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Paulo Lessa sobre representatividade: “Não esperava que pudesse virar esse símbolo”

Paulo Lessa encantou o público como Ítalo em “Cara e Coragem”; agora se prepara para integrar o elenco principal de “Terra Vermelha” – Foto: Márcio Farias

Paulo Lessa entrou na chamada de Zoom para essa entrevista entre compromissos relacionados a “Terra Vermelha”, próxima novela das 21h da TV Globo de Walcyr Carrasco, na qual será protagonista, em um elenco que conta com nomes como Glória Pires, Tony Ramos e Cauã Reymond.

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“Agora mesmo tive uma preparação de corpo. Está sendo muito legal, aquele tipo de entrosamento do grupo. É muito bonito ver atores mais consagrados e monstros da TV fazendo as mesmas atividades que a gente, super disponíveis, com um autor que é super renomado, que coleciona sucessos. É uma responsabilidade, mas ao mesmo tempo é o reconhecimento do meu trabalho”, conta.

Ele acabou de encerrar “Cara e Coragem”, onde viveu o personagem Ítalo e viu sua carreira dar uma guinada sem precedentes. Estava de férias em Cabo Verde com a família – sua esposa, Cindy Cruz, é cabo-verdiana – quando veio a chance de fazer sua terceira novela das 21h.

Essa onda de sorte é, na verdade, resultado de anos cavando oportunidades em um mercado no qual a praxe ao longo da história foi manter as portas fechadas para pessoas não brancas em papéis de protagonismo.

“A possibilidade que ‘Cara e Coragem’ me deu foi uma quebra de diversos estereótipos. Acho que é fundamental para uma novela a construção de imaginário popular. Eu não via uma possibilidade de fazer um protagonista de maneira imediata. Não é toda hora que aparece um personagem desse para a gente, mas ao mesmo tempo eu já venho batalhando e na estrada há bastante tempo.”

Foto: Márcio Farias

Com quase 15 anos de carreira, ele trabalhava principalmente como modelo quando participou da oficina de atores da globo em 2008 e decidiu se dedicar integralmente à profissão e integrou o elenco de novelas como “Viver a Vida”.

De lá para cá, seu crescimento como artista veio com a consciência e responsabilidade de representar milhões de brasileiros nas telas da maior emissora do país. “Não só uma conquista individual minha, mas uma conquista de muita gente. Quando as pessoas se veem representadas, dá um estalo na vida das pessoas e as possibilidades de mudança são enormes.”

A recepção do público à sua participação em “Cara e Coragem” foi de aquecer o coração. “Estou andando na rua e as pessoas me chamam de Ítalo. Além do entretenimento, tem uma série de mensagens, quando a gente entra no papo de protagonismo negro, por exemplo. Só o fato de estar nesse lugar já encoraja muita gente, faz o sonho dessas pessoas um pouco mais próximo.”

“Confesso que fiquei surpreso. Não esperava que pudesse virar esse símbolo. Até em questões de estética, caras falando que iam colocar o dread por minha causa.”

Para além do impacto de sua presença na televisão e a influência na vida de jovens que se veem representados nele, Lessa tem uma preocupação de preservar as raízes africanas em em seu dia a dia e vida pessoal. Exemplo disso é que ele e a esposa, nascida em Cabo Verde, estão ensinando a filha a falar o dialeto crioulo da região.

“Acho que tem um valor cultural, um valor ancestral muito forte. É muito comum que os filhos de cabo-verdianos que vivem muito tempo nos Estados Unidos, por exemplo, falem só inglês. Isso para mim é ver um pouco da cultura morrendo. ensinar o crioulo para minha filha é manter um pouco da cultura viva.”

Em conversa com o RG, ele relembra sua trajetória, conta como têm sido os bastidores de “Terra Vermelha” e fala da responsabilidade que sente ao ocupar cada vez mais espaço na mídia. Leia a entrevista completa abaixo:

Foto: Márcio Farias

RG – Você acaba de assinar para a próxima novela do Walcyr Carrasco. Como surgiu essa oportunidade?

Aproveitei a oportunidade que tive em “Cara e Coragem”, um trabalho incrível. Estou tendo um retorno não só do público, mas dos diretores e produtores. Tive sorte durante a novela e eles conseguirem me enxergar em outro personagem também. Começou como um leve flerte, falando do projeto, mostrando esse interesse da Globo em permanecer comigo, até que me oficializaram e me fizeram um convite direto para um dos personagens protagonistas. Fiquei mto feliz e tive que encurtar minhas férias.

RG – Por um ótimo motivo! O que você pode contar do personagem? Se identificou em algum sentido?

