Cultura

Abordando a violência doméstica, “CARNE DE SEGUNDA” faz temporada na Casa de Cultura Laura Alvim

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Foto: Divulgação

Surgida a partir de uma notícia de jornal, cuja manchete dizia que uma mulher do interior havia destrinchado o marido, a peça “CARNE DE SEGUNDA” volta à cena teatral embalada por mãos femininas. No dia 24 de fevereiro às 19h a montagem escrita por Marina Monteiro e dirigida por Natasha Corbelino estreia na Sala Rogério Cardoso, na Casa de Cultura Laura Alvim, sob interpretação de Tatjana Vereza. O espetáculo conta com apoio institucional da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, da FUNARJ e da Casa de Cultura Laura Alvim.

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A peça conta a história de uma moradora de uma cidade pequena que decide ser açougueira, profissão incomum para mulheres. Num lugar onde todos sabem da vida de todos, não é segredo que ela vive fugindo do marido por conta da violência doméstica. Ao longo da encenação, a plateia descobre a trajetória dessa mulher açougueira, que durante muito tempo usou seu instrumento de trabalho para destrinchar carnes.

“Da notícia, me chamou a atenção o fato de que todos os vizinhos relataram que o marido a perseguia em volta da casa com um machado e ninguém fazia nada, mas para condená-la estavam todos a postos. Fiquei com isso na cabeça e os elementos do texto foram chegando. Um misto de tragédia com grupo do WhatsApp, fofoca de vizinho com coro grego. Os tempos se misturando. Curioso é que não salvei a matéria e nunca mais consegui encontrá-la. Não sei mais se foi delírio, mas foi daí o início. Acho que essa questão da sutileza e delicadeza misturadas com a força vêm muito no trabalho com a linguagem, buscando uma dramaturgia que ofereça ambiguidade, abertura, espaço para a atriz, pra diretora, pro público”, sintetiza Marina sobre a dramaturgia desenvolvida a partir de sua ideia.

Construído sob uma narrativa de muitas vozes que observam a vida da personagem, o espetáculo levanta questões necessárias, como a de atravessar um sistema que de antemão não consegue garantir para as mulheres as mesmas premissas que para os homens; como forjar novas profissões para todas; ou como furar a bolha conservadora que, geração após geração, direciona as mulheres para os mesmos futuros. E estas pautas, intrínsecas ao texto, vieram ao encontro de Tatjana justo quando ela precisava de uma força que a lançasse em movimento para produzir e atuar em algum projeto.

“A peça mostra uma mulher que toma as rédeas de sua própria vida apesar de tudo que falam sobre ela: que é bruta, violenta, safada, gorda, feia, louca… Pensa aí, quais são as maneiras de silenciar uma mulher potente? Apesar de um solo, não estou sozinha. Existem muitas e milhares de mulheres que precisam pautar as suas próprias vidas. Espero que o público entenda que quanto mais se fala, se mostra e se atua contra a violência doméstica e de gênero, mais mulheres serão protegidas e livres para construir suas trajetórias de vida, inventar e sonhar seus próprios futuros. Trazendo essas questões para a cena contemporânea, criamos um motor potente para a desconstrução dessa estrutura machista e patriarcal que nos impõe tanta opressão e silenciamento”, pondera Tatjana.

Sendo a notícia um delírio da mente ficcionista ou não, o que mais despertou o desejo em contar esta história foi o fato de a ficção ser capaz de recontar a realidade transmutando-a e movendo-a de seu lugar comum. Não se trata de uma tragédia cujo destino é se cumprir, se trata de uma possibilidade de pergunta e, quem sabe, através da arte, expor em praça pública as peças podres de nossa carne social. Embora a dramaturgia tenha surgido com dados perceptíveis no cotidiano, para a equipe majoritariamente feminina da montagem a resposta à tanta covardia não é destrinchar a carne de ninguém, mas talvez as estruturas ruídas de nossa sociedade.

“Mais do que um ato de resistência, acho que nossa peça é um ato de exaustão, exaustão explícita, é além do limite que aguentamos. Estamos morrendo? Não, estamos sendo mortas. Mas não vamos morrer para sempre, não é possível! Repito: estamos exaustas, mas não vamos parar o movimento. Num país que traz incontáveis notícias de feminicídio por dia, dirigir teatro criando com esse universo poderia ter dilacerado demais a gente. Eu não posso simplesmente dizer que ‘ser mulher e estar viva no Brasil’ é meu maior desafio. Esta fala seria uma violência de raça e gênero que eu, mulher branca e cisgênero, estaria reproduzindo. Criar táticas para cuidar de nós enquanto nos contextualizamos nos nossos privilégios me parece um bom começo para eu me perguntar como foi dirigir essa peça”, finaliza Natasha.

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