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CAIO sobre álbum “Passageiro”: “questionem suas verdades e suas origens”

Foto: Tinho Souza

Caio tem um mantra. “Tudo passa”. O cantor e compositor mineiro acaba de lançar o seu primeiro álbum, “Passageiro” – produzido por Douglas Moda e Nave. “Por melhor ou pior que a situação pareça, vai passar. Seguir o fluxo é importante (…) Espero que as pessoas questionem suas verdades e redescubram ainda mais suas origens, nossas raízes”, explica o título do trabalho. Com um pé no samba, o disco de 10 faixas é uma passagem pelas suas vivências familiares, espirituais e afetivas. Sempre pautado pelo samba. “Balanço sobre o que aprendi sobre mim mesmo ao longo desses 33 anos (…)”, narra. “Hoje posso dizer que o ouvinte me conhecerá de forma muito genuína ao entrar em contato com esse trabalho.”

Com o álbum na rua, sua meta agora é lançar a turnê do trabalho. “Estamos aqui criando muitas ideias”, adianta. No horizonte, ainda há uma versão deluxe do álbum com a participação de artistas que admira. “Trilhar esse caminho com muito amor e trabalho – na medida, sem surto, pelamor… (risos) – e deixar a vida me surpreender.” Em “Olho Mágico”, quis experimentar uma espécie de “samba mântrico”, trazendo instrumentos indianos. “Creio que as letras, também, flertam com essa jornada de autoconhecimento, como se fossem notas de cabeceira sobre a gente mesmo, complementam essa assinatura.”

Seu nome pode soar fresh na frente dos holofotes por se tratar de um primeiro álbum. Mas ele tem uma carreira de mais de 10 anos, com um single aqui, outro EP ali. Longe dos palcos, mantém um trabalho de bastidores ao lado do companheiro, o diretor de clipes Felipe Sassi. Ao lado de IZA e de Nídia Aranha, por exemplo, o casal ganhou o prêmio Multishow de 2023, na categoria “Melhor Capa”, pela direção criativa de “Afrodhit”. Leia a íntegra da entrevista, abaixo:

Foto: Tinho Souza

RG: Com “Passageiro” na rua, quais são as mensagens que espera receber do público?
CAIO: Olha, estou muito feliz e surpreso com o retorno do público que me acompanha. Em geral, se sentem mais conectados com esse pertencimento sobre ser brasileiro – o que acho incrível. É um objetivo com esse trabalho destacar nossas raízes afroindígenas – base dos ritmos, base de quem somos, pilar da nossa história. Sinto que fomos furtados dessas memórias, por conta da colonização, catequização. Então, é importante pra mim falar a respeito, estimular o pensamento sobre esse ponto. Espero que as pessoas questionem suas verdades e redescubram ainda mais suas origens, nossas raízes.

RG: Como foi a experiência de trabalhar com os produtores Douglas Moda e Nave no seu primeiro álbum, “Passageiro”?
CAIO: Maravilhosa! Os meninos têm uma musicalidade e capacidade de escuta muito grande. Tivemos diversos encontros em busca das sonoridades de cada faixa. Fomos trocando referências, testando misturas. Cada um tem uma identidade muito marcante, a junção disso com as referências que fomos trocando gerou um processo muito rico. Inclusive, o “durante” foi muito prazeroso, de verdade! Fiquei feliz com os aprendizados que a gente teve ao longo de mais de um ano.

RG: Você já havia lançado singles soltos, EP… Qual a sensação de lançar um disco, agora?
CAIO: Sabe quando a gente entrega o TCC depois de longos e cansativos anos de faculdade (risos)? Eu sinto que é por aí. O legal dos singles é que eles servem de experimentação. A gente, geralmente, parte de algo que nos provoca a criar um ritmo, um discurso… Desde o meu início como cantor profissional, busco uma sonoridade brasileira contemporânea, alicerçada no samba. Ao longo dos lançamentos avulsos, havia aquela sensação de “tá quase lá”. O álbum é o roteiro por completo, com início meio e fim, sabe? Do meu primeiro trabalho autoral com um grupo de samba, em 2013, até o momento atual, em que lançamos o disco, se passaram 10 anos. As tentativas de encontrar a sonoridade me acompanharam nesse percurso. É um misto de alegria, alívio e de autoencontro. O tempo, aliás, é fundamental para esse amadurecimento do que a gente deseja fazer, falar, tocar.

