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Masp apresenta mostra do pintor francês Paul Gauguin, em abril

“Autorretrato”, de Paul Gauguin – Foto: Divulgação

O Masp (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand) apresenta, de 28 de abril a 6 de agosto de 2023, a mostra “Paul Gauguin: o outro e eu”, que ocupa o espaço expositivo no 1º andar do museu. Com curadoria de Adriano Pedrosa, diretor artístico (Masp), Fernando Oliva, curador (Masp), e Laura Cosendey, curadora-assistente, do Masp, a exposição reúne 40 obras, entre pinturas e gravuras, e discute de maneira crítica a relação do artista pós-impressionista com a ideia de alteridade e da exotização do “outro”.

O projeto, que inclui ainda o lançamento de um catálogo com ensaios inéditos e 151 imagens, enfrenta questões que por muito tempo foram deixadas de lado nas exposições sobre Paul Gauguin (Paris, França, 1848 – Ilhas Marquesas, Polinésia Francesa, 1903), especialmente o modo problemático como sua obra reforçou um imaginário sobre o “outro”, além das tensões entre sua biografia e a imagem que criou de si. A mostra tem patrocínio master do Bradesco e patrocínio da Vivo e Mattos Filho.

Gauguin realizou no Taiti suas pinturas mais conhecidas, representando tanto as paisagens do lugar, como seu povo e seus costumes. “Sua produção desse período suscita temas como as contestadas noções de primitivismo, um imaginário sobre o ‘exótico’ e os ‘trópicos’, e apropriação cultural; além de questões relacionadas à sexualidade, androginia e erotização do corpo feminino. Apesar de muitas vezes terem sido tomadas por reproduções fiéis da Polinésia Francesa, essas obras carregam em si as fantasias que um homem branco e europeu tinha de uma região considerada paradisíaca, intocada pela ‘civilização’ europeia”, analisam os curadores Oliva e Laura.

“Paul Gauguin: o outro e eu” é a primeira exposição no Brasil a abordar de maneira crítica os conteúdos centrais da obra do artista, com foco em dois temas emblemáticos que emergem no conjunto apresentado no Masp: os autorretratos e os trabalhos produzidos durante sua permanência no Taiti, que se tornaram alguns dos mais conhecidos de sua trajetória.

Dentre os 40 trabalhos da exposição, dois deles pertencem ao acervo do Masp: “Autorretrato” (perto do Gólgota) e “Pobre Pescador”, ambos de 1896. Os demais são empréstimos de 19 instituições internacionais de renome, como Museu d’Orsay (Paris, França), Metropolitan Museum of Art (Nova York, EUA), Getty Museum (Los Angeles, EUA), Museum of Fine Arts (Budapeste, Hungria), National Gallery e Tate (ambas em Londres, Reino Unido).

Em “Autorretrato” (perto do Gólgota), adquirido pelo Masp em 1951, o artista sintetiza e faz transcender o próprio tema do “outro e eu”, ao retratar-se com características semelhantes à figura de Jesus, com cabelos longos e túnica, e localizado próximo ao calvário, como enunciado no título da obra. Soma-se a esses elementos o seu “perfil inca”, sempre demarcado em seus autorretratos, acentuando os traços retos de seu nariz – identidade reivindicada por ele, que não se identificava como um típico artista parisiense.

O impacto causado por sua obra pictórica, que inaugurou um novo pensamento sobre pintura e apropriação de imagens, também repercute em suas escolhas de vida, que ainda hoje são motivo de debate, sendo determinantes para a visão criada sobre sua figura. A “genialidade incompreendida”, que o artista alegava, o não pertencimento a uma “civilidade” europeia, a entrega de sua pintura à visualidade de universos longínquos e pouco desbravados eram frequentemente performados pelo próprio artista.

