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Gabriela Munhoz encara a capitã Idalina em minissérie sobre a Boate Kiss

Foto: Eduardo Carneiro

“Acho que se deixar afetar, em alguma camada, é um dos grandes desafios do ator/atriz.” Esta frase traduz o que a atriz Gabriela Munhoz fala sobre ser a Capitã Idalina, que ela representa na minissérie da Netflix “Todo Dia a Mesma Noite”, que conta a tragédia da Boate Kiss, em Santa Maria, no RS, e cuja história é baseada no livro homônimo de Daniela Arbex. Idalina é capitã da Brigada Militar, que esteve no front do resgate às vítimas e que deu todo o suporte às famílias.

A atriz fez participou da novela “Órfãos da Terra”, da TV Globo, em que viveu a síria Mágida – que tem sua filha desaparecida temporariamente e emocionou o público. Além de “Órfãos da Terra” e de sua estreia no streaming, a atriz também já participou de novelas como “Malhação”, “Salve Jorge” e “Além do Horizonte”, todas da Globo.

Gaúcha de Lajeado e graduada em artes dramáticas com pós em filosofia e autoconhecimento, Gabriela, depois de 15 anos morando no Rio de Janeiro, retornou para o Rio Grande do Sul há pouco mais de três anos. Hoje, além dos trabalhos como atriz, ela também responde pelas diretorias do Instituto Estadual de Artes Cênicas do Rio Grande do Sul e do Teatro de Arena de Porto Alegre, ambos equipamentos culturais da Secretaria de Estado da Cultura do RS, e responsáveis pelas atividades de teatro, dança e circo do estado.

Atriz de mão cheia com indicações e prêmios no teatro, Gabriela, durante o período em que morou na capital fluminense, integrou o elenco de várias produções teatrais, entre elas, “Produto”, de Mark Ravenhill, ao lado de Ary Coslov, “Uma História de Borboletas”, baseado no conto de Caio Fernando Abreu, com direção de Marcelo Aquino, e “A Estufa”, de Harold Pinter, também com direção de Coslov. Seu mais recente trabalho nos palcos cariocas, antes de voltar para o Sul em 2020, foi em “A Outra Casa”, de Sharr White, com direção de Manoel Prazeres, ao lado de Helena Varvaki, espetáculo que circulou e fez três temporadas no Rio. 

Leia a seguir o papo que RG teve com a atriz.

Foto: Eduardo Carneiro

Como você se interessou pela carreira de atriz?

Comecei a fazer aula de teatro na minha cidade natal, Lajeado (RS), quando criança. Aos 10 anos participei de um festival de teatro amador do RS, com um espetáculo infantil. Eu vivi intensamente aquela experiência (na qual, inclusive, ganhei o meu primeiro prêmio como atriz). Ali decidi, ainda criança, que aquela seria a minha profissão, risos.

E como começou sua trajetória na carreira?

Ingressei na faculdade de psicologia no RS e cursei até a metade do curso. Aí tranquei a faculdade e convenci os meus pais de que eu queria mesmo era ir estudar artes cênicas no Rio de Janeiro para poder mergulhar nesse universo. Eles foram corajosos e me ajudaram muito nessa experiência. Fiz universidade, cursos livres, ingressei numa pós-graduação, e, junto disso, entrei para o mercado de trabalho carioca.

Por que saiu do Sul para morar no Rio?

Desde muito cedo eu desejava isso. A gente cresce no interior do RS ouvindo que nos grandes centros que estão as maiores oportunidades de estudo e trabalho nas artes. Elaborei e planejei isso durante um tempo, e tive (tenho) a grande sorte de ter uma família parceira que me impulsionou. Morei lá durante mais de 15 anos e tenho o Rio como minha cidade querida.

Como foi fazer novelas na TV Globo?

Artistas que vêm de cidades pequenas e distantes do habitat da TV Globo chegam ao Rio com uma meta de fazer televisão. Um sonho. Hoje talvez menos, mas há 20 anos isso era muito forte. Fazer TV era garantia de sucesso, estabilidade, reconhecimento. Artista com “vida resolvida”.

Eu tive algumas oportunidades de fazer participações na TV, mas um único desafio grande. Uma mulher síria que perdeu (temporariamente) a filha, na reta final da novela “Órfãos da Terra”, em 2019. Foi uma experiência muito interessante, porque eu já não era mais uma menina que sonhava com televisão; eu tinha uma trajetória de bastante trabalho e isso me auxiliou a trazer maturidade para o desafio.

Foto: Eduardo Carneiro

Acha que a exposição na TV aberta ajuda?

Acho que sim. O artista que expande o seu trabalho para um número grande de pessoas tem mais retorno, reconhecimento, e, em geral, melhor remuneração. Atingir grandes públicos, amplificar o impacto do seu trabalho é um desejo comum a muitos profissionais das mais diversas áreas; o artista não haveria de ser diferente. A TV aberta possibilita esse contato com grandes públicos e tende a impulsionar a carreira dos artistas.

Que parte de sua carreira destacaria?

A minha carreira é costurada por muito teatro, algumas experiências no audiovisual, e diversos trabalhos como gestora de projetos da arte, cultura e do entretenimento. Durante algum tempo eu enxergava as coisas dissociadas e até me cobrava algumas decisões e escolhas entre os universos. Como se eu tivesse que fazer isso ou aquilo.

Hoje me enxergo totalmente completa no trânsito destes ofícios. O meu trabalho enquanto gestora de projetos da arte e da cultura é complementar às investigações acerca do meu trabalho de atriz. Eu gosto muito deste momento da minha carreira: 2023.

Foto: Eduardo Carneiro

Como surgiu a oportunidade de filmar “Todo Dia a Mesma Noite”?

