em um personagem malvado e horroroso pelos habitantes. Seu juiz, o padre local, é uma visita regular – das únicas, à exceção das crianças – e a todo custo tenta lhe arrancar uma confissão. O catolicismo, forte religião em Portugal, reverbera no livro como um pretexto para ressaltar a necessidade de uma purgação à alma do capitão, e seu trabalho está no jardim. Celestino delira e, imerso no mundo das plantas, ignora o padre, a religião, e passa a se corresponder com cravos, bétulas e raminhas. 

O livro “A Visão das Plantas”, da editora Todavia – Foto: Reprodução

Nesta fábula, Pereira de Almeida trabalha em cima de arquétipos religiosos. Celestino, o filho pródigo que foi se aventurar em alto mar, conheceu o mundo e foi um homem terrível. Como na parábola bíblica, ele retorna ao lar e encontra não a mãe, mas o jardim, as camisas, móveis e casa à mercê do tempo e suas intempéries. Ele ateia fogo no passado, cava um buraco e joga as mudas de roupa lá, para tentar renascer, como no poema de Drummond, numa fictícia primavera, cuidando dos brotos e plantas. 

O próprio jardim é uma representação do paraíso. O refúgio eterno, silente, belo e plácido, alvo da perfídia do padre local e visto com bons olhos pelas crianças da aldeia, que estão a rir e a trepar no muro, aceitando as amoras frescas e a ouvir as histórias de pirataria do capitão. Aos poucos, o diabólico arquétipo de celestino é desconstruído, ao menos aos olhos dos rebentos, pois há males piores no mundo. 

Condenado à paz eterna do seu jardim, Celestino sucumbe à loucura e começa a ver a face da morte, representada como uma mucama que o espreita. De ar superior, até compreensível, a morte é uma imagem que lhe desperta reflexão e certa reverência. Ele respeita e se empenha em completar seu ciclo da vida, a purgação poderia ser pior. Escreve a autora: “Ele, obediente, convencido de que vivia os seus últimos dias, arrancara-o da terra, construíra com as suas mãos um jardim apenas para ter certeza de que o jardim não queria saber dele, como toda a vida não quisera saber de ninguém”, completa a autora. O jardim é a vida, o viço, ao mesmo tempo também é o lugar em que celestino cava sua cova. Poético, o livro de Djaimilia traz não uma, como na clássica fábula, mas muitas lições de moral, implícitas, delicadas, prestes a desabrochar com as flores. 

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