Cultura

Carol Marra: “Meu talento não pode ser reduzido a minha genitália”

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Carol Marra é uma grande artista e comunicadora, que trilhou uma trajetória admirável como modelo, jornalista e atriz. Além disso, é uma mulher trans, cuja presença na mídia contribuiu e segue contribuindo para quebrar paradigmas relacionados à comunidade transexual no Brasil, país que mais mata pessoas trans no mundo – posição que ocupa há 14 anos.

Como modelo, Carol foi a primeira brasileira trans a despontar nas passarelas da alta costura. Como atriz, ela se tornou a primeira mulher trans a interpretar uma mulher cisgênero na TV brasileira, na novela “Quanto Mais Vida, Melhor!”, em 2021. Em conversa com o RG, ela reflete sobre a evolução que viu no mercado ao longo de sua carreira, marcada principalmente pelo aumento do espaço para mulheres trans interpretarem personagens cis na televisão. “Meu talento não pode ser reduzido a minha genitália. (…) O ator empresta seu corpo para contar histórias, seja ela qual for”, afirma.

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Leia a conversa completa abaixo:

Sua presença na TV brasileira acabou se tornando um marco em vários momentos. Você foi a primeira mulher trans a protagonizar um beijo na TV e a interpretar uma pessoa cis. Ainda que seja incrível essa quebra de paradigmas, também é estranho ver que ainda há pouca representatividade, né? O que você acha que ainda falta?

Se por um lado me sinto envaidecida, por outro me sinto muito triste porque nós estamos em 2023 e há tanta mulher trans talentosa que poderia estar ocupando esses espaços e não estão. E quando digo espaços não é só dentro da televisão, mas na sociedade numa forma em geral, seja numa loja, na medicina, e não em uma esquina da rua se prostituindo porque elas não tem a oportunidade de mostrar seu talento e aptidão. Isso me deixa um pouco triste e assustada. Mas, por outro lado, é legal a gente estar abrindo as portas e mostrar que isso é possível. A gente está caminhando a passos largos para um mundo melhor. Está longe de ser uma coisa ideal, mas está melhorando aos poucos.

Você vê claramente um avanço na mudança de mentalidade das pessoas de quando você começou na mídia para agora?

Esse primeiro beijo foi há quatro anos, em “Espinosa”, do GNT. A novela (“Quanto Mais Vida, Melhor!”) foi um grande passo. Até então, toda mulher trans, gay, travesti, era representado sempre nas novelas como uma coisa caricata. A mídia e a TV têm uma dívida muito grande com essa parcela da população. Esses personagens eram representados de uma forma caricata e nunca uma coisa real e fiel. Existem pessoas e pessoas. Eles só mostravam um tipo de pessoa, e sempre tendia para uma coisa engraçada. Isso só reforçava um estereotipo negativo que a população tem aqui fora dessas pessoas. Sempre virava uma piada um deboche um meme nunca era respeitado. Agora começou a ter pessoas normais.

“Carol, você não parece trans.” Eu tinha que parecer o quê? Tinha que estar com bigode? Tinha que estar masculina? Sou uma mulher como outra qualquer. Coincidentemente ou não, sou uma mulher trans, independentemente de ter feito a cirurgia ou não. Acho que essa divida a TV e os meios de comunicação têm, mas isso esta caindo por terra aos poucos haja visto esse personagem que eu fiz. Uma mulher cis, advogada bem-sucedida de uma empresa de cosméticos em uma novela da TV Globo, maior emissora do pais. A gente está evoluindo muito, a Globo tem aberto oportunidades. Tenho várias amigas trans trabalhando em outros produtos da casa, seja fazendo trans ou não.

Eu li que você pretende dar mais foco para suas palestras nesse ano. O que te motivou a tomar essa decisão?

Eu vou continuar minha carreira de atriz, mas eu dei uma palestra, na verdade duas, e foram um sucesso. Eu senti essa necessidade. Eu falo que cada pessoa tem que assumir sua verdade. Quando eu assumi a minha verdade de ser a mulher que eu sou, a minha vida se tornou muito mais leve, as coisas começaram a fluir. Vou dividir minha historia com outras pessoas, de alguma forma pode ser inspiradora.

Você acha que as redes sociais são benéficas nesse processo de quebra de paradigmas? Ao mesmo tempo em que as pessoas podem conhecer outras histórias como as suas, também abre espaço para discursos de ódio, né? Como você lida com essa dicotomia?

Fiz muitos anos de analise, então para me machucar é muito difícil. Geralmente a pessoa que vai lá te ofender está infeliz com ela mesma. Essa pessoa é digna de dó, nem perco meu tempo de ir bater boca. Deixo ela se resolver, ela que vá se tratar, curar o preconceito dela. Eu sou uma pessoa muito bem resolvida. Já sofri muito com isso, mas hoje me coloco num lugar que eu não aceito menos do que eu mereço. Entro e saio de qualquer lugar de cabeça erguida. Sou uma pessoa como outra qualquer.

A linguagem na internet mudou, a forma de se comunicar mudou os termos mudaram muito, a gente tem que se adaptar a essa nova realidade. Às vezes aquilo esta ferindo o próximo, e a gente tem que ter essa sensibilidade respeito, compaixão pelo próximo. Eu me preocupo nesse sentido. Agora, a pessoa vir me agredir, eu deixo falando sozinha.

Algo que escuto muito é o espaço para pessoas trans acabar sendo reduzido só a esse tema em alguns momentos. Como você enxerga essa questão?

Isso me incomoda muito. Meu talento não pode ser reduzido a minha genitália, a minha condição sexual. Não é nem opção, porque eu não optei por ser assim. Ninguém escolhe nascer branco, nascer gay, hétero, trans. A gente nasce, então é uma condição. Meu talento ser reduzido a isso acho lamentável. Principalmente o credito. “Atriz e jornalista trans Carol Marra”. Para quê? Isso não é crédito. Ninguém fala o “ator homossexual tal”, “a cantora lésbica tal”. Esse crédito é uma coisa que me deixa profundamente irritada.

Me deixa profundamente triste só lembrarem de mim para esse tipo de pauta e personagem. O ator empresta seu corpo para contar histórias, seja ela qual for. Você estar sempre contando a sua história com uma outra roupagem é muito chato, é me limitar, me colocar dentro de uma caixinha. Me dê oportunidade para mostrar que eu tenho talento. Deixa eu fazer outra personagem, mas nem para teste as vezes você é chamado, mas as coisas estão mudando. Isso me deixa feliz e esperançosa.

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