Com 80 anos completados no último dia 3, o médico e apresentador Drauzio Varella é um homem cheio de planos. Como ele próprio diz, qual a alternativa, senão trabalhar e produzir?. Ele está certo, com toda a bagagem que acumula e conhecimento na área médica, não há por que parar. Prova disso é seu novo videocast, com programa de entrevistas, “Trocando Ideia com Drauzio Varella”, que passa no YouTube – ou seja, é aberto e gratuito.
A primeira temporada conta com nove entrevistados com perfis bem distintos, como o dramaturgo Zé Celso Martinez, a cantora Negra Li, o padre Júlio Lancellotti, o youtuber Felipe Castanhari, o rapper Dexter, a ex-deputada Erica Malunguinho e o fotógrafo Bob Wolfenson. A primeira entrevistada da série foi a atriz Isabel Teixeira.
A cada semana, sempre às quartas-feiras, às 19h, uma nova entrevista vai ao ar. O conteúdo é recheado de conversas informais e descontraídas, sempre com uma revelação por parte dos convidados. Na próxima quarta-feira (24.05), Drauzio recebe o youtuber Felipe Castanhari.
“Já fiz muitas entrevistas na área da saúde, com médicos e pacientes. Nunca havia feito um programa entrevistando personalidades. São pessoas que eu admiro. Algumas eu conheço há muitos anos, outras eu sempre quis conhecer. Estou aprendendo com elas. É muito gratificante começar algo novo aos 80 anos. Estou curtindo a experiência”, comenta Varella.
Dono de um portal de saúde que leva seu nome, cuja visitação ultrapassa 8 milhões de entradas mensais, o médico podia muito bem se acomodar e continuar com sues projetos na TV e na internet, mas a ideia é justamente o contrário disso.
Varella já pensa em uma série para a Internet em que pretende apresentar o SUS aos brasileiros, sistema único de saúde que atende a toda a população do País, ainda que com dificuldades e filas enormes. Mas isso tem solução. “Eu estou muito interessado em fazer uma série dobre o SUS, os brasileiros conhecem muito mal o SUS. Nós temos o maior sistema universal de saúde do mundo”, avalia.
Leia a seguir entrevista que RG fez com Varella por videoconferência.
O senhor acabou de completar 80 anos e continua produzindo sem parar, de onde tira tanta energia?
Olha, a alternativa é o quê? Ficar sem fazer nada? (Risos) Eu trabalho muito desde criança… Nem penso na idade, na verdade, porque é o que eu sei fazer. Eu tive o privilégio, de poucos, de poder fazer o que eu gosto. Muitas pessoas exercem funções que não gostam para ganhar dinheiro.
Como surgiu a ideia do videocast “Trocando Ideia com Drauzio Varella”?
Há tempos a gente falava sobre isso. A ideia final quem viabilizou foi o Jeferson Peixoto, da Júpiter, é quem faz acontecer toda essa interação que eu tenho com a internet hoje. Por enquanto o YouTube viabilizou tudo, estúdio, equipe, tudo, posso dizer que é um piloto. É uma coisa que eu penso há muitos anos, mas não adiante só pensar, tem de arrumar condições para executar o projeto.
Qual o objetivo principal do programa, levar entretenimento?
De uma certa forma, sim, claro. Mas é você trazer pessoas que têm histórias para contar, ideias que podem ser debatidas. A gente tem muita liberdade de escolher as pessoas que a gente acha que têm alguma contribuição para dar. E também porque tem gente que eu gostaria de conhecer, principalmente suas ideias, isso me enriquece, enriquece as pessoas que assistem. Acho que é uma coisa boa para todo mundo.
Como o senhor escolhe os convidados?
Aí é muito variável, porque alguns eu conheço há muitos anos, gente que eu admiro e tenho o maior respeito. Outros eu não conheço, mas já vi o trabalho, coisas na internet. Na realidade isso reflete a curiosidade que tenho por essas pessoas. Não estamos tratando de pessoas que já são muito conhecidas pelos meios de comunicação, embora alguns sejam, mas esse não é um critério que a gente utilize, não.
Já pensou em ter um programa de entrevistas na TV aberta?
Não, isso não, porque aí você entra em uma outra área, que te toma muito tempo, e eu já tenho pouquíssimo tempo. Nós fizemos essas nove entrevistas, concentrando as gravações em duas sessões. Então é um trabalho que você chega, faz e pronto. Agora entrar nesse esquema de televisão… Já tenho o “Fantástico” (TV Globo) que me toma muito tempo. E eu sei quanto trabalho dá fazer.
Como concilia sua vida como médico, consultor e apresentador?