RG: Pode compartilhar um pouco sobre a inspiração por trás da escolha do nome “Passageiro” para o álbum? É como você se sente no mundo?
CAIO: Sim! É como me sinto. Diria, inclusive, que é como tenho olhado para a vida nos últimos três anos, não só a minha, mas a de todos nós. A transitoriedade dos ciclos está escancarada diante da gente, mas de alguma forma insistimos em carregar muitos apegos, como se toda essa força pudesse conter a areia escoando por entre os nossos dedos. Os últimos três anos foram muito intensos para o mundo. Pandemia, crise econômica, novas guerras…

Minha avó precisou vender a casa dela por conta das enchentes em Minas Gerais. Nasci e cresci naquele lar. Tudo mudou. Tudo muda. Se pensarmos bem, tudo aqui é intenso neste planeta desde sempre. A gente vive, em média, quase 80 anos. É muito breve. Esse planeta está aqui há tanto tempo, já viu tanta coisa. Então é uma forma de me recordar sobre tudo isso. Buscar estar mais inteiro na minha própria pele. E aceitar que tudo passa. É bom lembrar que não temos toda essa importância que a gente acha que tem, somos só passageiros.

Foto: Tinho Souza

RG: Qual foi o papel do conceito visual na criação deste álbum?
CAIO: Em resumo, despertar uma conexão nostálgica no público que se interessasse. São muitos signos legais que quisemos explorar e que, de certa forma, carregam alguma “familiaridade” para a maioria de nós. O Felipe Sassi, diretor criativo do projeto e meu companheiro, sempre consegue absorver de forma muito precisa as trocas que temos em cada trabalho. Nosso pilar foi baseado em duas premissas: Brasil setentista e a cor roxa. O primeiro porque representa um recorte cultural muito rico de um período que gerou discos incríveis nacionais, além do flerte com o místico bem presente nas canções – pauta que me identifico muito.

O segundo, para além desse significado esotérico que o roxo carrega e que dialoga com nossa proposta, há também nosso interesse de que haja uma clara assinatura visual no trabalho. Percebi que funcionou quando meu irmão, que mora em Minas e me acompanha pelas redes sociais, perguntou se eu saía na rua todo dia parecendo um açaí gigante (risos). Além de rir bastante, senti que conseguimos atingir o propósito.

RG: E sobre a sonoridade do álbum, quais foram os ritmos que quis trazer? E, dito isso, o samba é um ponto importante. Ele foi o ponto de partida, mas como trazer sua assinatura e contemporaneidade para o ritmo?
CAIO: Durante o período de “maturação” da ideia do álbum, eu estava reunindo composições que foram surgindo. O desejo era de trazer algo fresh com “sotaque” do samba, sabe? Mas eu não gostaria que a rítmica das músicas, ou a escolha dos arranjos fosse previsível. Tenho uma relação muito afetiva, por conta dos almoços de domingo da minha família, embalados por esse gênero musical. Meu pai também tocou percussão em grupo amador de pagode, com amigos. De certa forma, queria “reciclar” essas memórias. Partimos dessa fusão de estilos de samba com ritmos regionais, adicionando arranjos eletrônicos. Essa é a base.

Nós iniciamos a produção já tendo mapeado qual música combinaria com cada estilo de samba e mistura. Por exemplo, samba-reggae com dance hall; partido alto com funk; bossa nova com bolero e hip hop; viola caipira com samba de chula… etc. O Nave e o Douglas foram produzindo e somando a colaboração de vários músicos fantásticos, a exemplo do Levi de Paula, Herbert Medeiros, Danilo Moura, André Jordão, Robson Beiço, Bruno Brito e outros tantos. Acredito que minha assinatura no samba tem muito a ver com a proposta dessas misturas, sabe? E com a adição de uma textura mais pop. Tento fugir de uma cadência padrão na condução do ritmo, de uma sequência previsível.

RG: Quem é o Caio longe das redes sociais? Quais seus hobbies?
CAIO: Caseiro ao quadrado (risos). Amo ficar quieto, em silêncio, me ocupando de miudezas em casa. Uso as redes basicamente para trabalho: divulgar os lançamentos – inclusive tem sido um processo interessante encontrar minha linguagem na forma de trocar com o público nas redes, porque não sou muito do perfil de superexposição digital. Temos falado sobre as músicas no Instagram numa perspectiva de reflexão, conversado sobre fatores de realidade no nosso país e contextualizado com as faixas. É uma abordagem que gosto bastante, mais filosófica.

RG: Alguma experiência específica musou a concepção do álbum? Algum fato engraçado que tenha acontecido em estúdio? E quanto tempo demorou?
CAIO: Se eu considerar a fase de idealização, antes de estruturar o repertório e conhecer o Douglas e o Nave, posso dizer que – sim – a crise dos 30 é real (risos). No ano da pandemia, eu tinha uma outra ideia sobre como seria o álbum – mudou completamente. Trintei, surto da COVID-19, nossa, em certo momento me questionava se eu deveria mesmo seguir com esse objetivo de carreira na música. Eu pensava até em outro nome para o disco, “Benzimento”. Acabei conhecendo os meninos através da cantora Bivolt e a Drica – empresária dela e esposa do Nave. A gente se esbarrou no m-v-f- em 2021, daí começamos a trocar figurinhas. Considerando a produção do primeiro single, a faixa “Passageiro”, levamos cerca de um ano e meio para produzir o álbum.

Foto: Tinho Souza

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