Musical fica em cartaz até 14 de maio no rooftop do Teatro Santander, em São Paulo – Foto: Stephan Solon
Não são muitos os espetáculos que começam com barulho estrondoso de tiroteio – e provavelmente não são muitos os que conseguiriam fazer isso dar certo. Mas “Bonnie & Clyde” quer te surpreender. No musical, os mocinhos não fazem tudo certo, e os vilões não fazem tudo por pura maldade.
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A peça é ambientada em um bar no rooftop do Teatro Santander, bem no estilo dos tradicionais speakeasies, que surgiram às escondidas na década de 1920 nos Estados Unidos com a implementação da Lei Seca. A trama começa pelo final, sem rodeios: o casal procurado pela polícia é alvo de vários tiros em um Ford V8 em movimento. O carro era o preferido de Clyde – reza a lenda que até escreveu uma carta a Henry Ford elogiando o modelo –, e os atores-produtores da peça fizeram uma roadtrip até Curitiba em busca de um original, que fica exposto na entrada.
“Queríamos pegar a estrada juntos. Era o que eles faziam, certo? Foi significativo ir buscar o carro, ver a lataria de perto, a história desse carro com seu dono, as conversas no carro e os sonhos se realizando”, conta Eline Porto, que interpreta Bonnie.
Foto: Stephan Solon
O espetáculo te transporta para o interior dos Estados Unidos da década de 1930, fazendo o espectador entender exatamente como era a vida daquelas pessoas no período pós-Grande Depressão. Mais de uma década antes, os célebres bandidos eram dois jovens que vieram de famílias humildes no Texas e no Kansas. Clyde, desde adolescente, estava inconformado com sua situação e vivia na mira da polícia por pequenos furtos, enquanto Bonnie sonhava acordada com o dia que seria uma grande estrela de Hollywood. Seus caminhos se cruzam e são consumidos por uma paixão avassaladora, mas extremamente tóxica.
“É uma relação tóxica sim e acho importante abordarmos no teatro temas como uma forma de alerta, pois infelizmente muitas mulheres ainda passam por isso. Existe o amor, mas no caso dos dois, ele se torna quase doentio e ultrapassa os limites da moral, a fim de terem o tão sonhado estrelato. Para Bonnie, tudo se mistura e fica difícil deixar essa relação, ela cogita, mas não consegue. E o fim todos já sabemos qual é, tanto na na ficção, quanto na realidade”, diz Eline.
Só é possível perceber todas essas nuances porque o comprometimento em cena de Beto Sargentelli (Clyde) e Eline Porto (Bonnie) é impecável. A peça é dinâmica, interativa, e eles não saem do personagem nem por um milésimo de segundo. Os vários e contraditórios sentimentos estão todos lá, e perceptíveis pelo olhar – paixão, desejo, raiva, frustração, medo, ansiedade, esperança. O elenco consegue atravessar o público com todos eles, cumprindo a inacreditavelmente difícil missão de humanizar uma dupla de bandidos e assassinos.
Não necessariamente simpatizar, nem mesmo torcer para que tenham um final feliz – até porque essa possibilidade é descartada desde o início –, mas faz o público enxergar a linha de acontecimentos que culminaram no destino do casal.
Foto: Stephan Solon
Como afirma Sargentelli, “a gente não defende nem um lado nem outro, não acusa nem inocenta o Clyde, cada um fica com sua interpretação de acordo com seu background, com o contexto que viveu”. “Entendi esse fruto da sociedade que é o Clyde, dessa depressão americana que influenciou toda uma geração, uma desesperança, uma vontade de ter algo a mais na vida e, ao mesmo tempo, uma miséria.”
“O sistema carcerário, no caso do Clyde, é que transformou ele num bandido um pouco mais sanguinário. Até então, ele era um ladrão de galinhas, mas quando foi preso passou por algumas coisas dentro da cadeia que transformaram ele num bandido um pouco mais inconsequente e um assassino”, afirma.
Apesar de temas pesados e da tensão que permeia o enredo, o musical consegue trazer elementos de humor espertos nos diálogos e cenas, inclusive nos momentos de interação com o público. Prepare-se para rir, chorar, sentir medo, angústia e refletir sobre questões atuais, mesmo quase cem anos depois de quando a história se passou. Uma experiência de teatro completa.
ESPETÁCULO SONORO
Foto: Stephan Solon
A música merece um destaque à parte. Além dos efeitos sonoros que conduzem o público pela jornada da dupla, todos os cantores são excepcionais. A responsabilidade era grande, já que o musical original teve sua estreia na Broadway em 2011 e foi indicado a dois Tony Awards. A adaptação brasileira conseguiu trazer o espírito do rock, blues e da música gospel norte-americana.
Para Sargentelli, houve mais uma camada de desafios, já que ele tinha acabado de fazer o personagem Tony, em “West Side Story”. “É um mocinho, romântico, vocalmente muito mais aproximado do canto lírico”, explica. “Dei essa reviravolta porque embarquei nesse anti-herói, canta rock ‘n roll, blues, uma voz mais suja, com drive, uma característica totalmente diferente vocal e principalmente psicológica.”
A produção conta com versões assinadas pelo indicado ao Prêmio Bibi Ferreira 2022, Rafael Oliveira, responsável por traduzir o texto e as 22 canções, repletas de elementos do country, western, blues e pop da Broadway.
SERVIÇO
Musical “Bonnie & Clyde”
Local: 033 Rooftop do Teatro Santander (cobertura)
Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 2041 – Vila Olímpia – São Paulo
Em cartaz até 14 de maio de 2023
Ingressos aqui