Foi acontecendo, eu não premeditei. A única coisa premeditada foi a escolha da medicina. Fui um dos primeiros oncologistas da cidade de São Paulo, comecei no Hospital do Câncer em 1974, e nessa época a oncologia estava engatinhando. Acho que essa escolha foi decisiva, porque eu me dei muito bem com oncologia, eu gosto muito, e também peguei todo esses avanços que aconteceram na área nesses 40 anos.
Mas nas comunicações aconteceu completamente ao acaso. Eu fui envolvido na epidemia de Aids porque eu dirigia o setor de imunologia do Hospital do Câncer. Aí aparece uma doença que provoca depressão imunológica e infecções de repetição e câncer, que era tudo o que mais me interessava na medicina.
Eu entrei fundo nessa área, fiz um estágio em um grande hospital da área em Nova York, região que foi o epicentro da epidemia de Aids no começo dos anos 1980. Quando eu voltei para o Brasil, decidi escrever um artigo para o jornal “O Estado de São Paulo” falando sobre a doença. Na época, a Aids era chamada de “peste gay”, uma desinformação nesse nível. E esse artigo saiu em um domingo com destaque na capa do jornal. Os jornalistas começaram a me procurar para falar mais da doença.
Eu tinha um grande amigo, que era o Fernando Vieira de Mello, ele dirigia a antiga e saudosa Rádio Jovem Pan, à época, e me convidou para dar uma entrevista. Eu fiquei receoso, de cara, porque naquela época (1983, 1984) os médicos que apareciam na mídia ficavam muito malvistos na comunidade médica, achando que era uma autopromoção.
Mas como eu já havia escrito o artigo, decidi dar a entrevista, uma longa entrevista para a jornalista Maria Elisa Porchat. Eu encontrei um amigo na rua que disse ter escutado um trecho da entrevista no rádio, eu, então, liguei para o Fernando Vieira de Mello e disse que não podia ser assim, fragmentada.
Ao que ele respondeu que nada havia sido subtraído ou acrescentado, apenas o formato mudara para veicular a entrevistas em pílulas. Eu disse que isso era ruim e que eu ficaria malvisto na comunidade média. Foi então que ele me disse uma frase que foi decisiva: “Você tem que decidir se quer ficar bem com seus colegas ou divulgar informações de uma doença como essa no auge da epidemia”. E essa frase me pegou.
Eu entendi que tinha um papel a exercer. Então comecei a fazer pequenas vinhetas para a rádio Jovem Pan, depois para a rádio 89, rádio rock, em que eu falava para a garotada. E aí fui me envolvendo nessa coisa da comunicação.
O senhor se interessa pelas redes sociais, acompanha o Instagram e o Twitter?
Nós temos todas as redes sociais através do nosso portal de saúde, até o TikTok, que entramos há pouco tempo. Eu faço com o maior prazer porque é uma forma de comunicação. Tenho coluna na “Folha de S.Paulo” há décadas e no “Fantástico”, há mais de 20 anos. E você atinge determinados públicos através desses meios, mas não atinge outros.
Tem essa molecada de 30 anos, que eu chamo de molecada, que nem leem mais jornais, eles ficam na internet, e é preciso alcançar esse público também. Então eu faço esse trabalho nas redes sociais, me dedico a ele, dá trabalho, me toma muitas horas, mas eu faço e gosto.
Mas acessar as redes, ficar empurrando a tela para baixo, isso eu não faço (risos). Eu não faço porque essa coisa de ficar vendo imagens nas redes sociais encanta, e quando você vê já se passou uma hora que você está lá. E em segundo lugar é que não estou interessando em ler comentários de pessoas covardes, que usam a anonimidade da internet para ficar xingando, falando coisas desagradáveis, e eu não tenho tempo para ouvir o que essas pessoas têm a dizer.
Qual o público que o senhor pretende atingir com as entrevistas?
No geral, é voltado a todos, mas vamos entender isso conforme o programa for sendo visto. No portal, que tem 8 milhões de entradas por mês, nós temos uma ideia bem precisa de nosso público. Nesse programa nós teremos esses dados também, o percentual de homens, mulheres, gente no Brasil, de fora. Mas neste momento não estamos dirigindo o programa para um público específico.
Quais são os próximos projetos, o que podemos esperar de Drauzio Varella daqui para frente?
(Risos) Nós temos uma atividade que toma muito tempo. O meu site de saúde foi um dos primeiros a existir, ainda nos anos 2000, e aí depois foram saindo os canais nas redes sociais, Facebook, Instagram, Youtube etc. O portal é voltado à saúde, o que não quer dizer que você não tenha temas culturais, e esse programa de entrevistas é um deles.