Ele é de um universo completamente diferente do meu e do Ítalo, que é meu personagem em “Cara e Coragem”. Por aí já é um grande desafio. Estou vendo que é um personagem que vou ter que trabalhar muito, me desafiar mais, encarar mais as dificuldades e limitações que eu tenho. Isso me instiga muito. Adoro trabalhar, adoro o processo, essa coisa da superação, ver a evolução. A questão de sotaque, de ambiente, acho que preciso de mais um tempo, mas estou me dedicando ao máximo para isso.

RG – Como têm sido os preparativos?

Agora mesmo tive uma preparação de corpo. Está sendo muito legal, aquele tipo de entrosamento do grupo. Está sendo muito bonito ver atores mais consagrados e monstros da TV fazendo as mesmas atividades que a gente, super disponíveis, com um autor que é super renomado, que coleciona sucessos. É uma responsabilidade, mas ao mesmo tempo é o reconhecimento do meu trabalho. Meu trabalho em “Cara e Coragem” está abrindo portas. Eu dizia para minha esposa e amigos que queria aproveitar a oportunidade para abrir mais portas. A chance veio e acho que está no caminho certo.

RG – Você mencionou que “Cara e Coragem” abriu portas e é hora de agarrar a oportunidade. Você sente que não teve tantas chances até esse momento? A que atribui isso? Sente que teve a ver com racismo?

A possibilidade que “Cara e Coragem” me deu foi uma quebra de diversos estereótipos. Acho que é fundamental para uma novela a construção de imaginário popular. Eu não via uma possibilidade de fazer um protagonista de maneira imediata. Não é toda hora que aparece um personagem desse para a gente, mas ao mesmo tempo eu já venho batalhando e na estrada há bastante tempo.

Me deixa muito orgulhoso a possibilidade de comunicar além do entretenimento. O povo brasileiro é intimo das novelas. Estou andando na rua agora as pessoas me chamam de Ítalo. Além desse entretenimento, tem uma série de mensagens que a gente consegue mandar com a nossa atividade, quando a gente entra nesse papo do protagonismo negro, por exemplo. Só o fato de estar nesse lugar já incentiva um monte de gente, já encoraja um monte de gente, faz o sonho dessas pessoas ficarem um pouco mais próximo.

RG – Como foi sua reação ao retorno do público?

Confesso que fiquei surpreso. Não esperava que pudesse virar esse símbolo. É impressionante a quantidade de jovens, seja para falar da representatividade como um todo ou algumas coisas mais de estética, do cabelo, de caras falando que iam colocar o dread por minha causa.

RG – Parece que você tem um senso de responsabilidade agora que está vivendo esses papéis na TV.

É uma responsabilidade porque a gente está ali representando muita gente, impactando a vida de muita gente. Tive as férias encurtadas [para as gravações de “Terra Vermelha], eu estava em Cabo Verde, e é impressionante a forma como o cabo verdiano consome as nossas novelas, o impacto que tem. Um país tão longe do nosso mas ao mesmo tempo tão perto. Consomem a nossa cultura e são apaixonados pelas nossas novelas.

RG – Como tudo começou? De onde surgiu seu interesse por teatro e como foi sua entrada na TV?

Eu comecei como modelo, fazendo publicidades no Rio de Janeira, que teve um mercado bem forte de publicidade. Era uma maneira que os atores tinham de se manter. Eu não era ator, estava começando como modelo, fazia alguns desfiles. Já participei do SPF e do Fashion Rio, até que consegui enxergar a necessidade de atores na publicidade. Ser ator ampliava as minhas possibilidades. Comecei a me interessar, fazer cursos livres, de teatro, de interpretação para câmera. Fui me interessando mais, até que  fiz um teste para a oficina de atores da Globo, em 2008, e a coisa começou a entrar mais nos eixos.

Comecei a ter coragem de me assumir como ator, antes eu nem falava, tirava um pouco essa responsabilidade, Depois que eu fiz a oficina, tive uma imersão total praticamente um ano em contato com outros artistas e eu falei “é isso que eu quero, sou ator, vou cair dentro”. Na época eu tinha 26 anos. Não foi uma decisão muito de moleque, eu queria jogar bola. Vi que não dava para ser jogador, mas quis me manter em contato com o esporte, então fiz fisioterapia na faculdade. Ao mesmo tempo que fazia fisioterapia, levava meus trabalhos na publicidade até começarem as participações como ator. Tranquei a faculdade para nunca mais voltar.

RG – Você comentou que acabou de voltar de Cabo Verde, e sei que você e sua esposa Cindy estão ensinando o dialeto local para sua filha. Qual a importância de passar essa cultura para as próximas gerações?

Acho que tem um valor cultural, um valor ancestral muito forte. É muito comum que os filhos de cabo-verdianos que vivem muito tempo nos Estados Unidos, por exemplo, falem só inglês. Isso para mim é ver um pouco da cultura morrendo. ensinar o crioulo para minha filha é manter um pouco da cultura viva. Ela não está falando ainda, mas já entende.

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