Top

Galeria Luis Maluf apresenta a mostra “Quando eles chegam em casa eu fico feliz”

Foto: Divulgação

Do diálogo travado entre os integrantes do coletivo que se autodenominam “vilões” – vem daí o vilanismo – com os curadores, e também artistas, Aline Bispo e Rodrigo Carinhoso, surge a exposição “Quando eles chegam em casa eu fico feliz”, uma mostra coletiva que abre à visitação em 8 de julho na Galeria Luis Maluf, no Jardins.

Com o objetivo de introduzir ao público suas práticas, entre as quais ressignificar e ampliar as representações da masculinidade negra, o coletivo formado apenas por homens, apresenta uma série de obras, algumas inéditas e desenvolvidas com exclusividade para a mostra, e traz, igualmente, uma seleção representativa da arte praticada individualmente por cada um dos artistas.

“Quando eles chegam em casa eu fico feliz” traduz um ato de carinho e cuidado que nasceu entre os integrantes do grupo: o de avisar aos outros quando, após um encontro, eles chegam em casa. Segundo Carinhoso, “a prática do amor entre homens negros de diferentes idades, sexualidades e territórios coadunam com o rompimento de uma masculinidade hegemônica. Mas, além da demonstração do carinho por nós está a violência que nos une e nos cerca, por isso tamanha a felicidade saber que chegamos em casa. Vivos!”

A convergência de linguagens encontrada nas obras é explícita. São pinturas, fotografias, colagens e arte de rua em um encontro plural e, mais que isso, significativo de uma luta contra as ameaças aos corpos negros, uma violência real, vividas cotidianamente pelos integrantes do vilanismo, que perpassa as obras expostas e faz ressoar a frase que abre o contra manifesto do grupo, no qual se lê: “A violência nos une”. A violência a qual eles se referem tem nome: racismo. A herança colonial legou uma sociedade dividida, na qual alguns indivíduos usufruem de certos privilégios pela subalternização daqueles que lhe são diferentes. A escravidão se justificou pela inferiorização dos africanos transplantados para o Brasil, e de seus descendentes, colocando-os como seres primitivos e selvagens. Ou, ainda, como vilões, figura que se delineia por oposição àquela do herói, usualmente representado como homem branco heterossexual.

Para desarmar a continuidade das operações sistemáticas que visam antagonizar o corpo negro, eles oferecem alternativas como a ironia e o afeto. “Nós brincamos com a raiva construindo ironias que não nos encerre numa definição única de homem negro”, afirma Carinhoso. De fato, se a sociedade transmitiu a esses corpos um papel bem definido, o de vilões, uma forma de mostrar a inadequação e o absurdo dessas construções é assumir o título, sem, contudo, ocupar completamente essa posição. Nisso, surge o afeto, dimensão usualmente excluída do perfil vilanesco.

Desse modo, o vilanismo busca desconstruir o imaginário que permeia a sociedade brasileira em que classifica certos indivíduos como vilões cuja dimensão de afeto é uma condição “base” dessas relações. O que os une é muito mais o sentimento de amizade, as práticas de cuidado, a generosidade um com o outro. É a partir do afeto que eles afirmam a legitimidade e a potencialidade de suas formas de vida e, como um meio de uma resposta à sociedade, na tentativa de reeducá-la, eles oferecem a construção de imaginários radicalmente negros e favelados, elaborados coletivamente.

Foto: Divulgação

“Quando eles chegam em casa eu fico feliz” reafirma o comprometimento da Luis Maluf Galeria de Arte com a pluralidade de vozes que habitam o cenário da arte contemporânea, servindo como plataforma para abordagens inovadoras e necessárias para a ampliação da compreensão de nosso presente.

O vilanismo surgiu no final de 2022, e conta, entre seus integrantes, com artistas iniciantes e consolidados no mercado, além de pesquisadores, curadores e críticos. Ao todo, são 11 os vilões: Ramo, Renan Teles, Thiago Consp, Rodrigo Zaim, Robson Marques, Rafa Black, Jeff, Diego Crux, Denis Moreira, Daniel Ramos e Rodrigo Carinhoso. Desde sua criação, a irmandade, forma pela qual os integrantes referem-se à organização, tem conquistado espaço no cenário artístico paulistano, ocupando distintos espaços da cidade, tal como o Sesc Pompéia, com o projeto “Cubo Preto”, a Diáspora Galeria, onde realizaram a residência artística Doze, além de parcerias com Centro Paula Souza e o Espaço Memória Carandiru, além da Funarte, que ocupam com proposta de ateliê coletivo.

As manifestações da violência que os unem são tanto materiais quanto simbólicas. O próprio surgimento do grupo, endereça acontecimentos que contemplam ambas as esferas. Por um lado, rememorava-se naquele ano o trigésimo aniversário do massacre do Carandiru, que acarretou na morte de 111 presos. Por outro, o centenário da Semana de Arte Moderna, evento da elite cultural e social de São Paulo, que prescreveu os caminhos do modernismo no Brasil, com a participação de figuras como Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti, que, em suas pinturas, fetichizaram o corpo negro, formulando clichês que ficaram impregnados no imaginário nacional.

Galeria Luis Maluf – R. Peixoto Gomide, 1.887, Jardins, São Paulo

Mais de Cultura