“Como resultado de amplas pesquisas iconográficas, conhecemos inúmeras referências da cultura visual usadas por Gauguin – seu ‘museu imaginário’ – complementando aquelas que foram encontradas entre pertences do artista em seu ateliê após sua morte. A mesma reprodução de imagens também acontece no corpo de seu trabalho: pinturas com personagens individuais ou pequenos grupos são replicadas em outras obras, até chegarem a composições maiores como em “Faa Iheihe” (1898). O artista recombina suas figuras com variações sutis. Passa a não apenas citar a obra de outros artistas, mas a sua própria, numa espécie de diálogo consigo mesmo”, pontuam os curadores.

Influências egípcias e japonesas também surgem na combinação de imagens de referências artísticas e fotográficas de Gauguin, o que é evidenciado em “Pobre Pescador” (1896). A personagem central foi retirada de uma representação do faraó Seti I em um dos relevos do Templo de Abidos, sendo representada de perfil e com um gestual geometrizado. No que concerne à vista ao fundo, o artista foi influenciado pelas composições das gravuras ukiyo-e japonesas, “empilhando” as camadas da paisagem no sentido vertical da composição, além de trazer um tratamento característico da mesma visualidade para elementos naturais, como as montanhas e o quebrar da espuma das ondas do mar. Há outro elemento que adiciona mais uma camada às citações: Pobre pescador também era o título de uma pintura de 1881 feita por Puvis de Chavanne (1824-1898), uma referência na pintura europeia, da geração anterior a de Gauguin.

“Pobre Pescador”, de Paul Gauguin – Foto: Divulgação

Gauguin

Nascido em Paris, Gauguin dedicou-se, sobretudo, à pintura, sendo considerado uma figura emblemática na história da arte por destacar-se das convenções pictóricas do século 19. Viveu parte de sua infância no Peru e foi somente aos 35 anos que passou a se dedicar exclusivamente ao trabalho artístico. Passou algumas temporadas em regiões da França, como Bretanha e Arles, onde conviveu com o artista holandês Vincent van Gogh durante os intensos meses em que dividiram um ateliê.

Frustrado com a cena artística da metrópole parisiense e passando por dificuldades financeiras, o artista nutria o desejo de partir em busca de outra experiência de mundo, na qual pudesse aliar sua pintura a um imaginário para além dos padrões da cultura europeia. Foi assim que Gauguin viajou ao Taiti, na Polinésia Francesa, em 1891 e, após um intervalo de dois anos em Paris, retornou ao Pacífico para lá permanecer até a sua morte, em 1903, nas Ilhas Marquesas.

“Paul Gauguin: o outro e eu” faz parte de uma série de mostras que, desde 2016, com Histórias da Infância, procura analisar, a partir de perspectivas críticas, artistas europeus canônicos pertencentes ao acervo do Masp, problematizando essas obras da tradição à luz de questões contemporâneas. Essas mostras individuais são colocadas em diálogo com o ciclo anual de exposições do museu, como já aconteceu com Toulouse-Lautrec em vermelho (ano de Histórias da sexualidade, 2017) e Degas (ano de Histórias da dança, 2020). “Paul Gauguin: o outro e eu” integra a programação anual do Masp dedicada às Histórias indígenas. Este ano, a programação também inclui mostras de Carmézia Emiliano, MAHKU, Sheroanawe Hakihiiwe, Melissa Cody, além do comodato Masp Landmann de cerâmicas e metais pré-colombianos e a grande coletiva Histórias indígenas.

“O próprio estatuto tanto do autorretrato como de Gauguin enquanto artista moderno, carregado de críticas e polêmicas, ultrapassa a condição de sua mera permanência na pinacoteca do segundo andar do museu, onde atravessou placidamente as sete últimas décadas, para reencontrar, neste início de século 21, um contexto artístico e museológico em plena desconstrução, onde há muitos ‘outros’ a serem contemplados, e onde Gauguin e seus modos de enxergar a si e ao outro podem ser reinseridos de novas e inesperadas maneiras, com a diferença que, de agora em diante, ele não será mais o único protagonista”, concluem Oliva e Laura.

Masp – Avenida Paulista, 1.578, Bela Vista, São Paulo.

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