Cultura

Rio: Pesquisa sobre travesti de Renata Carvalho vira o espetáculo “Manifesto Transpofágico”

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Renata Carvalho em cena de “Manifesto Antropofágico”- Foto: Danilo Galvão

Após estrear em São Paulo em 2019 e realizar, a partir de 2021, uma temporada de sucesso que abarcou países da Europa como Itália, França, Espanha, Irlanda e Holanda, além de Uruguai, Chile e Estados Unidos, “Manifesto Transpofágico” finalmente chega ao Rio de Janeiro. Continuidade de uma pesquisa cênica sobre o corpo travesti realizada por Renata Carvalho, que encena o solo e assina a sua dramaturgia, a montagem dirigida por Luiz Fernando Marques (Lubi) que aporta no dia 17 de abril às 19h no Teatro Firjan Sesi Centro (Av. Graça Aranha, 1 – Centro, RJ) fala direto com a plateia, como um depoimento, mas também a envolve neste jogo cênico.

A transpofagia de Renata consiste em se alimentar das suas e dos seus – da sua transcestralidade – as digerindo e devolvendo em arte, literatura e/ou educação. Ela é graduanda em ciências sociais e estuda os corpos trans desde 2007. Neste manifesto, a artista convida o público a olhar incansavelmente para o seu corpo travesti e lhe apresenta a historicidade dele. Para isso, pensou em cada detalhe para que a plateia se sinta acolhida em absoluto – do título da montagem à narrativa, passando pela iluminação e o volume do som.

“A peça inicialmente teria o nome de ‘Eu travesti’, mas quando a escrevi estava sendo muito atacada por representar Jesus em ‘O evangelho Segundo Jesus, Rainha do céu’ e também pelo lançamento do Monart (Movimento Nacional de Artistas Trans) e do ‘Manifesto Representatividade Trans’, com a luta pela pausa na prática do transfake”, relembra Renata sobre seus projetos. “Existia – e existe – uma dificuldade das pessoas em pronunciar a palavra travesti, e acreditei que a peça teria dificuldade para entrar em cartaz e ser noticiada. Então resolvi dar um nome mais teatral, mais digestivo, que soasse confortável aos ouvidos”, ironiza ela, que também fundou o Coletivo T – primeiro coletivo artístico formado integralmente por artistas trans.

A ideia da também diretora e ativista dos direitos humanos e LGBTQIAPN+, com foco nas pessoas trans e travestis, é despertar a consciência do nosso grau de transfobia em 2023. “Qual é a imagem da travesti que todes nós ainda precisamos desconstruir? Onde cada um de nós estamos nessa estrutura transfóbica? A narrativa é construída para que nada abale a fragilidade cisgênera e desvie do tema. A música não é alta, as luzes na plateia acendem gradualmente. Estou microfonada, não grito para não colocarem esse corpo como violento. Falo de forma calma e pausadamente, entre 6 e 8 hertz – volume agradável aos ouvidos. As palavras são bem escolhidas, não podem ser impositivas ou acusatórias. Estudei comunicação não violenta para conseguir me comunicar melhor, valorizando assim as minhas ideias/texto/palavras/arte, e aprendendo a controlar melhor a minha raiva”, diz Renata.

O espetáculo é dividido em duas partes: na primeira, um corpo apenas de calcinha no palco narrando, dentre outras coisas, o devir travesti daquele corpo denunciando a construção social, criminal, patológica, sexualizada, religiosa e moral que permeia o imagético do senso comum sobre o que é ser uma travesti / ter um corpo travesti. Na segunda parte, a proposta provoca uma conversa ética e sincera com o público.

“O que o meu corpo travesti ainda carrega do que foi mostrado no palco? O que todes nós que estamos nesse teatro/espaço ainda carregamos daquela época? Por que ainda carregamos? É aberto ao público fazer qualquer pergunta, comentário, depoimento. Se quisermos juntes, este será o lugar onde podemos errar, e com isso, aprender”, acredita a artista.

Renata nomeia seu estudo: “Transpologia”, que denuncia a construção social, midiática, patológica, religiosa, criminal e hipersexualizante que permeia o imaginário do senso comum sobre pessoas trans/travestis. O imagético construído com o auxílio das artes com suas narrativas viciadas, estereotipadas e cheias de arquétipos com conteúdo transfóbico em suas apresentações e representações, a transfobia recreativa e o corpo risível das pessoas trans/travesti na arte e no humor, e por fim, a prática do transfake, que exclui corpos trans/travestis dos espaços de atuação e criação artística.

Falar de transfobia no País que mais mata transexuais e travestis pode ser desafiador, mas Renata entende que sua missão em cena também é educacional. “Acho que o meu maior desafio é transformar essas pautas em arte, dar luz a algo que possa causar reflexão em quem assiste. Esta luta também é pedagógica. Como também estou no processo de aprendizagem, tento acolher toda pergunta/ comentário/depoimento não interrompendo para corrigir, por exemplo, e sem julgar a fala. O espetáculo propõe um diálogo ético e sincero sobre o tema, então preciso acolher essas falas, senão eu travo o jogo, as pessoas não abrem mais a boca e vão para casa com tudo internalizado”, considera.

Dedicada à escrita de textos, roteiros e livro, Renata segue em pesquisa para “Diáspora”, peça que, sob sua direção e dramaturgia, vai narrar a histórias de travestis e mulheres trans que saíram do Brasil sonhando com uma vida melhor na Europa. Está também escrevendo e dirigindo alunos da Universidade de Lille, na França, e ampliando o Monart para a Itália e Portugal. No streaming, poderá ser vista nas séries do Globoplay “As Five” (3ª temporada) e “Fim”. E no cinema, no curta-metragem “Dinho”, de Leo Tabosa, e no longa-metragem “Salomé”, de André Antônio.

“Acredito que tenha conseguido tornar o debate público sobre a presença de corpos trans nas artes por estar nela há 27 anos. Por ter conseguido permanecer, produzir, errar, repetir, de ter a prática do fazer artístico e, dentro desse fazer, nasce a pesquisadora e transpóloga que verticaliza o tema. E na busca do meu eu, do meu ser travesti, encontrei meu coletivo, minha transcestralidade, meu ser político. Essas junções possibilitaram a consciência e o despertar para conceituar essas ausências. É a arte cumprindo seu papel”, finaliza.

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