A Julia Rezende, diretora, me procurou – ela sabia que eu estava no Sul, e nós fizemos alguns testes virtuais. Depois disso, certo dia ela me ligou dizendo: Oi, Capitã!!! Lembro direitinho da alegria que foi aquele momento. Eu quis demais essa personagem.

Conte sobre sua personagem.

A capitã Idalina é o nome fictício para a Capitã Liliane, uma mulher real e que viveu na pele toda a tragédia da boate Kiss. Ela aparece no livro da Daniela Arbex “Todo Dia a Mesma Noite”, no qual a série se baseou.

O que eu sei sobre a Liliane é que ela foi uma leoa. Muito corajosa, sensível, arregaçou as mangas e lutou na linha de frente naquela noite tenebrosa – e atuou nas consequências também. Me emocionou diversas vezes pensar no momento que eu estava tendo: poder dar vida a uma personagem inspirada nessa grande mulher.

Foto: Eduardo Carneiro

Quais foram as principais dificuldades para gravar?

Se deixar atravessar pela dor dessas pessoas. Tentar trazer um pouco daquilo para mim, tentar me imaginar na situação, pesquisar a história e entender o tamanho da tragédia. Entrar em contato com as profundezas deste acontecimento e abrir espaços para mergulhar nele foi doloroso e muito desafiador.

Emocionalmente a série afetou você de alguma forma?

Acho que se deixar afetar, em alguma camada, é um dos grandes desafios do ator/atriz. Abrir espaços em si para atravessar as vivências, se propor experimentar e se aproximar da experiência faz parte do meu ofício. No caso desta história, o nível de dor parece ser tão inimaginável, que a qualquer movimento de empatia – de tentar exercer a prática de se colocar no lugar do outro – doía em mim. E acho que em todos que estavam conectados a este projeto. Foi impossível atravessar ilesa.

Como tem sentido a receptividade do público com o trabalho?

Me emocionou perceber como muitas pessoas engajaram e ecoaram o discurso deste projeto. Acho que todo pai, mãe, tio, irmã, todo mundo que tem alguma rede de amor e afeto se sentiu tocado por tanta dor e falta de justiça. Todos conhecem a tragédia da boate Kiss, mas vários não sabiam do tamanho e do detalhamento da história. Nesse aspecto, eu acredito que a arte cumpriu o seu principal papel neste projeto.

Quais são os próximos projetos?

Eu tenho um monólogo no forno – mas ainda não sei quando conseguirei pari-lo. E fui renomeada para os meus cargos de diretoria nos dois equipamentos culturais da Secretaria de Estado do RS.

Tenho gostado muito de trabalhar com o audiovisual também. Quero contar novas histórias no cinema, no streaming… Mas prefiro acreditar no fluxo do tempo e suas oportunidades.

Por que voltou para o Rio Grande do Sul?

Na véspera da pandemia, com filho pequeno e o desgoverno gravíssimo do Rio, eu passei a sentir vontade de ficar mais no Sul, perto da minha família. Surgiram oportunidades bacanas de trabalho por aqui e, logo em seguida, veio a pandemia – o que me fez sentir muita vontade de ficar perto dos meus. Faz quase três anos que eu voltei a morar aqui no Sul e sigo trabalhando ininterruptamente durante este tempo. Viajo para trabalhar sempre que precisa, mas volto para a minha casinha gaúcha depois. Tem funcionado muito bem até aqui.

Foto: Eduardo Carneiro

Como é responder pelas diretorias do Instituto Estadual de Artes Cênicas do RS e do Teatro Arena de Porto Alegre? É muita responsabilidade, não?

Sim, é uma responsabilidade. Mas eu estou amparada por uma equipe bonita, com colegas técnicos e parceiros, além de ter a supervisão e o apoio direto da nossa Secretária de Estado da Cultura, Bia Araujo, por quem tenho uma grande admiração e uma bonita relação de troca e confiança. Eu acredito no momento da cultura que temos no nosso estado. E que bom poder dizer isso agora! Também acredito no prognóstico de cultura do nosso País e isso me faz desejar, acreditar e continuar lutando.

Que tipos de trabalhos exerce à frente desses dois órgãos?

Enquanto diretora do Instituto Estadual de Artes Cênicas do RS, meu principal foco é atuar refletindo sobre as políticas públicas para o setor das artes cênicas – teatro, dança e circo no nosso estado com o intuito de estimular, apoiar e fomentar.

Como diretora do Teatro de Arena, meu trabalho é direcionado a cuidar desse espaço que funciona há 56 anos como palco de espetáculos diversos e representativos, além de criar e desenvolver ações e projetos que abram as portas para a classe e suas demandas de forma singular e democrática.

Pretende voltar ao Rio ou ir para São Paulo, por exemplo?

Quem sabe? Eu gosto tanto do Rio quanto de SP, mas tenho gostado muito de morar e de trabalhar em Porto Alegre. E acho uma ótima cidade para o meu filho crescer. Hoje, faz sentido para mim ir para esses grandes centros só para trabalhar, pontualmente. Mas eu não descarto essa possibilidade para o futuro, caso o trabalho me conduza a isso.

Que dicas daria a atores iniciantes que querem seguir a sua trajetória?

Eu encaro a minha profissão como um ofício de muito trabalho, como labuta diária mesmo. Pouco glamour e muito suor! Acredito que atuar é uma prática que exige alimento constante, observação e investigação do mundo, da vida e, principalmente, de nós mesmos. Acho que, além de talento e paixão, é preciso ter vocação para seguir essa carreira.

Sobre dicas… difícil, né? Mas me ocorre dizer: Insista naquilo que verdadeiramente te move e se aprofunde nisso.

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