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Laerte Ramos ocupa o segundo andar da Galeria Estação

“Top-o-Lândia”- Foto: Divulgação

Em 2001, o artista paulistano Laerte Ramos, 45, realizou sua primeira de várias residências em renomadas instituições em países como França, Estados Unidos, Suíça, Holanda, Portugal e China. Naquele ano, em Paris, na Cité dês Arts, Ramos idealizou uma monumental série de desenhos produzidos ao longo de seis meses, com a meta diária de dez criações. A experiência resultou em um livro composto de 1.650 desenhos, muitos deles inspirados pela paisagem parisiense.

Agora, 22 anos depois, essa experiência de imersão criativa, que foi decisiva para o futuro de suas investigações como artista-pesquisador, é um dos pontos de partida para “O-lândia”, exposição que, entre 17 de julho e 12 de agosto, ocupará o segundo andar da Galeria Estação, em São Paulo.

Laerte Ramos – Foto: Acervo pessoal

A mostra individual reúne dezenas de trabalhos que dialogam entre si e compõem três séries: “Retroland”, “Top-o-Lândia” e “Omen”. Sobre esta ocupação, a galerista Vilma Eid afirma: “Estamos inaugurando o projeto Sala do Artista Convidado com Laerte Ramos, um artista visual multifacetado”.

Em “Retroland”, Ramos parte dos desenhos criados na residência em Paris para resignificar esses trabalhos em uma série de pinturas inéditas desenvolvidas a partir de diferentes suportes e técnicas tão características dos processos manuais adotados por ele. São peças desenvolvidas em madeira compensada, superfície que, além da rigidez necessária para a pintura, ganha novos simbolismos.

“Além de ser um material com aglomeração de memórias, de tipos de madeira diferentes por ser uma madeira de reflorestamento e de reuso, a utilização dessas madeiras também é uma referência às minhas matrizes de xilogravuras, técnicas que explorei intensamente no início da minha carreira”, explica.

Por meio de chapas de acrílico sobrepostas às placas de madeira, Ramos recupera desenhos extraídos do livro-diário produzido em Paris, que são gravados a laser sobre a superfície plástica. A junção entre pintura e desenho é feita com parafusos de aço que unem os dois elementos. Uma saída aparentemente técnica que também reitera a poética inerente às manufaturas do artista.

“Retroland”- Foto: Divulgação

“Os parafusos que ligam a pintura e a gravura em acrílico possuem uma distância significativa. Algo que faz uma alusão ao lapso de tempo entre a construção dos desenhos de 2001 às pinturas de 2021, 2022 e 2023, por isso o título da série: Retroland, que remete a paisagens, territórios, terras e o próprio tempo”, diz.

Na série “Top-o-Lândia”, as gravuras e pinturas dão lugar a esculturas feitas de cimento, com diferentes formas e multicoloridas. Suspensas por cabos de aço que ligam as obras ao teto e ao mezzanino da galeria, as esculturas fazem uma interlocução natural com as criações de “Retroland”, como se fossem versões tridimensionais das pinturas.

Recuperando outro momento chave para a carreira do artista, “Top-o-Lândia” é uma espécie de releitura da celebrada série “Casamata”, exposta no octógono da Pinacoteca de São Paulo em 2015. Exposição que, naquele mesmo ano, apresentou Ramos como o único artista presente no Pavilhão Brasileiro da Expo Milano, com público recorde de 15 a 30 mil visitantes diários.

“Em ‘Casamata’, as peças eram feitas em cerâmica, em formas de habitações de pássaros. Tinha sempre a cor branca da cerâmica, e algumas plantas. Essa série é um pouco mais achatada. Tem essa horizontalidade de topo e essa ligação com o teto, com a casa, com o lugar. Os motivos, as cores e os temas de ‘Top-o-Lândia’ se relacionam diretamente com as da série ‘Retroland’”, defende.

A série “Omen”, título que vem do inglês “presságio”, convida o público a submergir em uma atmosfera onírica criada a partir de um suporte praticamente inexplorado no Brasil: a lã de carneiro, que é submetida a um exaustivo trabalho de manipulação de cores, água e vários tipos de sabão. Moldadas em rolos feitos de esteiras de bambu, as tramas da lã de carneiro são construídas com a fricção dos pés do artista. Como resultado, Ramos obtém desse processo espécies de “pinturas sem tela”.

“Omen” – Foto: Divulgação

“Com o peso do corpo e o movimento de vai e vem do meu pé, a lã de carneiro acaba virando um feltro artesanal. Algo que parece complexo de explicar, justamente porque sou um artista que sempre procura estar nesse lugar da pesquisa. O trabalho de arte é muito mais do que uma decoração, do que uma peça que vai ilustrar uma sala ou adornar uma parede. É um objeto intelectual, um objeto de pesquisa. Demanda décadas de trabalho e pesquisa. Por isso a arte tem o valor inestimável de ser também essa busca por qualidade e troca de saberes. Por isso é importante ter residências de longo prazo, visitar ateliês e ter o seu próprio ateliê aberto para a troca de experiências. Isso é o que rege e me move enquanto artista”, conclui.

A exposição também contará com o lançamento do livro “Cité des Arts”, uma exclusiva reprodução do caderno de desenhos feitos por Ramos, em 2001, em Paris.

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