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RJ: Complexo Negra Palavra ocupa o teatro Poeirinha

“Pelada – A Hora da Gaymada” – Foto: Divulgação

O Teatro Poeirinha recebe a partir do dia 29 de junho uma ocupação artística realizada pelo Complexo Negra Palavra, que apresentará dois espetáculos de sucesso no cenário teatral carioca. “Pelada – A Hora da Gaymada”, escrito por Eudes Veloso e sob direção geral de Orlando Caldeira, que desenvolveu a dramaturgia com Eudes e Patrick Sonata, e “Negra Palavra – Solano Trindade” com direção do idealizador e roteirista Renato Farias e Orlando Caldeira, que também assina a direção de movimento. A temporada vai até dia 27 de agosto.

O Complexo Negra Palavra nasceu com a criação do espetáculo homônimo sobre a vida e obra de Solano Trindade. Com quatro anos de existência, tem em seu repertório ainda um terceiro espetáculo, “O Amor de Mulambo”, um solo de Leá Cunha, com direção de Cátia Costa e Renato Farias; desenvolveu sua própria roda de samba, o “Samba do Negra”; e trabalha na elaboração de dois novos projetos para dar sequência a suas linhas de pesquisa: poesia e dramaturgias próprias.

“Pelada – A hora da Gaymada” é uma peça escrita por Eudes Veloso, com direção geral, direção de movimento e idealização de Orlando Caldeira e direção musical e trilha sonora de Muato, que traz na raiz o tom de comédia para contar uma típica história do subúrbio carioca. Um espetáculo de teatro com números de circo e musical, costurado por projeção de imagens e exibição de um minidocumentário. Uma parceria do Coletivo Preto com o Complexo Negra Palavra.

Do cruzamento da clássica pelada heterossexual com a “gaymada” (adaptação do tradicional “jogo de queimado” pelos gays periféricos), a montagem apresenta os bastidores da disputa de dois times pelo uso do Campo do Furão – um campo que existe, de fato, em Olaria – antes que uma empreiteira o compre. Um embate por ocupação de espaço. A disputa entre o conservadorismo de um campo tradicionalmente de futebol e o desejo da realização do primeiro Campeonato de Gaymada em Olaria. O espetáculo ficará em cartaz às quintas e sextas-feiras, sempre às 21h.

Além do clima de disputa pelo campo para jogo, entra em cena também as divergências entre os jogadores – algumas vezes, até no vestiário. E momentos de estranhamento entre gays e héteros se fazem presente na história. “A gente escolhe, a partir do riso, mostrar o ridículo do ser humano. Nesse caso, estamos falando do ridículo desta heterossexualidade que precisa ser revisada e que só atrapalha o desenvolvimento pessoal de cada um, inclusive do homem hétero a expressar suas subjetividades. E como este comportamento também é violento com o corpo da mulher, do gay e das pessoas transexuais, escolhemos o riso para mostrar o ridículo e fazer esta análise”, antecipa Caldeira.

Na concepção do espetáculo, a busca é por revelar a poesia e diversidade do povo suburbano e promover a sua identificação com uma obra artística criada a partir de histórias sobre seu cotidiano.

“Negra Palavra – Solano Trindade” – Foto: Maria Clara Oliveira

Já o espetáculo “Negra Palavra – Solano Trindade”, que ocupa a sala aos sábados (21h) e domingos (21h), celebra a obra desse poeta pernambucano, ativista político, ator de cinema, artista plástico, pesquisador de culturas populares e homem de teatro.  Conhecido como Poeta do Povo, Solano foi, e segue sendo, uma referência fundamental na luta por igualdade no País. Vida e obra do poeta transformam-se em teatro através de uma narrativa composta exclusivamente por poemas. A pesquisa, chamada poema-em-cena, é realizada pela Cia de Teatro Íntimo, que completa 18 anos em 2023. A parceria com o Coletivo Preto traz um olhar sofisticado sobre o corpo do ator negro em cena.

Nove atores e uma atriz: a potência de seus corpos em conjunto prescinde de cenário. O corpo negro é colocado em cena como potência artística, como resistência política e como opção estética. E é fonte de musicalidade enquanto diz poesia, dança e produz música através da percussão corporal. Os corpos desenham o espaço, criam imagens ora poéticas, ora cotidianas, potencializando a poesia de Solano. A musicalidade e o corpo negro são tão importantes quanto a palavra, respeitando, assim, um estar no mundo pela ótica negra.

O espetáculo redimensiona a poesia de Solano, dando um basta a seu apagamento histórico. Corpo, música e poesia se entrelaçam para representar uma só história: tanto a do poeta, em seu tempo, como a dos homens negros contemporâneos, aqui e agora.

“O maior desafio – e creio que, também, a grande força desse trabalho – veio da percepção de que as poesias de Solano são profundamente atuais”, afirma Farias, roteirista e um dos diretores do espetáculo.

Encenada originalmente por dez atores antes da pandemia, o elenco passou por uma adaptação na retomada em 2021. A atriz Leá Cunha fez a transição de gênero durante o período em que as atividades culturais estavam suspensas em 2020 e, assim como nasceu socialmente, nasceu também no elenco do espetáculo. Poeticamente, podemos dizer que ganhamos a representação da figura mais importante da vida de Solano, Margarida, sua esposa.

Em cada apresentação, uma outra negra palavra une sua voz à voz de Solano. Convidamos artistas, pensadoras(es) e articuladoras(es) culturais para dividir o palco conosco para que o Complexo Negra Palavra continue seguindo o provérbio africano: “se quer ir rápido, vá sozinho; se quer ir longe, vá em grupo”.

Teatro Poeirinha – Rua São João Batista, 104, Botafogo, Rio de Janeiro.

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