Ana Abbot em cena de “Taquicardia”” – Foto: Julia Zakia
Em tempos de selfies para registrarmos momentos de que queremos nos lembrar, será que esquecemos onde moram nossas lembranças? Não percebemos que a vida não cabe numa fotografia que nem mais se amarela no papel, mas, sim, flutua em alguma nuvem? Não damos conta de que as despedidas são também encontros com nossas próprias memórias, nossos próprios afetos, e que uma fuga é, na verdade, uma busca? Pois “Taquicardia” – com argumento e atuação de Ana Abbott, dramaturgia de Nanda Félix e direção de Luciana Fróes – vai fazer você revirar seu baú e, com sorte, encontrar novos significados para suas memórias.
A peça estreia na Sede Cia dos atores, na Lapa, Rio de Janeiro, para uma curtíssima temporada de seis apresentações, de 10 a 19 de março, sextas e sábados, às 20h, e domingos, às 19h.
“Um dia uma mulher recebe a notícia de que a sua gata pode ter desaparecido e resolve não mais voltar para casa para assim não ter que lidar com a possível dor. ‘Taquicardia’ é um espetáculo que fala de uma fuga, mas uma fuga para dentro de si mesma. Quanto mais ela foge, mais se aproxima de sua própria história e pode finalmente sentir. Enquanto ela foge, elabora suas perdas e seus desejos mais profundos”, explica a dramaturga Nanda.
Já dizia o poeta Manoel de Barros “que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produz em nós”. Daí a importância da arte. Da arte que imita a vida, da vida que imita a arte. “A peça nasceu de um processo íntimo envolvendo confiança e amizade. Histórias reais e fictícias que falam de perdas e emoções geradas por essas perdas. Espaços se abrem ao falarmos sobre gatos, memórias, infância, ausências, buracos e desaparecimento”, explica a diretora Luciana.
A proposta investe no tensionamento arte-vida, afeto-fato, presença-ausência, e propõe como força mobilizadora da experiência artística o relato de si e o cruzamento narrativo da ficção com a biografia afetiva da performer a partir da morte de seu pai. Baseado em fatos reais, “Taquicardia” é composto de fragmentos de memória e ficção.
“‘Taquicardia é uma experiência artística tocante, ao mesmo tempo simples e contundente. Assisti ao processo aberto e me encantei. A performer Ana Abbott convida o público a conhecer a trajetória das dores de suas perdas, mesclando memória, invenção, fatos e temporalidades. Ela faz isso de forma elaborada e sensível, mas também intensa. Sem sentimentalismos, a peça atravessa conteúdos reais com humor, densidade, confissão, ficção, a partir da mão precisa e inventiva da diretora Luciana Fróes. A dramaturgia de Nanda Félix flui na boca da performer de maneira tão potente que coloca o público em total empatia com o acontecimento cênico”, conta a diretora e atriz Ana Kfouri.
Ana Abbott em cena de “Taquicardia”- Foto: Julia Zakia
O texto do espetáculo – construído durante os ensaios – parte de um fato quase cotidiano: uma mulher descobre, por uma mensagem de texto, que sua gata talvez tenha sumido. A mulher não sabe ao certo se a gata fugiu ou se está escondida. O medo de descobrir o que de fato aconteceu com a gata faz com que essa mulher tome uma decisão inusitada: não voltará para casa, pois assim não terá que lidar com o possível desaparecimento da gata. O que está em jogo é o enfrentamento da performer com a possibilidade da perda, novamente. A mulher, Ana, perdeu o pai, uma amiga e o cachorro num espaço curto de tempo e, ainda de luto, tentando compreender o que ficou depois de tantas perdas, não concebe ter que entrar em contato com esse novo desaparecimento e foge.
Acompanhamos a fuga de Ana para dentro de si, enfrentando memórias e ressignificando sua trajetória a partir de um acontecimento aparentemente banal. Enquanto Ana constrói sua narrativa em busca de um ponto definitivo que possa trazer luz a quem ela é nesse instante indefinido, ela é atravessada por uma caixa de pandora de imagens e memórias que se abre infinitamente. No paradoxo do fugir e chegar cada vez mais perto de si, as sensações mesclam-se em cenas, sons, imagens e falas que misturam temporalidades, tensões e situações fantasmagóricas do inconsciente. São aparições e clarões da memória, da imaginação e do afeto. Aparições de presenças que não se têm mais, mas que permanecem indeléveis em todos os movimentos e sentidos da vida.
“Em ‘Taquicardia’ percebo que várias sensações que levantamos na peça estavam de alguma forma sempre presentes nos meus trabalhos. Que intuitivamente estou perseguindo um caminho. Uma travessia de ausência às avessas, um lugar que persigo e nem sei qual é. ‘Taquicardia’ é hoje uma reunião de atravessamentos, buracos, histórias pessoais, memórias inventadas que reverberam cenicamente de várias maneiras, com humor, densidade, poesia. E comigo na travessia pessoas de mãos dadas, olhares atentos e precisos, respirando junto, procurando os próprios bichos”, revela Ana.
Ana Abbott em cena de “Taquicardia”- Foto: Julia Zakia
“A pandemia de Covid nos trouxe uma série de desafios e perdas, e muitos lutos ainda não foram processados. Ainda que alguns tenham escapado ilesos, todos sentiram o peso do luto no ar. ‘Taquicardia’ é uma reflexão sobre a perda e a importância de abordá-la, mas ao mesmo tempo, oferece uma visão poética e humorística sobre o assunto, nos permitindo sorrir durante esse processo. Porque, após todas as perdas, há sempre uma oportunidade para um novo recomeço.” acrescenta o produtor Gabriel Bortolini
O projeto é uma produção da Reprodutora e Cia Teatral do Movimento, e conta com patrocínio do Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, através do Edital Retomada Cultural 2. Traz uma equipe de criação com nomes de excelência no campo das artes. Além das já citadas Ana Abbott, Nanda Félix e Luciana Fróes, estão Rodrigo Marçal na trilha sonora, Pojucan na criação gráfica, Gabriel Bortolini na produção executiva e Luiz Schiavinato na direção de produção.
Sede Cia dos Atores – Escadaria Selarón – Rua Manuel Carneiro, 12, Lapa, Rio de Janeiro.