Ícone da música brasileira e homem de opiniões fortes, Caetano Veloso foi chamado de censor, pela opinião pública, por sua posição em relação às biografias não autorizadas –um dos líderes do movimento Procure Saber. Em entrevista ao jornal “Folha de S.P.”, Caetano volta a falar sobre o assunto. Na entrevista, ainda discorre sobre o fenômeno do “Rolezinho”, Roberto Carlos e mais. A seguir, os highlights de Cae.
ROLEZINHO
“Só a palavra “rolezinho” (tanto pronunciada à paulista, com o “e” fechado, quanto à baiana, e mesmo carioca, com o “e” aberto) é já uma grande beleza.”… “Claro que rolezinhos são a sociedade brasileira se mexendo. Tudo de que ela mais precisa. Essa é a característica que esse fenômeno comparte com as manifestações de junho. Mas acho que a imprensa deixou que se pensasse tratar-se de exibição ostensiva de garotada da periferia em shoppings de alta classe média, dando uma impressão de invasão, quando na verdade são encontros que se dão em shoppings da periferia.”
BLACK BLOCS
“Não gosto de violência nem desejo insuflar o entusiasmo de jovens narcisistas que adoram se sentir salvadores da humanidade. Mas, como disse, os nós de nossa estrutura social brutal não podem se desfazer sem dor. Black blocs têm a ingenuidade de rebeldes sessentistas (com os quais me identifiquei no ato na segunda metade dos anos 1960), por isso, tendo a simpatizar com eles, mesmo sendo capaz de criticá-los sem dó, como fiz no começo desta resposta. É provável que haja manifestações neste ano, com Copa e eleições e tudo o mais. Vejo que o todo da população está vacinado contra o que há de desestabilizador nessas movimentações e, portanto, irá neutralizar os protestos. O povo é conservador. Ao menos o brasileiro é. Mas, do jeito que anda o mundo, é sempre possível que um fato pequeno, corriqueiro, desencadeie uma nova onda, talvez muito mais forte e incontrolável.”…
BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS
“As mídias sociais influem em tudo. Mas muitos dos vícios da imprensa vêm de longe no tempo. Sou contra os artigos 20 e 21 do Código Civil e o disse por escrito em minha coluna [no jornal “O Globo”]. Sempre fui, também, contra o desejo de controlar as biografias por parte dos biografados. Detesto a ideia de que meus filhos e netos venham a tomar conta do que se publicar sobre mim depois que eu morrer. Não tenho vontade de esconder ou maquiar nada. Apenas ouvi meus amigos mais queridos, que pensam diferente de mim, e achei que, explicando a quem me lesse o quanto os argumentos deles me tocaram, podia contribuir para enriquecer a discussão. Mas vocês dos jornais, que têm emissoras de TV, revistas (ou colunas) de fofoca, editoras de livros etc., preferiram me caracterizar como “censor”. Danem-se. Acho que a mudança no Código Civil a respeito das biografias deveria ser vista com mais finura. Espero que os juristas e o que há de saudável na sociedade (sim, porque isso também existe!) cheguem a uma solução equilibrada. Claro que livros não enriquecem escritores às centenas no Brasil. Quem escreve biografias não deve ficar sujeito a ver seu trabalho de pesquisa jogado fora. Quem tem influência na vida pública deve poder ser retratado com coragem e independência.”…
RELAÇAO COM ROBERTO CARLOS
“Para mim, como sempre. Sempre o vi pouquíssimo. Eu o adoro como aprendi a fazer em 1966, instado por Bethânia, mas não me impeço de dizer de público que discordo dele. Se discordar, como fiz quando ele mandou telegrama ao presidente Sarney apoiando a censura [ao filme] “Je Vous Salue, Marie” (nos anos 80). No caso das biografias, sempre estive na posição oposta à dele. Disse isso a ele, a Chico, a Gil, a Milton, a todos —e prometi não atrapalhar o que eles fizessem, além de me esforçar para entender seus argumentos. Quando o grupo de advogados dele e seu empresário disseram que estavam recuando de uma suposta posição intransigente, eu mostrei que não era o que estava acontecendo. Dizer que era [isso] dava a impressão de que Paulinha Lavigne, que presidia o grupo Procure Saber, tinha agido despropositadamente em sua aparição no programa “Saia Justa”, o que levava os malucos da internet, a imprensa histérica e os autores de cartas à redação a nos xingarem mais, sobretudo a Paulinha, que não é artista, o que parece dar licença à imaginação raivosa dessa gente. Ora, eu sou um homem livre, maluco, sozinho, mas adoro Paulinha, com quem tenho dois filhos lindos e uma história de décadas. Respondi a certas baixezas com veemência —e sobrou uma frase impaciente para Roberto. Sei que ele entendeu meu pedido de perdão porque sei que ele entende de sentimentos.”