Top

Summer Breeze Brasil: festival de metal já chega ao “terceiro sabor” logo em sua estreia

Foto: @raphagarcia

Por Gustavo Silva

Existe um conceito bem importante na harmonização entre comidas e bebidas que é o terceiro sabor. Trata-se de um ideal: os ingredientes do prato somados aos atributos da cerveja (ou do vinho, ou do drink) geram um resultado que é maior do que a soma dos elementos. O coletivo torna-se maior do que a união de tudo aquilo que está apresentado de forma separada.

A lógica gastronômica se aplica à estreia do Summer Breeze Festival, evento que chega neste ano à sua 25ª edição na Alemanha, onde nasceu e se popularizou como um dos grandes festivais de metal do continente europeu.

Pela escalação do line up, as origens teutônicas da festa se mostravam perceptíveis em alto e bom som – dos headliners dos palcos do primeiro dia (Blind Guardian e Accept) a nomes como Avantasia, Grave Digger, Kreator e Voodoo Kiss). O Summer Breeze Brasil traçou um caminho particular, sem apostar em grandes medalhões que, por si só, seriam responsáveis por lotarem sozinhos o Memorial da América Latina, o (excelente) espaço que acolheu os dois dias de evento, dividido em três palcos – um secundário e dois principais, localizados um ao lado do outro.

Os palcos gêmeos, um conceito popular em festivais europeus, foram das grandes sacadas do festival. O intervalo entre shows era de cinco a dez minutos, de forma que o silêncio era (felizmente, no caso) uma commodity escassa. Mas não foram apenas os curtíssimos intervalos entre os shows que fizeram do Summer Breeze uma experiência onde o tédio não tinha espaço. Entre feira geek, stands de discos, exposições de terror, ativações comerciais e estúdios pop up de tatuagem, além das diversas opções de alimentação espalhadas principalmente pela área secundária, todo momento existia algum entretenimento para o público majoritariamente de camisas pretas de nomes ininteligíveis.

Foto: @welpenilha

Os artistas contribuíram para a sensação, pois áreas de autógrafos também foram formadas, além da ocupação do teatro do Memorial para palestras de gente do quilate de Bruce Dickinson. E, claro, havia a música, a estrela principal do final de semana, dispersa entre as quase 40 atrações divididas entre os dois dias.

As opções eram para todos os gostos – contanto, claro, que o seu gosto transite entre uma das várias ramificações do metal. Do extremismo de DNA brasileiro das mulheres do Crypta às raízes do grindcore regadas pelo Napalm Death, passando pelo tradicionalismo do Accept (com direito ao que há de mais divertido em termos de performance no palco, com movimentos sincronizados entre os músicos e um hino como “Balls to the Wall”) à modernidade do Bury Tomorrow e o grunge pesadíssimo do Stone Temple Pilots.

Destaques? O Lamb of God chegou com expectativas de ser um dos maiores shows do primeiro dia, e cumpriu a deixa com uma performance ensandecida do vocalista Randy Blythe, que instigou rodas gigantescas com o groove e velocidade de Redneck; o Kreator trouxe ao palco o lado mais maléfico (ou caricato, dependendo do ponto de vista) do metal, com bonecos empalados, enforcados e labaredas como cenário de pedradas como “Satan is Real” e “Enemy of God”; e o Blind Guardian fez valer a pecha de headliner com segurança ímpar ao misturar clássicos e a execução de um disco na íntegra (“Somewhere Far Beyond”, de 1992), e dar ao público um dos momentos mais bonitos do festival com “The Bard’s Song”, quando o vocalista Hansi Kürsch mal precisou cantar as estrofes de uma das músicas definitivas do metal.

Foto: @welpenilha

Por sua vez, o Parkway Drive, um dos grandes nomes do metal da atualidade e destaque nos maiores festivais do estilo pelo mundo, embora com muita energia e labaredas impulsionando seu metalcore de camadas melódicas, não teve cacife (e nem músicas, pois encerrou o set pelo menos antes do previsto) para segurar o posto de headliner da segunda noite, brigando em tamanho com o público do Stratovarius. A banda de metal melódico finlandesa, cuja frequência em terras brasileiras é tão grande que possivelmente seus integrantes já pedem Nota Fiscal Paulista nas constantes passagens por São Paulo, fechou as atividades do palco secundário. Um momento para definir como “jabuticaba brasileira” – ou seja, só por aqui, mesmo.

Outras particularidades brasileiras, como a temível pista VIP, encontraram um ponto de equilíbrio ideal no Summer Breeze. A área foi espaçosa o suficiente para acomodar com algum conforto aqueles que se dispuseram a pagar mais pelo acesso por meio do pacote Summer Lounge (que, de fato, contava com um lounge exclusivo e bem aprazível para seus frequentadores), mas não grande o bastante para colocar a grande maioria do público a distâncias obscenas do palco. Contudo, o volume spinal-tapiano das apresentações, cuja altura e frequências poderiam gerar resultados já exibidos por David Cronenberg, muitas vezes fizeram que o privilégio parecesse uma punição a quem se colocava de frente às bandas.

Foto: @welpenilha

Mais do que uma sequência ótimos, bons e minimamente satisfatórios (categoria na qual se encaixou o tributo ao finado vocalista André Mattos, com integrantes das bandas pelas quais passou – Viper, Shaman e Angra – fazendo uma maçaroca sonora pouco ensaiada, mas lideradas com talento ímpar por Alírio Neto), o Summer Breeze estreia como o festival definitivo de metal no Brasil. Tal como uma harmonização sublime, a combinação de todos os seus elementos fizeram com que o evento se tornasse maior que a soma de seus artistas – e mais do que assistir a shows, a experiência de vivenciar o festival em si é o grande prazer.

Mais de Cultura