Quando um homem se torna pai, ele recebe as felicitações e sua vida profissional segue igual. Já a mulher, ela se programa, se organiza e a sensação é de que ainda está devendo algo. Essa reflexão ocorreu ao longo do papo com a atriz Amanda Lee. Com 25 anos de carreira, ela sente-se como se estivesse recomeçando do zero a sua trajetória e não de onde parou quando decidiu se afastar da TV para estar integralmente com os filhos pequenos.
“Eu sei que sou muito privilegiada. Pude fazer isso. Trabalhei anos sem parar, me estabeleci financeiramente e tinha essa tranquilidade para viver aquele momento, eu queria estar com eles”, explica a atriz, que sente que o retorno não foi tão fácil: “Minha percepção é de que o mercado não abraça a mulher que acabou de ser mãe. E se nós ainda decidimos optar pelos filhos naquele momento, parece que cometemos um erro imperdoável. Nesse tempo, recebi uns convites, mas eu não me sentia pronta. E sinto que isso criou uma mágoa, sabe? A mulher precisa sempre dizer sim, se adequar, se moldar… Vivemos uma mudança de pensamentos e eu fico feliz, porque faço parte dessa luta”.
Inicialmente, Amanda retomaria os trabalhos em 2019, mas a pandemia de covid-19 adiaram os planos. Agora, no entanto, o retorno é em dose dupla. Ela está na aguardada segunda temporada de “Todas as Flores” (Globoplay) e na quinta temporada da série “Impuros”, da Star+.
Até 2012, você vinha emendando novelas. E com a gravidez da Rafaela, você optou por frear esse ritmo?
A gravidez da Rafaela não foi planejada, mas ela veio com um amor gigante e imediato. Foi ela que deu o pontapé inicial para a formação da minha família. Eu sempre vivi para mim, sempre fui muito intensa. E aproveitei muito. Quando descobri que teria um ser dependente de mim, uma chave mudou. Eu queria estar ali ao lado, queria ser uma figura essencial na criação dela. Foi um processo natural. Quando nasce um filho, nasce uma mãe. Passei a entender isso.
Depois veio o Vitor. A chegada dele foi mais definitiva para essa pausa?
Acho que o Vitor chegou para tirar as dúvidas, sabe? Se eu ainda me culpava por causa do trabalho e carreira, com ele, eu entendi que uma chave virou na minha vida. Eu comecei a trabalhar em 1997. E fui direto até 2012. Foram muitos trabalhos e, graças a eles, eu pude ter as minhas economias, pude ter uma estabilidade financeira que me privilegiou para ser mãe em tempo integral. Tinha ainda um contrato ativo até 2014. Pensei: Por que não viver essa experiência de estar presente em cada etapa, cada descoberta? Vejo eles hoje maiores e tenho o coração tranquilo de que não perdi nada. É muito privilégio, eu sei.
No teatro, você permaneceu atuante até 2018, correto?
Sim, permaneci. O teatro tem uma engrenagem muito diferente da televisão. Você tem o período de ensaio e depois o tempo em cartaz. Novela, que foi o que eu mais fiz, você tem uma média de 12 horas de gravação de segunda a sábado por um
ano. É uma rotina diferente e que eu saberia que perderia muitas das descobertas dos meus filhos. Foi algo pensado e desejado.
E quando decidiu que estava na hora de voltar?
Eu sou atriz, é a minha formação. E quando se é artista, surge aquela inquietação. E eu comecei a ver meus filhos maiores, independentes na medida da idade de cada um, e percebi que poderia voltar ao trabalho com a consciência plena de que vivi todas aquelas etapas das descobertas. Em 2019, eu decidi voltar, procurei um bom agente, o Márcio Damasceno, e começamos esse processo. Logo em seguida, veio a pandemia de Covid-19 e tudo ficou suspenso.
Você se sentiu acolhida pelo mercado?
Não, eu não me senti. Tive alguns convites logo após as minhas gestações e eu disse não, porque eu queria estar com os meus filhos naquele momento. E eu sinto que isso criou alguns obstáculos. Um homem que se torna pai, ele não passa por esse processo. Ele recebe os parabéns, segue trabalhando, conquistando cargos…
Qual é a sensação dessa retomada?
Eu não sinto como se estivesse voltando de onde parei. E olha que são 25 anos de carreira. Eu sinto como se estivesse recomeçando. E ok também. Estudei muito nesses anos e me vejo uma atriz muito mais preparada para qualquer desafio. Mas é um novo início.
Você percebeu a diferença do mercado entre homens e mulheres?
Impossível não perceber. Tive amigas que logo após a licença-maternidade foram desligadas dos seus trabalhos. Eu optei por dar uma pausa e quando quis voltar, as portas estavam emperradas, digamos assim. Não vejo um homem que foi pai passar por isso. Vejo a luta feminista e ela é extremamente necessária para trazer essa igualdade que ainda não existe em tantos aspectos da sociedade.
Lembro que sua pós-gravidez foi com muitas pessoas comentando sobre o seu corpo. Como foi esse período?
Foi bem traumático. Foi um período em que eu me olhava no espelho e chorava. As pessoas eram cruéis e falavam do meu corpo… Eu encontrei zero empatia no meu pós-parto. A mesma coisa aconteceu com o Vitor. Um colega me disse: “Você era tão linda. Por que fez isso com o seu corpo?”. Eu estava com uma bebê de um mês em casa. Minhas prioridades eram outras. Apesar de saber isso, é claro que meu psicológico ficou extremamente abalado. Depois, com calma e as crianças crescendo, eu fui descobrindo o meu novo corpo, agora o corpo de uma mulher mãe de dois filhos, e que ama praticar esportes.
Quais lições você aprendeu?
Aprendi a ser paciente, resiliente, acredito que temos que viver um dia de cada vez. Quando os problemas surgem, não dá para administrar todos de uma vez. É escolher um, resolver, pegar outro, resolver… Dia após dia.
De onde tirou forças para manter o seu equilíbrio?
No esporte e na minha família. Sou triatleta amadora e praticar exercícios salvou a minha mente de um colapso mesmo. É a forma que eu organizo os meus pensamentos. Sou uma pessoa muito mais feliz hoje.
Conte-nos sobre “Todas as Flores”?
Eu estou muito animada com a delegada Teixeira. Ela vem para infernizar a vida da Zoé (Regina Casé) e ir atrás dos crimes dela. Eu amo essa novela. É uma honra ter feito um texto do João Emanuel Carneiro. Ele é um gênio. Foi um presentão mesmo.
E a série Impuros?
Faço uma policial na quinta temporada. Personagem boa e que eu amei todo o processo.
Será que você tem um talento escondido para ser policial?
Acho que eu levo super jeito (risos). Fui bastante elogiada nos treinamentos. Se não amasse tanto ser atriz, poderia estar descobrindo uma nova vocação (risos).
Você se arrepende da escolha de pausar a carreira?
Absolutamente! Fiz tudo o que eu quis. Tenho essa tranquilidade da escolha que eu fiz de estar full time com meus filhos nos primeiros anos de vida deles. Tive esse privilégio.
E o que diria para outras mulheres?
Siga os seus instintos sempre. O instinto é a única bússola que nós temos, é genuíno. Vamos encontrar pessoas cheias de opiniões e ensinamentos para te dar lição. Siga apenas o seu coração e intuição.