No canal do YouTube, fizemos algumas séries de altíssima audiência, como o especial sobre a maconha. Outro sobre o trabalho do Médicos Sem Fronteiras, lá no Líbano com os refugiados sírios, uma de saúde no alto do Rio Negro, antes desse genocídio do povo Yanomami.
Eu estou muito interessado em fazer uma série sobre o SUS, os brasileiros conhecem muito mal o SUS. Nós temos o maior sistema universal de saúde do mundo. Nenhum país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes ousou ter um sistema de saúde para todos. E nós temos.
Claro que temos problemas, as pessoas comparam o SUS com sistemas de países desenvolvidos, como o NHS, no Reino Unido. Primeiro que o modelo deles não é beleza nenhuma, se você conversar com os britânicos eles reclamam muito do sistema de saúde deles. Segundo eles são um país com 60 milhões de habitantes, ricos. Agora, vai organizar isso para 210 milhões de pessoas, com a desigualdade que nós temos no Brasil, onde há gente com avião particular e outras que passam fome.
Quando eu comparo o que era a saúde pública quando eu saí da faculdade de medicina… Quem viu essa realidade e vê o que é hoje… Eu nasci em um bairro operário, eu não tive pediatra, nem meus irmãos. Nenhum dos colegas que jogavam bola comigo tinham.
Onde eu nasci, no Brás, perto do Largo da Concórdia, até o Centro, a pé, dava 30, 40 minutos, nós não dávamos médico para o primeiro bairro depois da Sé, de uma cidade que se industrializava naquele tempo. Como era a saúde pública das pessoas que moravam no interior, que era maioria da população? Aí, uns visionários, colocaram na Constituição que saúde é um bem de todos. Eu confesso que quando ouvi a primeira vez isso, eu achei que era impossível, mas nós conseguimos realizar.
E hoje faço programa para a TV nos lugares mais difíceis, beirada de rio no Norte, no Nordeste, e não encontramos nenhuma criança sem acesso ao PNI (Programa Nacional de Imunizações). Tem sido um esforço brutal, mas é claro que tem problemas, tem também programas no SUS que são citados no mundo inteiro, como o PNI, que agora, nos últimos quatro anos, foi quase destruído.
Tomara que a gente consiga recuperar o dano que o PNI passou. O Brasil é o país que mais faz transplantes de forma gratuita no mundo. Nos Estados Unidos eles fazem mais do que nós, mas lá você paga pelo transplante. Para as pessoas o SUS é um hospital lotado de gente. Agora com a pandemia nós conseguimos ter uma ideia do que é o Sistema Único de Saúde.
Seria muito interessante se a gente pudesse fazer uma série mostrando que o SUS tem solução, e essa solução está pronta, o SUS tem tudo o que precisa, desde o agente de saúde que bate na porta de uma casa e vai ver como estão aquelas pessoas, quais são os problemas que eles têm, até os hospitais terciários, que fazem transplantes, cirurgias cardíacas, nós temos mais de 40 mil Unidades Básicas de Saúde (UBS).
O que nos falta é uma política pública de saúde, coisa que o Brasil não tem, e por que não tem? Porque o Ministério da Saúde é usado como moeda de troca. Antes desse último governo eu fiz uma coluna na Folha em que levantei os ministros da saúde de 2008 a 2018, nesses dez anos nós tivemos 13 ministros da saúde, a médica de permanência no cargo: 10 meses.
Você acha que é possível organizar um sistema complexo de saúde como é o SUS em dez meses? É um ministério que só faz compras, então há um grande interesse em participar disso. E isso que acontece no nível federal acontece no nível estadual e municipal também. Precisa de planejamento. Essa coisa de você ficar doente e ir para o pronto socorro é coisa do passado.
Hoje a faixa que mais cresce é a população que está acima dos 60 anos, e acima dessa idade temos outros problemas, temos doenças crônicas, cardiológicas, pressão alta, diabetes, problemas neurológicos. Os problemas crônicos… O objetivo é completamente diferente de quando o SUS foi criado, que era tratar os problemas de saúde que surgiam em uma população predominantemente jovem. Nas doenças crônicas o objetivo não é curar as pessoas, é controlar. E isso não é problema só do Brasil é do mundo inteiro.
E essa série sobre o SUS seria para internet ou TV?
Internet. A TV não tem esse tempo, e você não pode ter essa restrição de tempo, tem de mostrar como é, como funciona. Por que às vezes em uma cidadezinha pequena o atendimento é excelente e na cidade vizinha é péssimo? São coisas que temos que entender para organizar a assistência técnica. Existem muitos estudos que mostram que quando você tem a atenção primária que funciona, você reduz de 80% a 90% as internações. Ou seja, se tivesse funcionado as UBSs esse caso estava resolvido.
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